terça-feira, 9 de outubro de 2018

7 em cada 10 joinvilenses querem casar com o fascismo

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Eis um tema para reflexão. 72% dos joinvilenses votaram em Jair Bolsonaro. Isso quer dizer que há a probabilidade – muito concreta, diga-se – de 7 em cada 10 dessas pessoas serem fascistas. É um número brutal, mas não vamos pôr a todos no mesmo saco. De tudo o que sabemos sobre  Joinville e a sua história, é possível dividir os eleitores do candidato da extrema-direita em pelo menos quatro grupos.

1.     Os que são mesmo fascistas. E, arrisco dizer, devem ser a maioria.
2.     Os que, não sendo propriamente fascistas, namoram as ideias do fascismo e até acham que uma suspensão temporária (pode ser longa) da democracia é o que o Brasil está a precisar.
3.     Os cínicos, que por interesses pessoais e razões táticas (o ódio ao PT, por exemplo), estão numa relação aberta com o fascismo. Mas não têm a pretensão de casar porque sabem que o fascismo para a vida toda é loucura.
4.     E as virgens. Dizem que 60% dos eleitores de Bolsonaro são jovens entre os 16 e 34 anos. É gente que, pela idade, nunca experimentou um regime autoritário e acha o discurso fascista uma coisa sexy. Há muito tesão, ingenuidade e a falta de juízo típica da juventude.

Mas todos têm uma coisa em comum: o apego ao discurso autoritário, violento e moralizador (apesar de que a moral é sempre discutível). Os joinvilenses, em sua maioria, não têm tradição de intervenção política e limitam-se a votar. É tentador, portanto, entregar o próprio destino nas mãos de um líder que pareça sólido. E Jair Bolsonaro, em que pese a sua extrema burrice, conseguiu construir essa imagem. Isso sim é a construção do mito.

O fascismo é um movimento de massas que precisa de um apoio social transversal. Só é eficaz se juntar os opostos – ricos e pobres, por exemplo – à volta de um líder carismático,  mesmo que o carisma seja construído de forma artificial, como é o caso. Não é despiciendo lembrar Max Weber e o conceito de dominação carismática, que assenta na crença de que o líder tem qualidades superiores. Bolsonaro não tem, mas não vem ao caso.

A seguir a senda weberiana temos uma condição: o líder deve ser visto pelos seguidores como alguém acima da média, quase sagrado e a sua imagem deve emanar algo “heróico”. Tal líder é alguém imune ao erro. Ora, não precisa ser verdade – Bolsonaro é a encarnação do erro – porque estamos a tratar de um jogo de sombras. Não importa a realidade, mas a criação de uma percepção. E esse trabalho foi feito.

As massas gostam da ideia do pai autoritário e protetor a dizer o que elas devem fazer. Perfeito. Duro. Implacável. Os momentos de crise, de ressentimentos e de impotência são perfeitos para abrir o caminho para o autoritarismo. No Brasil destes dias, tudo conjumina a favor dos projetos fascistas. A economia de pantanas. O desemprego galopante. A criminalidade desenfreada. A falta de esperança no futuro. A cultura do ódio.

Aliás, este último fator é essencial para o sucesso dos projetos autoritários. É imprescindível ter um inimigo palpável, visível e identificado para odiar e destruir. Hitler, por exemplo, elegeu os comunistas como principal inimigo a abater. E a história se repete. No Brasil, o inimigo é o PT. Nem é preciso lembrar a (des)construção da imagem do partido feita ao longo dos últimos anos. Com o Supremo com tudo.

Em Joinville, a coisa funciona na perfeição. É uma cidade condicionada pelo delírio da ética (protestante) do capitalismo e nunca escondeu o ódio pelas esquerdas e pela ideia de liberdade. Porque as pessoas não sabem o que fazer com as liberdades. É um peso ter que decidir. O conservador acredita na ordem imutável das coisas. Para que falar de aborto, da questão sexual, de racismo, de xenofobia, de eutanásia? Há o medo de que temas fraturantes fraturem ordem “natural” da vida.

Enfim, estruturalmente os joinvilenses são conservadores e muitos adoram um bom fascismo. É namoro para dar em casamento. Não vamos esquecer que a cidade deu uma vitória retumbante a Aécio Neves nas últimas eleições. E a Serra nas anteriores. Portanto, da próxima vez que estiver entre um grupo de joinvilenses fique atento. É bem provável que entre 10 pessoas 7 não se importem de vê-lo pau de arara.  Isso se você não for uma dessas pessoas, claro.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Rachou feio


POR JORDI CASTAN
Rachou feio.

Escrevi aqui, semana passada que o Brasil amanheceria hoje rachado. Não seria surpresa o resultado desta eleição, mesmo que polarizada, ser muito parecida com a que elegeu a chapa Dilma-Temer. Das urnas saíram dois brasis. Duas nações cada vez mais diferentes, cada vez mais contrastantes e cada vez mais difíceis de governar. O Brasil perdeu, saiu ainda menor. E o resultado do segundo turno será ainda mais dramático.

Podemos prever discursos inflamados entre “nós” e “eles”. Discursos que agora terão ainda mais eco e ganharão força e terão repercussão. Aliás, já começaram. Ontem à noite, mesmo antes do fechamento total do escrutínio dos votos, já circulavam nas redes sociais frases, imagens e consignas contra a “Venezuela do Sul” ou a “Cuba do Sul”, aquele país, que no imaginário do eleitor de Bolsonaro representa tudo o que de atrasado no Brasil.

Deve ganhar força o discurso separatista do Brasil economicamente desenvolvido e progressista, que reuniria, no imaginário de muitos todos aqueles estados em que o candidato da direita nacionalista venceu. O outro Brasil seria o constituído por todos aqueles estados que votam PT, mesmo sabendo que o partido roubou numa escala nunca antes vista. Mesmo conscientes que uma boa parte do seu atraso e subdesenvolvimento são resultado da corrupção com que compactuam e aprovam, pretendem eleger e reeleger uma e outra vez dinastias de políticos que os exploram e os enganam, mantendo-os num estado de miséria que os faz dependentes dos mesmos políticos em que votam.

O quadro é desastroso. Mas para não nós deixar levar só pelo pessimismo, é bom destacar que alguns dos piores nomes da política nacional não foram reeleitos. E, portanto, perderam o foro privilegiado. Vou deixar para cada um dos leitores escolher os nomes dos que ficaram no caminho. O importante é que houve uma renovação significativa no Senado. Houve nomes destacados que se candidataram para a Câmara dos Deputados, para assim garantir a sua eleição, em alguns casos a estratagema funcionou bem.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Ignorância, brutalidade e estupidez, diz Stephen Fry sobre Bolsonaro

POR ET BARTHES
Por causa do documentário “Out There”, sobre a homofobia no mundo, o cineasta inglês Stephen Fry esteve no Brasil para uma entrevista com o deputado federal Jair Bolsonaro. Um encontro que não deixou boas memérias para o diretor britânico, que é gay assumido e disse nunca ter visto tanta ignorância, brutalidade e estupidez numa única pessoa.

“Esta foi uma das conversas mais sinistras e deprimentes que eu já tive. Bolsonaro é o típico homofóbico que eu encontrei em todas as partes do mundo, com a mesma ideia de que os gays vieram para dominar o mundo, recrutando crianças e abusando delas. Mesmo em um país avançado como o Brasil, existe esse ódio entre as pessoas sem informação”, disse Fry.

E com as eleições à porta, o britânico decidiu publicar uma mensagem de repúdio ao candidato à presidência. Stephen Fry e Jair Bolsonaro. O encontro entre um homem habituado às democracias desenvolvidas, onde os valores civilizacionais se levantam, e outro que insiste em fazer o Brasil descer para o nível do Sudão do Sul. A seguir, o depoimento e a entrevista.



quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Anatomia de um desastre

POR CLÓVIS GRUNER
Na última sexta (28), José António Baço, meu colega de blog, publicou texto onde, sob o título “10 razões para o fracasso de Bolsonaro”, defende que a candidatura do deputado fascista está, como o título sugere, “condenada ao fracasso”. E vaticina: “Perdendo ou ganhando, o fato é que o candidato nada tem a oferecer ao país. Não tem uma proposta. Não tem um programa. Não tem uma orientação”.

Tudo isso é verdade. Mas se concordo com Baço no varejo, discordo dele no atacado: independente do resultado das urnas, Bolsonaro é o grande vitorioso dessas eleições, e por diferentes razões. Uma mais imediata: mesmo que não se eleja presidente, sua candidatura mobiliza votos suficientes para garantir bancadas parlamentares numerosas e fortes o bastante para barganharem, com os governos, cargos e retrocessos.

Além disso, levaremos anos para reconquistar o mínimo de civilidade, se é que conseguiremos, no debate público, depois que naturalizamos excrescências até há pouco tratadas como exceção. O estrago que uma campanha movida à  fake news, disseminação do ódio contra minorias, intolerância à democracia, às liberdades individuais e aos direitos humanos os mais elementares causa, não pode nem mesmo ser mensurado no curto prazo.

Bolsonaro é, de fato, um fenômeno: na história política recente, apenas Eduardo Cunha rivaliza com ele quando se trata de comparar políticos que, oriundos do chamado “baixo clero”, ascenderam tão rapidamente a posições de prestígio. Mas, diferente do antigo aliado, Bolsonaro disciplinou a sede com que foi ao pote e sobreviveu ao tsunami que, em graus variados, atingiu parte do “alto clero” nos últimos dois ou três anos.

Foi isso, e não sua suposta honestidade (e quem o diz não sou só eu, mas o próprio, em entrevista ao Jornal Nacional), que o manteve longe das manchetes policiais. Por outro lado, ele foi hábil o suficiente para se descolar rapidamente tanto de seu passado próximo ao PT – ele pertenceu à base de sustentação dos governos Lula e Dilma –, quanto de sua aliança e de seu partido, o PSL, com o governo Temer.

Há muitas, inúmeras razões, para temer Bolsonaro. Democratas à esquerda e à direita, têm alertado para os constantes ataques do candidato às minorias, seu desprezo às liberdades individuais e aos direitos humanos, e do quanto isso, entre outras coisas, compromete a imagem do país entre as nações desenvolvidas. Mas boa parte de seu eleitorado parece disposto a votar nele, não apesar, mas justamente por isso.

Como na Venezuela – Talvez porque se sintam desconfortáveis em viver em um país onde, como em sociedades de democracia mais estável, mulheres, negros e LGBTs têm seus direitos os mais básicos garantidos – por exemplo, o de perceberem salários iguais ou de não serem agredidos e assassinados em função de sua etnia e orientação sexual. É possível que vejam em Bolsonaro a possibilidade de voltarmos a algum estágio anterior, mais próximo da sociedade do século XIX, época em que, acreditam, a família tradicional brasileira não era ameaçada pelas minorias.

Mas Bolsonaro não representa apenas um atraso civilizacional, nos costumes e liberdades. Um passeio por suas declarações e de alguns de seus principais assessores, como o candidato à vice, o general Mourão, e o pretenso futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, além de uma leitura atenta de seu programa de governo, sinalizam mais claramente que o retrocesso será muito mais amplo. E nem seus eleitores mais devotos escapam dele.

O general Mourão, por exemplo, já falou em “autogolpe” e em “Constituição sem constituinte”, redigida, de acordo com ele, por um grupo de “notáveis” e submetida depois ao crivo de um referendo popular, sem a interferência da oposição. Uma proposta semelhante ao processo que culminou, na Venezuela chavista, com a promulgação da Constituição bolivariana que vigora por lá atualmente.

Em entrevista recente, o próprio Bolsonaro afirmou não reconhecer outro resultado que não a sua vitória, e já defendeu também a ampliação de 11 para 21 o número de ministros no STF, para que possa nomear a maioria dos juízes durante seu mandato. Não sei se os comentaristas anônimos sabem, mas foi o que fizeram os generais brasileiros e também Hugo Chávez, na Venezuela, e por uma razão: controlar o judiciário é um dos princípios elementares de qualquer ditadura, à direita e à esquerda.

Mas talvez você seja daqueles que acredita na existência de ditaduras do bem, as de direita. E não se importa com porões clandestinos funcionando, quem sabe para eliminar de vez os tais 30 mil que a ditadura brasileira deixou de matar, desde que o Estado seja eficiente e o mercado, livre. Bom, nesse caso, sugiro revisitar urgentemente o histórico de votações de Bolsonaro em seus pouco produtivos 30 anos como deputado federal.

Ele pode ter mudado, é verdade. Mas temo que não para melhor. Mourão já vociferou contra o 13º, essa “jabuticaba” paga aos trabalhadores brasileiros – ele não parece incomodado com os cerca de 5 bilhões gastos anualmente em pensões a filhas solteiras de militares. Bolsonaro votou a favor da reforma trabalhista e defende a criação da carteira de trabalho verde-amarela, que não garante os direitos da tradicional carteira azul, e que costuma vender como solução ao desemprego.

Uma singular noção de eficiência – Sabemos no bolso de quem tais medidas impactarão mais drasticamente: nos mesmos que pagarão mais com a alíquota única do Imposto de Renda. A proposta de Paulo Guedes e Bolsonaro, de um percentual único de 20%, favorece quem tem renda maior e pagará menos imposto, e obriga os de baixa renda a desembolsar mais. Traduzindo: ganham os mais ricos, perdem os mais pobres. E há o retorno da CPMF; Guedes o defende, Bolsonaro diz que não. Mas como se trata de um mentiroso contumaz, não há porque acreditar nele.

Tem mais? Tem. Bolsonaro é contra o Bolsa Família; acha que a “molecada” tem “tara pelo ensino superior”, e por isso quer limitar o acesso dos menos favorecidos às universidades públicas extinguindo as cotas; defende o ensino à distância desde a alfabetização; e aposta na disciplina espartana do ensino militarizado, alheio ao fato de que qualidade em educação depende principalmente de investimentos que, entre outras coisas, valorizem os professores, suas carreiras e seus salários.

A única novidade do programa de Bolsonaro naquilo que ele afirma ser especialista, a segurança, é garantir que o cidadão comum, sem nenhum tipo de preparo ou treinamento, seja responsável direto pela sua proteção e do seu lar. Afinal, para que política pública se o “cidadão de bem” está disposto a morrer defendendo ele mesmo as fronteiras do lar e, de quebra, armar o bandido, só pelo prazer de portar e exibir um segundo falo?

Antes de levar um “cala a boca” e ser obrigado a cancelar suas aparições públicas, Paulo Guedes, cuja carreira era obscura até encontrar um beócio para chamar de seu, defendeu zerar o déficit público em um ano vendendo todas as estatais e todos os terrenos do governo federal – a proposta está no programa de governo de Bolsonaro. A expectativa, afirma, é conseguir arrecadar até 1 trilhão de reais aos cofres públicos.

Não sei dizer se por “todos os terrenos” devemos entender também os que incluem prédios públicos, e se Bolsonaro pretende transferir a estrutura governamental para imóveis alugados. Mas economistas sérios já alertaram para o fato de que a participação do governo nas estatais passa longe do trilhão – gira em torno de 140 bilhões. Além disso, não é possível privatizar todas as estatais em apenas um ano – vender empresas públicas não é como ir à feira no final de semana.

Anti-petistas, o grosso do eleitorado de Bolsonaro, costumam acusar quem votou em Dilma Rousseff na última eleição, de sabermos o que estávamos a fazer e que, por isso, não há motivos para reclamação. Na devida proporção, eles têm alguma razão. Mas devolvo a provocação: o desastre social, político e econômico de um governo Bolsonaro está devidamente anunciado. E demasiadamente explicado para desautorizar dizer depois: “eu não sabia”.