quinta-feira, 16 de março de 2017

Trânsito.


Tropelias de Chico


POR DAUTO J. DA SILVEIRA*


O deputado federal Chico Alencar, do PSOL, protagonizou na última semana uma cena comum no ambiente político parlamentar brasileiro. Depois de comparecer ao aniversário do jornalista das Organizações Globo, seu amigo de “longa data”, o blogueiro Ricardo Noblat, foi visto com tropelias, a elogiar, em forma de “ironia”, o senador tucano Aécio Neves e outros lacaios festivos. Ainda que parlamentares possam visitar jornalistas e biscateiros, de outros matizes políticos, sem que isso se torne uma ofensa aos seus eleitores, a cena gerou um grande quiproquó. Além disso, a presença de Alencar não foi bem aceita, posto que o ambiente era tomado por políticos profissionais de atuação parlamentar promíscua.

O peso das críticas fez com que o parlamentar fizesse um vídeo esclarecendo o que houve e pedindo desculpas aos seus fiéis eleitores. No entanto, o pedido de desculpas de Chico ocultou algo essencial: a imperativa promiscuidade do ambiente político do congresso. O congresso brasileiro é o ambiente supremo do “bom comportamento” liberal, regado a condutas de corte colonialista e prudencial, que no fundo revela o profundo desprezo pelas massas, ainda que permita uma certa rebeldia psolista aqui e acolá. É inegável, sem dúvida, o importante papel que os psolistas exercem dentro do congresso, ou ainda, a defesa implacável que fazem de temas de relevo nacional.

Entretanto, essas ações inserem-se em um ambiente dominado pela promiscuidade parlamentar, regida pela educação desnecessária, enfim de comportamentos falsos sem relevância política, razão pela qual a sua têmpera política se esvai diante do dilúvio aterrorizador dos seus adversários. Não é sem razão que esses parlamentares mais à esquerda, aliás quase invisíveis no congresso, para terem vida longa tenham que aceitar a ordem do jogo democrático liberal. E, ao assim procederem, juntem-se aos opositores de toda sorte. Ainda que, como disse, prezem pela postura crítica e pelo denuncismo congressual.

Devemos dizer ainda que o episódio ganhou tais proporções por se tratar da visita de um candidato, de considerável integridade parlamentar, dentro de uma cadeia sem grades e dentro de um país profundamente dividido. Mas a relação de prudência entre os parlamentares é algo comum e de pouquíssimo incômodo para os envolvidos. No ano passado, durante um jantar oferecido pela senadora Kátia Abreu, dias antes da votação final do impeachment, o senador Lindbergh Farias, talvez o parlamentar mais à esquerda, de um partido distante da esquerda, proferiu fortes elogios ao presidente do Senado Renan Calheiros. Ou seja, a vida política, sob a égide da prudência e da educação tola, implica que se tenha comportamentos que satisfaçam a ordem democrática.

Isso não significa que não possamos ter grandes parlamentares de têmpera política inquestionável. Refiro-me a figuras como o deputado federal Guerreiro Ramos, Florestan Fernandes, ou ainda o senador Darcy Ribeiro, cuja perspectiva não era a reprodução da ordem burguesa. A manutenção dessa ordem era tudo que eles não apregoavam, inclusive os seus próprios partidos sofriam com a posição imbatível que carregavam.

Chico Alencar, seguramente, sentiu o peso da insatisfação da massa de esquerda brasileira ao ver um deputado cambalear em Brasília. As massas acabrunhadas pelo peso do trabalho estafante e mortal, como dizia Vieira Pinto, não permitem deputados instáveis, que se deixem escapar em certo flerte com o mundo explosivo do conforto parlamentar. A inserção dos despossuídos, na luta social, pede radicalidade política e ações concretas, a fim de que o congresso seja o meio e não o fim da vida política. Chico Alencar é incomparável, não há dúvidas, mas sua honestidade política, na atual conjectura, dependerá de seus relacionamentos, ainda que extra-parlamentar.

* Dauto J. da Silveira é doutor em Sociologia e professor em Joinville

quarta-feira, 15 de março de 2017

Joinville, essa cidade aqui...














POR EGON ZEK

Vivemos à base de 24 graus em Joinville. Os dias de calor são bem intensos. 
O tempo é indeciso na cidade: no mesmo dia pode chover e dar sol umas quatro vezes; também pode estar abafado com muito sol o dia todo e fim de tarde ter uma tempestade gelada que traz o calor novamente pela noite.

Sabia que já choveu 40 dias seguidos em Joinville? Acredite.
Em meio a tudo isso está a população, indecisa e tempestuosa, assim como o clima da cidade. Não temos muito o que fazer por aqui. Quer dizer, acontecem eventos culturais gratuitos, mas é de contar nos dedos. Dessa forma, é difícil ter algo que agrade de verdade para você escolher, entre cinco, um.

As praças da cidade podem ser usadas, mas com receio. A guarda bate lá, bota a arma na tua cabeça e te manda embora.  Loucura, né? Sabia que passear por aqui de noite é superperigoso? Vem acontecendo assaltos, estupros, mortes. Se uma pessoa, vítima de algum infortúnio desses, pede ajuda, apontam pra ela e perguntam “o que estava fazendo fora de casa uma horas dessas?”.

Aqui temos que acordar às 5 horas para começar o turno e voltar, bonitinho, pra casa no trânsito devastador das 18h pra ficar quietinho até o outro dia. Arte é proibido, viver é proibido, sorrir é proibido, conversar em público é proibido. 

Dizem que essa aqui é a cidade da dança. Mentira, tá? Aqui só acontece dança em julho, no mês do festival. Ah, ela é bem voltada pra classe alta. Os preços de entrada são exorbitantes. Tem apresentações na rua “pro povo”? Tem. Mas são as que não “passaram no processo seletivo para o palco principal”, o palco que eu falei que é pago. 

Ironias da vida.  Da cidade. 

Dizem que essa aqui é a cidade das bicicletas. Mentira, tá? Ciclovias aqui só nos sonhos. Se existe 1 km de ciclovias por aqui e por ali, elas começam do nada e acabam em lugar algum. Se você quiser se exercitar, trabalhar, fazer as coisas do dia a dia de bike, simplesmente não vá. Pessoas morrem aqui andando de bicicleta. Pessoas morrem aqui caindo em buracos no “asfalto”.

Dizem que essa aqui é a cidade das flores. Mentira, tá? Esse é mais um festival que acontece e é pago. Caro. Existem bairros nobres com jardins de quem pode cuidar. Existem algumas ruas arborizadas, mas ainda não cortaram apenas porque ainda não precisou ou ajudam a disfarçar rios tremendamente poluídos.

Essa aqui é a cidade do preconceito. Do mau humor. Cidade branca que não entra preto. Cidade hétero que não entra gay. Essa aqui é a cidade que cancela o carnaval de rua e priva as grupos musicais sociais de fazerem seu próprio carnaval em praça “pública”. A cidade que cancela festas “do povo” porque não tem verba, mas oferece festivais e desfiles que comemoram a chegada dos imigrantes.

Essa aqui é a cidade do trânsito mal pensado, da favela esquecida, da enchente, do ônibus caro e precário. A cidade que não liga pra cultura, não liga pro esporte, não liga pros jovens, não liga pro desenvolvimento social e humanitário.

A cidade onde os guardas-municipais deixam os crimes acontecendo enquanto vigiam as pessoas conversando nos parques. A cidade onde os policiais atendem o chamado de som alto das madames e deixam apanhar as mulheres da extrema pobreza. Enquanto trabalhamos de cabeça baixa no nosso sol quente e chuva exagerada, a cidade vai ficando cada vez mais nebulosa e tempestuosa.

terça-feira, 14 de março de 2017

Temer: "trata-se de uma besta, claramente"















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Michel Temer, o presidente golpista do Brasil, é uma gafe ambulante. Em menos de duas semanas, ganhou as manchetes nacionais e internacionais repetidas vezes, nunca por boas razões. Em muitos casos a sua figura foi lançada no ridículo. Há um crescente processo de erosão da sua imagem, dentro de fronteiras e também no exterior. Michel Temer é uma pessoa pouco respeitada em todo o mundo e isso contribui para minar a credibilidade externa no Brasil.

Não passaram em branco as suas declarações sobre o Dia Internacional da Mulher, quando escancarou a sua misoginia. Foi um mico de proporções épicas e internacionais, noticiado, por exemplo, pelo The Independent, ABC, The Telegraph, The Guardian, El País ou toda a imprensa portuguesa. Não dá para disfarçar que o atual presidente é um homem em dessintonia com a sua época. É alguém com o mindset de um passado remoto.

Michel Temer foi ridicularizado mundo afora. Talvez a zoeira de maior audiência tenha vindo dos Estados Unidos, com o apresentador John Oliver, que nem precisou fazer muitos comentários sobre a fala do presidente. A piada estava pronta. Outro exemplo interessante – e mais acessível para os falantes de língua portuguesa – foi o comentário de Ricardo Araújo Pereira, num programa da TVI, que não usou meias palavras para descrever Temer: “trata-se de uma besta, claramente”.

Ridículo pouco é bobagem. Os mesmos meios de comunicação que falaram na misoginia do atual presidente também repercutiram a notícia de que Michel Temer teria saído do Palácio da Alvorada por causa de fantasmas. Mau demais para ser verdade. Mas os mais céticos podem ler a transcrição da entrevista: “Eu não conseguia dormir, desde a primeira noite. A energia não era boa. A Marcela sentiu a mesma coisa. Chegamos a pensar: será que tem fantasma?”. Tem sim. O fantasma da falta de legitimidade.

O outro mico, que internamente teve proporções de “king kong”, foi a tentativa de negar a paternidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na transposição do São Francisco. A imprensa internacional não está a dormir de touca ou a guardar o obsequioso silêncio como faz a imprensa brasileira. Não sendo um tema de grande relevância, é possível encontrar, aqui e acolá, alguma referência ao fato, em especial quando alguns meios de comunicação falam na recandidatura de Lula da Silva em 2018.

Michel Temer é o dignitário maior do Brasil. Mas a dignidade do cargo está em xeque. É triste que esteja a semear uma imagem pessoal tão pouco credível, mas não seria preocupante se isso não estivesse a contagiar a imagem do país. Nenhum país é uma ilha em tempos de globalização. E as relações internacionais impõem credibilidade, uma coisa que o Brasil teve de sobra nos tempos de Lula da Silva e que foi perdendo nos tempos do golpe.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Joinville está cansada de ouvir o mantra do "não"


POR JORDI CASTAN


Mantras são formulas encantatórias que servem para conduzir o pensamento. Inicialmente os mantras estavam restritos ao tantrismo, mas são cada  vez são mais frequentes e acabam influenciando a nossa vida. Tem gente que utiliza constantemente para alcançar seus objetivos.
A fórmula que melhor funciona é recitar por horas e dias a fio o mesmo mantra e torcer para que ele se cumpra. Ou não se cumpra. Porque mantras servem tanto para atingir objetivos como para evitá-los. Aqui em Joinville há mantras que se repetem, com maior ou menor sucesso, por anos a fio. Eis alguns dos mantras que mais se ouvem por aqui:

- Os recursos para esta obra dependem do Governo do Estado.

- Não há orçamento para as desapropriações, teremos que esperar que as pessoas doem os imóveis para poder duplicar a rua.

- A obra não será inaugurada no prazo, não há uma data prevista.


- Enchentes acontecem porque o joinvilense joga lixo na rua e nos rios.

- Cuidarei de cada centavo do dinheiro público.

- A Lei de Responsabilidade Fiscal não permite fazer esta despesa.

- Parklets e praças são espaços para maconheiros e vagabundos.

- A licitação do transporte público deve sair este ano, ou o próximo, ou o próximo.

- O aumento da tarifa do transporte público este ano será maior que a inflação acumulada.

E poderíamos escutar outros mantras, mas que raramente são proferidos. Como por exemplo:

- A obra foi projetada, executada e inaugurada no prazo e custou menos que o orçamento previsto.

- A nova licitação do transporte coletivo garante ônibus mais modernos e tarifas mais baixas que os anteriores.

- Desapropriações estão previstas no projeto e há previsão orçamentaria para que o projeto original de duplicação seja executado sem alterações.

- Joinvilense não joga lixo na rua.

- As avenidas previstas no Plano Diretor de 1973 finalmente sairão do papel.

- A segurança pública melhorou e todos os indicadores de crimes mostram redução significativa.

Assim, de acordo com os resultados, poderemos saber se os mantras de fato funcionam. Olhando a cidade desde a janela, a impressão que tenho é que sim, que os mantras funcionam. O problema é que Joinville está recitando os mantras errados. Se mudarmos os mantras, quem sabe comecemos a colher outros resultados. A cidade precisa urgentemente de uma mudança de astral, todos estamos começando a ficar cansados de ouvir "nãos". Não dá, não pode, não há orçamento, não esta previsto. Até porque as autoridades foram eleitas para fazer. Não lembro que alguém votasse em um candidato para não fazer. 

sexta-feira, 10 de março de 2017

"Aposentadoria fica, Temer sai"


POR CECÍLIA SANTOS
O título deste post foi o tema da manifestação do dia 8 de março em São Paulo, que reuniu milhares de mulheres. A reforma da previdência é mais uma das muitas medidas que visam desmontar as conquistas sociais e trabalhistas históricas, penalizando os mais pobres. Com o desmonte do SUS e da Previdência, que avança a passos largos, quem tem algum recurso vai contratar planos de saúde e de previdência privada (por que vocês acham que a Fiesp e o mercado financeiro apoiaram o impeachment?), enquanto os mais pobres vão ficar desamparados.

De todos os afetados, as mulheres são as mais prejudicadas com o aumento do tempo de contribuição e a perspectiva de se aposentar depois dos 65 anos.

É totalmente injusto igualar o tempo de contribuição das mulheres, considerando que temos jornadas duplas ou triplas. A divisão do trabalho doméstico continua a ser desigual e, se depender do conservadorismo cada vez mais forte, tem pouca chance de mudar. Pesquisa da Unicamp mostra que mulheres dedicam de 20 a 25 horas por semana ao trabalho doméstico, contra 9 horas pelos homens.

Mas nosso jurássico presidente da república reforça essa condição de desigualdade, conforme seu discurso proferido no próprio dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, deixando claro que a criação dos filhos é atribuição da mulher e não do homem:
Tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela, do quanto a mulher faz pela casa, pelo lar. Do que faz pelos filhos. E, se a sociedade de alguma maneira vai bem e os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada formação em suas casas e, seguramente, isso quem faz não é o homem, é a mulher”
Por outro lado, as mulheres são frequentemente preteridas em contratações e promoções profissionais. E todo mundo sabe que uma pessoa de 40 anos, seja homem ou mulher, já é considerada velha para o mercado de trabalho. Então qual é a chance de uma mulher de 60 anos ser contratada a fim de completar seu tempo de contribuição e continuar a se sustentar? 

Toda essa situação levará a um empobrecimento geral da sociedade e a dependência financeira da mulher. E mesmo para quem se acha acima da questão, é preciso lembrar que o fato de haver uma população com baixíssimo poder aquisitivo compromete a economia. Se não há quem compre, o comércio e a indústria logicamente vão definhar e cada vez mais gente ficará desempregada.

Uma distribuição de renda mais igualitária entre homens e mulheres garante, entre outras coisas, que as mulheres tenham meios de sair do ciclo de violência doméstica, por meio da autonomia financeira. Frear a reforma da previdência não é só uma questão econômica, é também pela vida das mulheres.