segunda-feira, 25 de julho de 2016

Errei e fui multado...


POR JORDI CASTAN



Voltando para casa, com o carro parado no engarrafamento das 18:30 na rua Max Colin, me pus a olhar as mensagens do whatsapp. Erro grave. Pararam ao lado dois guardas de trânsito, nas suas motos e fui informado aos gritos que: “A multa chegará em casa”. Nada a dizer. Fui multado. A seguir o guarda pelo seu telefone celular passou para a central a placa do carro. “Mike, Lima, Kilo...”. Em setenta e duas horas recebi no meu endereço o aviso da infração. 

Impressionante como o serviço público consegue ser tão eficiente para algumas coisas e tão ineficiente para outras. É sobre isso que gostaria de escrever hoje. Da forma como o serviço público trata o cidadão. De como usa dois pesos e duas medidas, quando não usam três ou quatro.

Em primeiro lugar, a rispidez. Não vou usar o termo grosseria, neste caso porque mesmo podendo ser sinônimos a rispidez faz referência a dureza no trato, a severidade. Entende o dicionário que há grosseria na rispidez e a grosseria tem a ver com a falta de urbanidade e a impolidez. Imagino que o processo de seleção dos guardas municipais não tenha priorizado nem a urbanidade, nem a boa educação. E pressuponho que os candidatos que viessem educados de casa e que, no treinamento, receberiam os conhecimentos necessários a sua atuação. 

Do mesmo jeito muitos professores lembram que a escola ensina, mas que os alunos já devem vir educados de casa. Os guardas, como alguns alunos que tampouco vêm educados de casa, acabam adotando o modelo de trato que aprendem com os seus superiores. Ou seja, se o professor ou o chefe é autoritário, grosseiro e tosco no trato, os seus subalternos acabam copiando o modelo que tem como referência. E assim se comportam com o cidadão, no caso dos guardas ou com o professor no caso dos alunos.

Em segundo lugar, a inexplicável eficiência para enviar as multas e a impossibilidade de enviar para o mesmo endereço o IPVA, por exemplo. Santa Catarina é um dos estados em que o proprietário de veículo tem que sortear algumas dificuldades adicionais para pagar o imposto de propriedade de veículos automotores. Curiosamente é fácil pagar uma multa de trânsito e é mais complicado pagar o IPVA. Alguém explica? Será que tem alguma coisa a ver com a relação umbilical entre os despachantes, as suas associações e alguns deputados estaduais que podendo mudar este modelo ultrapassado optam por não fazê-lo?

Seria tão simples receber o boleto de IPVA no mesmo endereço em que recebemos as notificações das infrações e pagar diretamente no banco. Ah! Mas se fosse assim não precisaríamos despachantes. Pois é. São esses anacronismos os que fazem pensar que o estado trata mal ao contribuinte, estimula a manutenção de estruturas arcaicas que oneram o cidadão e que alguém deve ter interesse em manter esse modelo.

Em tempo, como em mais de 30 anos, nunca tinha sido multado, o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) permite no seu artigo 267 que a punição econômica possa ser trocada por uma advertência escrita, quando a infração seja leve ou media. Assim que optei por me acolher a este benefício. Tive os 4 pontos anotados no meu prontuário e não vou pagar a multa. Aliás, o atendimento dos funcionários que me atenderam no CIRETRAN foi cordial e educado como é de se esperar de um funcionário público. 






sexta-feira, 22 de julho de 2016

A igreja que desconhece sua história, e as aberrações fundamentalistas

POR FILIPE FERRARI

São inegáveis as discussões atuais sobre os processos que envolvem religião e Estado no Brasil. Desde as aberrações da Bancada Evangélica aos candidatos que flertam continuamente com os pastores dos megatemplos, as relações entre essas duas esferas andam extremamente confusas e conflituosas. Obviamente que aqui não se propõe a extinção ou a saída da(s) igreja(s) da vida política. Fazer isso seria negar uma parte importante da história brasileira, principalmente no tocante ao atendimento aos mais pobres e necessitados.

Não dá para esquecer a importância fundamental das Comunidades Eclesiais de Base na reabertura democrática brasileira, ou as diversas pastorais, como a da mulher, carcerária, da criança, entre outras. Ainda hoje, em diversos espaços e comunidades, a Igreja é um espaço que promove cidadania, inclusão e empresta dignidade a milhares de brasileiros à margem da sociedade.

A questão principal aqui é que a Igreja sempre buscou ocupar espaços em que o Estado estava ausente. Já os representantes desses nichos fundamentalistas brasileiros querem encampar Estado e governo em prol de sua sanha moralista. Um dos carros chefes dessas tentativas proselitistas é o projeto Escola sem Partido, encabeçado em Joinville pela vereadora “pastora” Léia, e apoiado por outros líderes religiosos das mais diversas denominações, pastores surfistas e afins.

O grande problema dessas relações de denominações ditas “evangélicas” com o Estado é que estas ignoram sua própria história teológica. É notório o desconhecimento da trajetória política da Igreja Cristã de raiz protestante por parte do pastorado joinvilense, cego em seu fundamentalismo. Se observarmos a trajetória da Igreja a partir da Reforma (tronco ao qual pertencem inegavelmente a maioria esmagadora das igrejas não-católicas), Lutero desde o princípio trata de estabelecer a distinção entre aquilo que ele chamava de “Dois Reinos”: o reino de Deus e o reino dos homens.

O próprio projeto Escola sem Partido é uma grande falácia por si só. Não vou entrar no âmbito pedagógico e político, pois muitos já o fizeram de maneira espetacular. Entretanto, o projeto vai também contra as diretrizes educacionais da própria Reforma. Os reformadores defendiam a fundação de escolas por parte dos príncipes, para os camponeses aprenderem a ler e a interpretar a Bíblia e o mundo. Ainda hoje, na Alemanha, o Estado subvenciona faculdades de Teologia, enquanto nos Estados Unidos, John Harvard foi pastor calvinista, assim como Stanford e Yale também começaram como escolas teológicas.


É sempre importante lembrar que o problema não é a religião. O problema é a falta de conhecimento, estudo e falta de, além de tudo, humildade e respeito à diversidade. Entretanto, como diz o escritor curitibano Paulo Brabo, “o movimento evangélico é já resultado de uma privatização”. E, no Brasil, sabemos muito bem o que as privatizações fazem.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Entelijênsia


Ainda a conciliação?





POR CLÓVIS GRUNER

O presidente interino e ilegítimo Michel Temer não tem vivido bons momentos. Desde o afastamento de Dilma Rousseff, uma sequência de eventos infelizes reforçou a impressão de que, no fim das contas, a chicana constitucional a que deram o nome de impeachment foi uma articulação, na melhor das hipóteses, mal intencionada. Não sem surpresa, a constatação de que o governo Temer é fruto de uma maracutaia jurídica e política não mobilizou as multidões indignadas. Antes pelo contrário, das ruas só chega um silêncio constrangedor e constrangido. 

Mas esse silêncio, por outro lado, tem suas próprias nuances. Ontem (20) veio a público os resultados de pesquisa feita pelo Datafolha no final da primeira quinzena de julho, mas que a Folha de São Paulo preferiu esconder de seus leitores, manipulando os resultados publicados. De acordo com o levantamento, 62% dos entrevistados apoiam a tese da renúncia de Dilma e Temer e a convocação de novas eleições como uma saída à crise. Sobre o impeachment, 49% o consideram legal, contra 37% que veem irregularidades no processo. O índice de aprovação do governo é de 14%.

Os números são coerentes com pesquisas anteriores, que já revelavam, entre outras coisas, que um número expressivo de eleitores não acreditava que a corrupção diminuiria com Temer (46,6% em junho). Um índice ainda maior (54,8%) não via diferenças significativas entre Temer e Dilma, nem percebia mudanças substantivas no país. A aprovação pessoal ao presidente interino variou, passando de 11% em maio, para 13% em junho e chegando aos 14% na pesquisa do Datafolha. Subiu três pontos percentuais no período, o que não é muita coisa: ainda mal ultrapassa os dois dígitos e é menor que a de Dilma quando foi afastada (18% em maio). 

Mórbida semelhança – Essas pesquisas mostram pelo menos duas coisas. A primeira: para um número expressivo de brasileiros, a administração Temer tem se mostrado incapaz de responder às expectativas de quem foi às ruas “contra tudo o que está aí” mas, principal e fundamentalmente, contra o PT. Não apenas os escândalos de corrupção não cessaram, como envolvem gente graúda de dentro do próprio governo. Além disso, os vazamentos das conversas entre Jucá, Calheiros e Sarney revelaram que o governo interino foi parido por corruptos para barrar as investigações e assegurar a impunidade. E quem esperava um aquecimento da economia sabe, agora, que vai ter de pagar o pato.

Mas o outro dado revelado pelas sondagens é ainda mais significativo. Ao se confrontar os números de Dilma Rousseff no período imediatamente anterior ao seu afastamento, e os de Michel Temer nesses meses de interinidade, se percebe que há, entre eles, uma curiosa simetria. Entre outras coisas, me parece que essa aproximação estatística é também a representação numérica da percepção, cada vez mais clara, de que as diferenças entre os dois governos são menores do que parecem e do que seus respectivos defensores e detratores querem nos fazer crer. 

Não há nada muito estranho nisso. Afinal, durante mais de uma década, PT e PMDB compuseram uma única e mesma administração, o segundo fornecendo, além da base aliada no Congresso, um vice-presidente (Michel Temer!) para o primeiro que, em troca, soube agraciar o aliado com generosos espaços no governo. Se minha intuição está correta, ou seja, se realmente as pesquisas mostram que tal percepção existe e informa as leituras do atual momento político, é o PT, mais que o PMDB, quem arca com um enorme prejuízo em sua imagem e capital políticos, já bastante comprometidos. Entre outras coisas, porque a consciência dessa proximidade torna mais difícil sustentar a versão segundo a qual estamos a assistir um golpe de Estado, tendo o PT e o governo Dilma como vítimas.

É verdade que a essa versão traz inúmeras vantagens, a começar pelo fato de que não é necessário um exame crítico das próprias condutas: um governo e um partido vítimas de um golpe, afinal, não precisam prestar contas de seus erros. E eles foram muitos, a começar pela forma como o PT manteve e reproduziu as práticas fisiologistas de coalizão, incluindo a aliança com o PMDB. Além disso, durante todo o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, o governo e suas lideranças passaram meses tentando construir alternativas ao afastamento, incluindo negociações com os mesmos agentes políticos que hoje chamam de “golpistas”. 

O “golpe” e a conciliação – Negociações que prosseguiram mesmo depois de consolidado o “golpe”, como ficou claro na eleição para a presidência da Câmara, na semana passada. Primeiro, o PT ensaiou apoio a Rodrigo Maia, do DEM, um dos principais articuladores do impeachment de Dilma. Pressionado, recuou. Alegando que um apoio a Luiza Erundina, do PSOL, podia repercutir nas eleições de São Paulo, onde ela disputa com Haddad, o PT apoiou no primeiro turno Marcelo Castro, do “golpista” PMDB, partido de Temer, sob a justificativa de que se trata de ex-ministro de Dilma e um peemedebista “dissidente”, que votou contra seu afastamento. No segundo turno, supostamente para fragilizar Eduardo Cunha, apoiou e votou em Rodrigo Maia, eleito com ampla maioria. 

Historiador ainda subestimado, José Honório Rodrigues defende, em “Conciliação e reforma no Brasil”, que a defesa dos interesses dos grupos dominantes legitimou, historicamente, a exclusão das minorias e o divórcio entre a política e a sociedade. Tal processo foi mais violento porque aquilo que denominou “história cruenta” – a violência estatal, as resistências e conflitos sociais sufocados militarmente, etc... – se fez sempre sob o apelo à conciliação, um mecanismo que serviu, principalmente, para frear processos e movimentos que visavam a ampliação dos direitos e da participação política e democrática. 

Por um breve período acreditamos que poderia ser diferente, mas estávamos enganados: no governo, o PT se valeu das mesmas estratégias conciliatórias, ainda que, em alguns momentos, os resultados dessa política tenham efetivamente favorecido parcelas mais carentes da população. Agora, fora dele, é novamente a ela que recorre, e não ao enfrentamento democrático, como condição de permanecer no jogo político. A conciliação, parece, é o limite imposto à nossa democracia pelas forças institucionais. A renúncia e convocação de novas eleições pode ser uma resposta a ela. Ou mais uma forma de reafirmá-la.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O engodo perigoso


POR RAQUEL MIGLIORINI

Um engodo em três fases:

1- Um lindo nome: Vale Verde Encanto.
2- Objetivo: Transformar a área rural em urbana e, nessa extensão, construir condomínios de alto padrão, com lotes mínimos de 5000 m2 .
3- Justificativa: A região conta com propriedades rurais não produtivas e a venda e parcelamento dessas propriedades geraria riqueza para a região sem estar atrelado à atividades agrossilvopastorils. Ademais, existem ocupações irregulares e a expansão urbana permitiria a regularização fundiária. O parcelamento e a ocupação dessa área permitiria a “proteção da paisagem e a sustentabilidade social, econômica e ambiental”, segundo o site www.valeverdeencanto.eco.br .

Caso o leitor ainda não saiba do que tratamos aqui, é sobre um projeto de “iniciativa popular” que foi protocolado na Câmara de Vereadores para integrar a LOT.  A ideia é expandir a área urbana para a Zona Norte, desde o início da Estrada da Ilha até às margens do Rio Cubatão, passando pela Estrada Timbé e o final do Jardim Paraíso.

Naquela região, principalmente na Estrada Timbé, existem muitas ocupações irregulares. Vamos começar por esse ponto: ampliar a área urbana nunca garantiu o fim das invasões em APP (área de preservação permanente) nem tampouco a regularização das áreas invadidas.
A outra justificativa para transformar aquela área em condomínios urbanos é permitir atividades não ligadas à agricultura e pecuária, que seriam mais rentáveis aos proprietários.

Está claro como a água do Rio Cubatão que isso é especulação imobiliária. Ao ampliarmos a área urbana, ampliamos também todos os problemas ambientais e sociais que ela tem. Essa região é cheia de manguezais e APPs de rios. Como permitir o loteamento dessas áreas? Pior que isso, como impedir novas invasões nessas áreas?

A cidade é cheia de lotes desocupados, que criminosamente foram bosqueados* ao longo dos anos até a retirada total da mata. Calçadas e uma mureta de 40cm de altura delimitando o terreno deixam claro a intenção dos proprietários para esses locais. Por que não apresentam projetos para ocupação desses espaços que já contam com infraestrutura completa?

A área rural de Joinville é improdutiva? Torne-a produtiva, oras. Olhem para os exemplos já existentes mundo afora. Olhem para os exemplos brasileiros. A demanda por produtos orgânicos não é suprida por falta de incentivos do governo municipal e estadual e quem quer alimentação saudável precisa pagar caro e trazer de longe, aumentando a pegada ecológica. Temos terra de excelente qualidade, água abundante e a proposta que aparece é impermeabilizar tudo isso.

O engodo tem cheiro, sabor e aspecto agradável. Pena que mate o peixe.

*bosqueamento: técnica ilegal que retira a vegetação rasteira e arbustiva da Mata Atlântica, diminuindo a biodiversidade e tornando o solo mais pobre.