terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Olá!


Joinville em Chamas

POR FELIPE SILVEIRA

Estava lendo "O Dicionário da Corte de Paulo Francis" dias atrás e me deparei com o verbete “Gene Hackman”, que Francis usa para dar um pitaco sobre o que muda o mundo. Ele comenta a atuação do ator no filme "Mississipi em Chamas", no qual Hackman interpreta um agente do FBI que investiga o assassinato de três ativistas por direitos civis nos EUA (história baseada em fatos reais, sendo que o filme recebeu críticas por supostamente enaltecer o trabalho do FBI, diferente do que aconteceu longe das telas).

Diz Francis: “Hackman olha e ri nos falando uma enciclopédia britânica sobre a natureza humana. Não se vangloria e nem tem ilusões. São pessoas assim que avançam as causas, poucas ainda em que acreditamos, e não ideólogos e idealistas. São céticas, cínicas e eficientes. Nossa única esperança, e Gene Hackman é emblemático de nossa condição”.

Bom, eu até acho que pessoas assim “avançam as causas”, uma aqui, outra ali. Porém, seria ridículo interpretar que o próprio Francis ignorava outros fatores. Ele estava, acredito, apenas sendo Paulo Francis.

Interesses de grupos poderosos, questões religiosas, pessoas obstinadas, líderes loucos, multidões nas ruas, acaso... O mundo muda com a mistura de tudo isso, constantemente.

Ao povo, no entanto, resta a rua. Se os economicamente poderosos discutem e articulam seus interesses em algum prédio da Hermann Lepper ou da Beira-rio, o povo escancara seus desejos de maneira muito mais honesta nas ruas.

Sem perseguição política via sistema judiciário, sem capangas infiltrados para arrumar confusão, sem polícia conivente, sem mídia que fecha os olhos para o debate, sem artimanhas tão comuns aos que sempre lucram.

O povo na rua tem sua voz, seus cartazes, suas faixas e mais recentemente algumas câmeras para registrar sua poesia e, se necessário, o abuso dos outros. Como policiais que retiram suas identificações dos uniformes em pleno exercício da função.

Mas é um erro pensar que basta ir às ruas uma ou duas vezes e esperar que a partir daí as coisas se resolvam. “De que adianta?”, sempre ouvimos. Adianta que tudo faz parte de um processo e que lutas se acumulam ao longo de anos até que comecem a surgir resultados.

Os movimentos pelo passe livre, pela tarifa zero, têm aproximadamente uma década de atuação constante. Em 2013 conseguiu barrar o aumento da passagem do transporte coletivo em várias cidades, além de puxar um gigantesco movimento que envolveu toda a sociedade brasileira e que gera as mais diversas interpretações e opiniões. Sofreu e sofre forte repressão.

Mas é preciso continuar nas ruas. Acumular. Algo que nem é preciso dizer para aqueles que sempre estão lá. Eles não parecem esmorecer. Nem sob ameaças, nem com processos. Não parecem desanimar. E certamente não vão desistir.

Mas é preciso dizer a outros. Aos articuladores e leitores do Chuva Ácida, aos professores, aos estudantes, aos jornalistas, aos servidores públicos, aos profissionais da saúde. Pessoas que sabem o que acontece, como eles e outros são explorados cotidianamente, mas que parecem não se importar.

Talvez elas queiram ser como o personagem interpretado por Gene Hackman, na visão de Francis. Querem ser o sujeito que faz a sua parte da melhor forma possível.

Sabemos que não é suficiente.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Joinville e o mar

POR JORDI CASTAN

Não falha. Ano após ano, no calor do verão voltam alguns temas, como cometas que seguem um curso regular e fixo: não faltam ao seu encontro com Joinville e com os titulares. Por citar alguns: o aumento da tarifa de ônibus, o calor sufocante e úmido, a ligação entre Joinville e São Francisco do Sul e por aí vai.

Permitam escolher, aproveitando o calor, a época do ano e o aumento da tarifa de onibus, para tratar neste espaço a importância da ligação, via barco, entre Joinville e São Francisco do Sul, este ano acrescida ainda da ligação entre Joinville e Itapoá.

Confesso que minha memória não é mais a mesma, mas pelas minhas contas a empresa que agora oferece esse serviço é a quarta. Não sei por quê, mas algo me diz que não durará muito além das "aguas de março, fechando o verão".

É bom lembrar que o governo do Estado, por tanto com recursos públicos, investiu na construção do terminal de passageiros no cais Conde d'Eu. E a construção esta lá, ainda em pé, para não nos deixar esquecer do investimento. Também foram destinados recursos públicos para a dragagem do Rio Cachoeira, com um detalhe importante: o material dragado não pode ser retirado do rio e a obra exigiria dragagens periódicas para manter a hidrovia navegável. Portanto, além do custo da dragagem serão necessários novos recursos periodicamente. Para atender a legislação brasileira foi necessário ainda investir na sinalização de toda a hidrovia, desde o terminal próximo ao mercado até à Lagoa de Saguaçu e há que incluir no custo o valor do projeto e a implantação de bóias e material de sinalização.

O serviço de transporte de passageiros pela Baía da Babitonga hoje é oferecido com saída do trapiche do Espinheiros, num percorrido mais curto e que naã utiliza nenhuma outra infraestrutura que o próprio trapiche.

Os horários e as freqüências do serviço público ainda não foram informados, porque dependem do quadro de marés. Não deixa de ser um fato curioso, porque tabelas de marés são disponibilizadas e amplamente divulgadas com no mínimo um ano de antecedência. Tanto assim é que a Defesa Civil informa, com tempo, os dias horários com maior risco de enchentes o alagamentos em Joinville - caso coincidam chuvas intensas com maré alta, a chamada maré de lua.

A impressão que fica é a de não haver demanda suficiente para que serviço seja rentável durante todos os meses do ano. E ainda que não há um compromisso de oferecer um serviço que atenda a demanda que venha a existir. E assim, sem certeza da oferta regular e confiável do serviço entre as dois cidades, há menos possibilidades que o serviço se firme e se consolide.






sábado, 10 de janeiro de 2015

Caviar e Moët & Chandon para todos



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Hoje vou fazer a minha homenagem a um pessoal injustiçado: a esquerda festiva (que alguns tolinhos chamam “caviar”). Aliás, quem acompanha o blog já viu que muitos leitores me acusam de ser dessa tal esquerda. Não sei se a intenção é chatear, mas não chateia. É um elogio, porque esse é o meu time.

- As pessoas têm que ter um lado. Eu tenho.

Ora, o meu lugar foi e sempre será onde está o pensamento humanista, que, não tenho dúvidas, só pode ser de esquerda. Mas, claro, não abro mão de um clima de festa. Porque a festa é uma espécie de “espanta-reaças”, essa gente muito triste e amargurada. Aliás, há uma lição que aprendi desde que li Marx, o Groucho.

- Eu bebo para que as pessoas fiquem interessantes.

Só há uma diferença. É que antes, nos tempos mais inflamados, eu bebia cerveja e hoje prefiro vinhos de qualidade. Sinal dos tempos. Ah... e eu sou daqueles socialistas que querem socializar a riqueza, ao contrário dos caras que andam por aí a socializar a pobreza. Os reaças me mandam para Cuba, mas eu vou mesmo é para a Noruega. Caviar... e champanhe.

- Desce um Moët & Chandon, companheiro. 

Quem é da minha geração sabe disso. A gente só podia ser da esquerda festiva. É que escapamos ao período mais duro dos anos de chumbo. Eu só me vi com idade para a política ativa quando a ditadura já estava a se esboroar. Então, com a milicada a deixar o poder e a abertura a chegar, tínhamos motivos de sobra para comemorar.

- Tem gente que ficou triste e ainda hoje está em luto pelo fim da ditadura.

Outra coisa. Cá entre nós, sempre achei meio chata a ideia de revolução armada. Não gosto de armas. Nunca dei um tiro na vida. E não sou chegado em violência. É por isso que prefiro fazer revoluções na mesa de bar (aqui em sentido figurado). Até porque a revolução das pessoas e das ideias também é essencial. E não há ambiente mais revolucionário do que uma mesa de bar, no sentido do que pretenderia Habermas.

- Ébrios do mundo, uni-vos!

Ah... e há injustiças que o mundo precisa corrigir. A maioria das pessoas parece não reconhecer, mas ser de esquerda é para lá de difícil. Vamos analisar: como é que um cara acaba aderindo ao ideário da esquerda? Ora, é preciso ler muito. Ler, ler, ler. E olhe que esses autores de esquerda escrevem feito loucos, com teorias cada vez mais complexas. O leitor precisa de resistência de maratonista.

- E você, caro reaça, quantos livros a sério já leu na vida?

Outra coisa chata é o estereótipo (que vem dos anos 60). Todo mundo vê os homens de esquerda como uns caras barbudos que não tomam banho, usam sacolas a tiracolo e boinas estranhas. E as mulheres são umas desgrenhadas, que não cuidam da aparência e não raspam os sovacos. Mas, no que me diz respeito, o fato é que as mulheres de esquerda são muito interessantes. Porque elas também se cuidam e, principalmente, têm o que dizer.

- E bom ter o que falar depois do sexo, nenão?

Outro troço engraçado é ser chamado de radical. Não me importo. Mas a palavra foi deturpada pela direita. Ser radical é ir à raiz dos problemas (o que é bom), mas alguém fez acreditar que os radicais são um monte de gente de turbante pronta a explodir tudo. Até houve um tempo em que éramos “xiitas”. O leitor lembra? Aliás, já perdi o bonde: hoje em dia os xiitas são bons ou maus? Antes, quando Saddam Hussein era amigo, os xiitas eram bandidões ferozes. Mas depois da queda e do cadafalso para o ditador, eles voltaram a ser pessoas simpáticas? Os maus são os sunitas? Ah... a história.

- Talibã bom é talibã morto?

E por fim, faz três anos que somos perseguidos pelos anônimos aqui do blog. Os coitados não sabem fazer um zero com o fundo de uma garrafa, mas estão sempre prontinhos para iniciar o xingamento? Com tanta pressão, preconceito e perseguição, eu fico estressado e bem que mereço uma festinha para compensar.

- Um brinde a la revolución... tchim tchim.


É como diz o velho deitado: “Liberdade, igualdade, fraternidade - caviar e Moët & Chandon para todos”.




sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

12 mortos pela liberdade

POR SALVADOR NETO

Paris, 7 de janeiro de 2015. Um atentado contra o semanário Charlie Hebdo, publicação conhecida na Europa pelo sarcasmo, críticas ácidas, inteligentes e corajosas, e também pela irreverência com que tratava a sua política editorial, não poupando nada e ninguém, deixa 12 mortos. Segundo a policia, três homens encapuzados e armados com fuzis entraram na redação e executaram os principais nomes do jornal, entre eles os principais cartunistas do país. Segundo a polícia, seriam jihadistas, muçulmanos, a vingar o profeta Maomé pelos ataques feitos pelo jornal francês.

Pouquíssimos por aqui conheciam a publicação, e tampouco os cartunistas mortos. Desde a publicação de uma charge de Maomé, em 2011, os diretores do Charlie viviam sob cuidados policiais, já que foram ameaçados de morte, e a sede do jornal sofreu atentados. Falamos de um país do primeiro mundo, onde a longevidade de sua civilização e cultura deveria demonstrar, exatamente, mais civilidade. O que vemos é que no quesito ódio e intolerância, estamos no mesmo andar. E o que isso pode significar? De onde observo, vejo que estamos a descer os andares, e logo chegaremos ao subsolo do subsolo da violência.

Este ano completam-se 70 anos do massacre promovido pelos EUA contra a população das cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki, bem como do final da II Guerra Mundial, a mais sangrenta da história. A partir dali imaginou-se um mundo livre das guerras, com paz e civilidade. Criou-se a ONU, hoje um órgão que fala para o deserto em que se transformaram as relações entre as nações. Sucederam-se massacres pelo mundo, desde a URSS com Stalin, Israel contra palestinos, Sarajevo, Kosovo, bombas em metrôs de Madrid, Londres, bombas humanas a explodir em mercados. Sete de setembro nos EUA. E tantos outros.

Em todos esses e tantos outros momentos, a liberdade de expressão sempre foi sufocada por ambos os lados envolvidos em conflitos. Jornalistas, cartunistas, artistas, todos que se manifestem por A ou B, critiquem, denunciem, viraram e viram alvos de quem busca o poder hegemônico, ou de quem deseja se defender das imposições desse poder. No Brasil da ditadura, centenas de pessoas foram mortas por querer a liberdade e denunciar as arbitrariedades. Nós jornalistas fomos, somos e seremos alvos permanentes de quem detém poder. Essa intolerância com a opinião e os desejos dos outros não morre nunca. Quem morre a cada atentado é a liberdade.

Venho do horrendo atentado em Paris até o nosso país para dizer que aqui também as coisas não andam bem. Pouco se divulga, mas a intolerância religiosa cresce muito ano a ano. Terreiros de candomblé sofrem atentados. Somos o país campeão do mundo em assassinatos de homossexuais. Na última campanha eleitoral vimos diariamente nas redes sociais o ódio na via da política, contra nordestinos, contra pobres, negros, minorias. Pessoas que agora falam, compartilham notícias sobre o atentado contra a Charlie Hebdo, muitas delas são as mesmas que defendem a volta da ditadura no país por não aceitarem o resultado das urnas. Estamos gerando um novo ovo da serpente.

Essa barbárie contra profissionais livres, homens e mulheres que lutam diariamente pela liberdade, e liberdade de expressão, deve servir não para amedrontar os que continuam na batalha denunciando o ódio e a intolerância. Porque esse é o desejo de quem financia, planeja e promove tais atos de morte e ódio, empurrar a sociedade para guetos do medo. Há mais escondido sobre esse ato contra a liberdade do que podemos enxergar, muito mais do que a falsa questão religiosa que visa manter e ampliar uma pretensa guerra santa entre ocidente e oriente. Cabe a nós continuar a luta pela liberdade, por mais humanidade, pela cultura da paz. Em nome dos 12 mortos em Paris.





quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O rigor e o "eu acho"...

POR BELINI MEURER

O pensador grego antigo, Platão, em seus diálogos da República, definia toda a estrutura do conhecimento humano a partir de duas categorias: episteme e doxa. Na primeira, o filósofo retratava o conhecimento a partir de um rigor na sua produção, elaborado sob uma depuração de tudo aquilo que pode interferir na validade; para o segundo, o ateniense apresentava o conhecimento como contrário ao seu anterior, algo apenas opinativo e que por isso, não podia ter a pretensão de verdade.

A preocupação do discípulo do Sócrates não difere tanto daquelas dos pensadores dos tempos atuais que caracterizam outros dois conceitos, mas que obedecem a mesma lógica: estrito senso e lato senso. De um lado a preocupação científica, com seu rigor acadêmico nas pesquisas, e, do outro, o conhecimento sem qualquer elaboração, a opinião. Para alguns, o tal de "eu acho".

Longe de se ter a pretensão de buscar uma verdade absoluta, o que se quer refletir aqui é a força do senso comum, na opinião pública, o tal do "eu acho" que se impõe, criando debates frágeis e com dados insustentáveis. Certamente que o senso comum não deve ser descartado, exatamente porque ele é o próprio conhecimento bruto a ser lapidado.  Entretanto, a pretensão da cientificidade é se despir de toda e qualquer manifestação do senso comum, como ideologias, crenças religiosas, costumes, tradições e concepções sobrenaturais etc.

A dificuldade do tema é que nos tempos atuais, com as facilidades das midias interativas, com publicações facilitadas,  o que perpassa por entre as pessoas é uma visão de mundo despida de qualquer rigor científico. Isso acontece também com mais facilidade porque parece haver entre as pessoas uma predisposição a acreditar em algo simples, mas recheado de símbolos.  

E assim, quando aparece um expoente midiático afirmando algo - mesmo que fechado em uma doxa, em um senso comum, parece logo ocorrer uma onda geral e muitos indivíduos passam a ter algo a dizer, mas requentando o que fora dito. Isso faz lembrar o que já dissera o pensador francês, Jean Baudrillard: "Bobagem, as massas resistem escandalosamente ao imperativo da comunicação racional. O que lhes dá sentido e o elas querem, é espetáculo".




quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Perco a vida, mas não perco a piada.


Todo verão é a mesma história

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O ano de 2014 acabou, as festas de fim de ano também. A cidade aos poucos vai ganhando a sua forma deprimente de sempre (um ciclista, menino de 8 anos, já morreu em 2015 por causa da insegurança que assola a mobilidade joinvilense). Mas é necessário fazer um registro do que aconteceu nas praias da região neste período festivo, principalmente pelo lado urbanístico da coisa, pois as cidades litorâneas são o escárnio da qualidade de vida e da urbanidade.

A sazonalidade do veraneio brasileiro causa grandes impactos para as cidades, as quais não possuem uma estrutura adequada para seus moradores fixos e nem para os turistas. Todos os problemas já existentes se multiplicam exponencialmente devido ao acúmulo de gente no mesmo ambiente. E quando não há uma organização mínima, a falta de respeito e de alteridade imperam, graças ao ser humano dotado de suprema inteligência.

O que mais presenciei foram desrespeitos a tudo aquilo que defendemos durante os outros meses de dano, sobretudo aos direitos dos ciclistas e aos pedestres. A quantidade de carros amontoados em cima das calçadas foi absurda, só porque era o lugar mais perto da praia. Faixa de pedestres, no alto verão, tornou-se apenas um acessório que ilustra as ruas. As ciclovias (ou ciclocoisas, dependendo do lugar, quando existem) foram sistematicamente desrespeitadas e fiscalização alguma surgia para combater a infração. O resultado todos já sabemos: vidas humanas colocadas em risco.

É incrível como o brasileiro é um analfabeto urbanístico (usando o termo empregado pela professora Ermínia Maricato) e as gestões municipais são omissas. E mais assombroso é como nas praias, durante o verão, isso se exacerba. Vira uma terra sem lei, onde ser "espertinho" é sempre o melhor e danem-se os outros, pois ninguém irá fiscalizar. Infelizmente é algo repetitivo. Você vai para a praia fim de ano e vai encontrar este cenário descrito.

Ou as cidades litorâneas mudam seu pensamento, ou nosso tipo de turismo ficará saturado em pouco tempo. O mar, por si só, não garante qualidade de vida. Ter lindas praias não segura o turista todos os anos, pois o meio em que ele convive está piorando e a qualidade de vida é tão ruim quanto os grandes centros urbanos brasileiros. A capacidade de inovar precisa vir destas cidades litorâneas, principalmente das mais desejadas pelo setor imobiliário, graças à aplicação dos instrumentos redistributivos do Estatuto da Cidade. Com transporte público eficiente, mobilidade com segurança para todos, organização fundiária e sanitária as cidades se tornarão minimamente melhores do que são hoje e trarão muito mais renda pelo turismo (e durante o ano todo, sem depender somente do veraneio).


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A Revolução dos Bichos- Parte I


Mirian França, mais uma vítima do racismo


POR FELIPE CARDOSO


Mulher, preta, pobre, carioca e universitária. Mirian França, 31, decidiu passar suas férias no Ceará. Longe da mãe e dos amigos, a jovem, que faz doutorado na UFRJ, onde se formou em Farmácia e, por não ter renda, morava desde os 20 anos, vive um pesadelo.
Acusada pelo assassinato da italiana Gaia Barbara Molinari, a acadêmica negra que curtia as suas férias está presa desde o dia 26 de dezembro, incomunicável e sem o direito de defesa. 

Assim como tantos outros milhares de casos, quando o suspeito é pobre ou preto a imprensa trata logo de mostrar o rosto do indivíduo e invadir sua privacidade, fazendo seu julgamento antes mesmo do judiciário que, ultimamente, vem sendo muito influenciado pela opinião pública. Como não bastasse a imprensa brasileira dar seu espetáculo com a falta de profissionalismo, Mirian sofre com o racismo e a podridão da imprensa italiana que, desde o acontecimento, tem atacado a jovem brasileira.

O crime ocorreu em Jijoca de Jericoacara, área conhecida por ser preferida da máfia italiana e pela morte e estupros de turistas que visitam a região. A brutalidade com que a jovem foi assassinada indica que o crime foi cometido por um homem muito forte ou, até mesmo, por dois homens, e que houve luta corporal. Mas o interessante é que nada disso foi dito na “grande mídia”, nem a polícia do Ceará apresentou fatos, como marcas no corpo, por exemplo, que mostrem que Mirian tenha alguma participação no crime. Também não foi dito que querem cremar o corpo de Gaia sem que o caso seja concluído.

Enquanto mais um circo é armado pela imprensa brasileira, mais um corpo negro é exposto, explorado e humilhado. Enquanto eles aumentam a audiência e a tiragem dos jornais, mais um corpo negro sofre com a injustiça. Isso já se normatizou no país, por isso, já não causa estranheza e os brasileiros aceitam como verdade.

O jornalismo sensacionalista e mau caráter se torna, a cada dia, o órgão de justiça mais importante do país. O quarto poder realmente existe: a mídia. E Elza Soares tinha razão: “A carne mais barata do mercado é a carne negra... que vai de graça para o presídio”.

O que está acontecendo com Mirian França, aconteceu com Claudia, morta e arrastada por policiais. Aconteceu com o dançarino DG, assassinado por policiais. Aconteceu com Amarildo, assassinado por policiais que até hoje não revelaram o paradeiro do corpo do ajudante de pedreiro. Aconteceu com o ator Vinícius Romão de Souza, preso por engano pela polícia.

Aconteceu e acontece com milhares de negros diariamente e ninguém fala nada. Todos acreditam na versão da polícia e dessa imprensa golpista. Por isso volto a repetir: a nossa voz é importante e garantirá a nossa liberdade.

Devemos lutar por justiça para que esses casos cessem. Esses safados querem nos manter amarrados, acuados e sem voz.

Não somos suspeitos. Não somos criminosos.

Por que não ficam comovidos com a morte de milhares de jovens negros anualmente? Por que sentem pena da morte da italiana e não sentem pena da jovem negra injustiçada?
Se fosse uma mulher branca, estudante, fazendo doutorado em uma das maiores faculdades do país, dificilmente estaria encarcerada. Mas é uma mulher negra e pobre.

Seu pensamento escravista vai ser desconstruído por bem ou por mal.
A luta de classes não começou no governo petista... Ela sempre existiu.
Liberdade para os negros injustiçados. Liberdade para as favelas oprimidas. Liberdade para Mirian França. 

Verdadeira liberdade a todos os negros e negras do mundo!