quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Barthes e os petralhas, esquerdistas, comunas...

Roland Barthes
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O tema de hoje é a vulgata que todos estamos habituados a ver repetida aqui no blog ou nas redes sociais. “Cuba”, “Venezuela”, “bolivarismo”, “esquerdista”, “petralha”, “comuna” e por aí vai. Quem profere expressões como essas julga ser portador de uma verdade inquestionável. Ou seja, as pessoas acreditam nos poderes mágicos de palavras que, uma vez emitidas, lançam um anátema inescapável sobre o interlocutor.

O fato é que todas essas palavras são cifradas e fazem parte de uma formação que o pensador francês Roland Barthes denominou “mito”. Uma advertência: a popularização da palavra levou a uma distorção do seu sentido. Barthes mantém o conceito no seu significado tradicional filosófico, ou seja, o de um discurso alegórico ou narrativa lendária que pretende dar um fundamento de natureza para a construção dos valores básicos dos povos.

O semiólogo transporta esse conceito para os tempos modernos, pois, em seu entender, o quotidiano das sociedades contemporâneas está repleto de mitos – os pequenos e os grandes – que devem ser decifrados e revelados. Uma tese que ganha corpo com a revolução digital. Apesar de ter mais de meio século, a teoria do mito mantém o seu fulgor e é uma ferramenta teórica que permite descortinar, de maneira eficiente, as contradições que marcam a evolução da sociedade atual.

O mito é o meio para um fim: a imposição de uma certa ideologia (entendida aqui no sentido marxiano, como uma consciência deformada) para a legitimação de uma ordem estabelecida. O mito encontra-se espalhado por todo o tecido social, seja no direito, na moral, na educação, na família ou na política. Mas é nos veículos de comunicação de massa – os grandes vetores de produção simbólica dos nossos tempos – que ele se torna mais cintilante.

O mito tem a função de naturalizar a história e engessar o mundo, de forma a impedir a transformação. Neste contexto, o pensador faz uma denúncia da ideologia burguesa e pequeno-burguesa (o pequeno-burguês é o indivíduo por quem ele nutre uma profunda antipatia), que cria uma espécie de falsa natureza. Mas o que se entende por naturalização da história? É fazer com que os indivíduos aceitem determinados factos como naturais, negligenciando as suas implicações sociais e históricas.

O mito é, portanto, o produto de uma determinada classe social dominante que acaba por ser incorporado pelos membros da classe dominada, mesmo quando vai contra os seus próprios interesses. Produzir essa aceitação – pela naturalização – é a sua função. Enfim, mito e ideologia são parentes muito próximos: entrelaçam-se, confundem-se e são categorias incontornáveis para desmascarar o processo de legitimação da sociedade burguesa.

O mito tem que ser invisível e natural, porque a  sua identificação apontaria sempre para uma tentativa de manipulação. Barthes diz que o mito não é nem uma mentira nem uma confissão: é uma distorção. A sua função, na passagem da história à natureza, é despolitizar os fatos, transformando-os em coisas simples, inocentes. Não interessa a interdição, mas a exposição. É por isso que todos os dias a vulgata citada no início deste texto é repetida ad nauseam.

 Barthes diz que o mito e a direita andam atrelados. E quando está no campo de atuação da direita, o mito toma posse de tudo, da justiça, da moral, da literatura, da estética, etc. E o mais importante: o mito precisa de uma certa fraseologia e os slogans têm um papel insubstituível neste contexto. A frase feita ajuda a apreender e a justificar o mundo de uma maneira muito mais simples, permitindo uma constatação imediata e sem maiores reflexões.


Para usar um exemplo típico dos dias de hoje, quando se diz que estamos a caminhar para a ditadura comunista parece a constatação de uma realidade inequívoca. Feita a afirmação, referendada por um slogan repetido de forma incessante, não é preciso haver constatação e a historicidade é alijada. Mas na verdade estamos frente a um processo de dominação onde o dominado é quem repete essas expressões.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Água e gasolina

Montagem da página Anarcomiguxos III, ironizando o
discurso da direita sobre meritocracia
POR FELIPE SILVEIRA

Findo o processo eleitoral, a discussão política segue mais viva e louca do que nunca. A coisa está tão louca que a direita tá na rua, e olha que nem é no stammtisch. Assim, diante das circunstâncias penso que temos uma tarefa muito importante pela frente, que é jogar duas coisas na fogueira: água e gasolina.

Água no sentido de termos que acalmar alguns ânimos. Sobretudo os golpistas. Não dá pra exigir vergonha na cara desse pessoal, mas dá pra dar uma sacudida e ver se conseguimos trazer alguns de volta pra Terra. Sejamos didáticos e calmos com os próximos, irônicos com outros perdidos e ignoremos os malucos. Que sumam por falta de plateia.

Já a gasolina tem que ser jogada sobre cada movimento e manifestação de oposição ao sistema de opressão que está aí e vai muito além de qualquer governo, embora os governos sejam o braço forte do sistema. Assim, cada pixo, cada texto, cada debate, cada reunião do movimento social ou da associação de bairro, cada fala de resistência se torna, neste cenário, ainda mais significativa.

O mundo é muito tranquilo apenas para alguns poucos. Nós, aqui embaixo, apenas nos acostumamos. Nos acostumamos a trabalhar uma hora a mais, nos acostumamos a morar em bairros cada vez mais distantes, nos acostumamos a demorar mais de uma hora pra chegar em casa num ônibus lotado sem segurança e lugar pra sentar, nos acostumamos a trabalhar algumas horas a mais, a estudar apenas para conquistar uma promoção.

Nos acostumamos a tomar porrada, com o abuso de autoridade, com o assassinato e com a tortura. Nos acostumamos com o racismo, com a homofobia, com o machismo e com a xenofobia. E os reproduzimos. Nos acostumamos a pagar caro e a não ter opção.

Mas, mesmo acostumados, seguimos queimando por dentro, lentamente, até que uma hora estejamos prontos para explodir. E nesta hora coisas importantes podem acontecer. Por isso que a gasolina é importante.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Os anônimos e contribuição ao diálogo

POR JORDI CASTAN




Escrever no Chuva Ácida é um exercício semanal de tolerância. No período eleitoral os ânimos têm ficado mais exaltados e sempre há os que, escondidos sob o anonimato, vociferam baixarias e agridem desde a covardia.

Tenho por princípio publicar todos os comentários. Não recordo ter censurado algum (a menos que não tivesse a ver com o tema do post ou contivesse agressões ou ameaças). Ontem tive o desprazer de receber o comentário que publico aqui e que hoje é o tema deste post.

Enquanto houver no país uma minoria de trogloditas que ainda vivem no neolítico da democracia, correremos o risco de ser agredidos em nome da própria democracia e do estado de direito.


"Anônimo2 de novembro de 2014 00:22
Jordi,...desde que vc. chegou em Joinville assumiu prontamente a função de "capacho pseudo-intelectual "da burguesia local e agora se tornou também um "lambe-botas" da ditadura, insinuando um golpe na democracia. Já passou da hora de vc. ler uma bíblia e tentar salvar a sua alma, porque sua mente e seu coração já estão totalmente podres pela arrogância !" 

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Raloin.


0,97% para a cultura e 0,002% para a juventude

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano de 2015 foi elaborada pela Prefeitura de Joinville e aprovada recentemente pela Câmara de Vereadores. Entretanto, os movimentos sociais organizados só agora começam a perceber as grandes falhas e equívocos presentes nas diretrizes do orçamento de Joinville para 2015. Além de descumprir o Plano Municipal de Cultura (PMC), lei 7.258/2012 (o PMC é o plano diretor da cidade para a área da cultura, que prevê estratégias e ações para até 2021), o governo municipal caminha a passos largos rumo ao retrocesso no que diz respeito às políticas setoriais de juventude.

O Conselho Municipal de Políticas Culturais alertou, nesta semana, que em 2015 a verba destinada para a cultura não chegará a 1%, o mínimo estabelecido por diversos órgãos e entidades para que o desenvolvimento cultural fosse garantido. Dos 2,25 bilhões previstos para o orçamento municipal em 2015, apenas 22,01 milhões será repassado para a cultura (veja o documento aqui), seja pela Fundação Cultural ou pelo Fundo Municipal de Incentivo à Cultura. Em números exatos, 0,977%.

Talvez por esquecimento, ou talvez proposital, está sendo descumprido, desta maneira, a meta número 17 do PMC, a qual diz que deve ser destinado "3% do orçamento geral da Prefeitura de Joinville para a consecução das metas do Plano Municipal de Cultura e o funcionamento de 100% das unidades vinculadas à Fundação Cultural de Joinville, nos Planos Plurianuais (PPA) de 2014 e 2018, bem como anualmente na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA)". Segundo o mesmo documento, esta meta deveria ser alcançada com incrementos gradativos no orçamento até 2021, mas o que presenciamos é o contrário: dos 1,59% deixados em 2011 para 0,977% da realidade. Se nada mudar, perderemos, em breve, o título de referência nacional em políticas culturais conquistado há alguns anos.

No mesmo caminho estão as políticas de juventude. Carlito Merss, durante o seu mandato, incrementou (mesmo que de forma muito tímida) a atuação política da Coordenadoria de Juventude, juntamente com o seu orçamento, deixando mais de 100 mil reais previstos para 2012 e 2013. Já Udo Dohler, em um de seus primeiros atos administrativos como prefeito, contingenciou uma série de verbas públicas, incluindo 100% do orçamento destinado para as políticas de juventude. Ou seja, seria um setor amarrado, sem possibilidade de atuação (1). Em 2013, então, 118 mil reais foram pro ralo, visto que nada foi gasto, segundo dados do Portal da Transparência. Em 2014, primeiro ano do orçamento totalmente montado por Udo, míseros 50 mil reais foram planejados para a juventude. Até a publicação deste artigo, nenhum centavo havia sido gasto na rubrica orçamentária da "Juventude em Ação". Para 2015, o orçamento cresceu incrivelmente para 53 mil reais. Em números reais, 0,002% do orçamento (não chega nem a 0,1%!).

Isso mostra que a gestão Udo Dohler não trata como prioridade os seus programas sociais. A ONU já publicou vários documentos alertando que as políticas culturais e setoriais para a juventude são as principais ferramentas de inclusão e equidade para uma faixa etária que nem sempre possui as mesmas oportunidades, e que estão diante dos mais diversos riscos sociais que a vulnerabilidade e a desigualdade causam. Sem políticas culturais e afirmativas, a sociedade joinvilense se vê obrigada a encarar uma dura realidade social (trabalho e progresso) e uma escolha de seus representantes pela omissão.

Diante de tais fatos, não há como negar o caminho escolhido pelo governo municipal. Está evidente.

(1) Este foi um dos principais motivos que levou o presente articulista a pedir exoneração de seu cargo de Coordenador de Políticas para Juventude e Direitos Humanos, em maio de 2013.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Eleições: sinta-se representado

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO


A intenção era fazer uma análise do resultado das eleições. Mas a reação das pessoas seria previsível. Os anônimos entrariam no blog só para me chamar de comunista, petralha, atrasado. Ou seja, o habitual. Por isso optei por resumir tudo a uma imagem que se tornou icônica no pós-eleições. A moça aí - uma encarnação típica dos que não querem saber de solidariedade para com os mais pobres - mostra o respeito que tem pela democracia. E, mais do que isso, pelas pessoas que pensam diferente. E hoje fico por aqui. Porque é com esse tipo de pessoas que não me apetece entrar em contato neste momento. As redes sociais não são lugar para pedagogia e hoje não estou no "mood". Deixo apenas o filme (de resto muito visto). Você, que entra aqui apenas para encher o meu saco, veja as imagens... e sinta-se representado. Abraços.


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Hora de analisar o resultado

POR JORDI CASTAN

O resultado das eleições é um Brasil dividido. Quem apostou no ódio, no "nós contra eles", ricos contra pobres, brancos contra pretos, norte contra sul, ou nós contra as “zelites” de olhos azuis ganhou. Hoje há que fazer a leitura das urnas. Quem ganhou em que estados?  Como votaram os municípios?  Qual o perfil do eleitor? Tenho certeza que aqui mesmo no Chuva Ácida não faltaram posts e comentários a se aprofundar no tema.

Teve quem defendeu a sandice do voto em branco: a mensagem é que, com brancos, nulos e abstenções somando mais do 27%, o eleitor se omitiu mesmo e foi a abstenção, junto com o voto em branco, o que serviu para eleger Dilma. Os que defenderam o voto crítico, inventaram mais uma bizarrice e também contribuíram para eleger Dilma. O resultado é que a maioria do eleitorado não votou na candidata que ganhou. Quem acredita que se abstendo, votando em branco ou dando um voto crítico deu algum recado, pode ficar com as suas sutilezas. Porque este pessoal não entende de sutilezas.

Os próximos capítulos desta história estão ainda por ser escritos. Fala-se de impeachment, e já houve no Brasil presidente “impichado” por muito menos. Mas aqueles eram outros tempos. Hoje o nível de tolerância - ou deveríamos dizer de conivência do eleitor com a corrupção, a roubalheira e a falta de ética - é muito menos estrito.  

Minhas felicitações aos que desde este espaço manifestaram seu apoio a candidatura do PT. Lamento profundamente o resultado. Vivo numa cidade e num Estado que majoritariamente votou no candidato que não venceu. Aliás, a mesma Santa Catarina que elegeu Raimundo Colombo no primeiro turno votou em peso em Aécio, que não era o candidato do governador. Em Joinville, enquanto o prefeito Udo Dohler declarava abertamente o voto em Dilma, a candidata do prefeito levou um pau bonito de ver. Sinto-me de alma lavada. No segundo turno apoiei o candidato que venceu em Joinville e em Santa Catarina.