POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Meu caro
Felipe Silveira.
O debate está interessante, mas parece evidente que não vamos chegar a um denominador comum, em especial porque tens focado a tua fala na política e eu na economia. Será difícil conciliar posições e hoje encerro a minha participação neste pequeno contraditório sem tentar contra-argumentar ou mesmo reafirmar os meus pontos de vista. Por isso, saio com um ângulo diferente: o de torcedor de futebol. Ou melhor, um torcedor europeu (apesar de que obviamente também estarei a torcer pelo Brasil). Então vamos lá.
- A Copa do Mundo é uma competição à qual nós, aqui na Europa, damos muita importância. Porque gostamos de futebol (e há gente que até ganha dinheiro com isso). Mas hoje o sentimento generalizado neste outro hemisfério é de uma dupla torcida: 1. torcemos pelas nossas seleções; 2. torcemos para que os brasileiros não estraguem a festa.
- O nome da competição é Copa do Mundo. Vou repetir: do Mundo. Faz um tempão que o governo brasileiro vem tentando levar a realização para o país (só Fernando Henrique Cardoso tentou duas vezes) e quando conseguem os brasileiros decidem que não querem mais? E o pior: tem gente querendo estragar uma festa que é de todos? As nossas seleções já começam a viajar para o Brasil: estamos em modo futebol e queremos é ver a bola rolar.
- Há quem ache ser um momento oportuno para dar visibilidade a “tudo isso que está aí”. Só que não nos interessa, enquanto europeus, ver essa autoflagelação. Aliás, acho que vale o registro: nunca, em outros grandes eventos, o país promotor fez tamanha sangria nas próprias veias.
- É bonito ver o povo nas ruas a lutar por uma sociedade melhor. Mas todos os dias e não apenas quando há holofotes. É mesmo provável que os telejornais europeus mostrem imagens das manifestações prometidas (se houver quebra-quebra, podem contar com mais atenção do mundo). Mas aqui deste lado será assunto apenas para uma meia dúzia de mirones. Porque a gente esperou quatro anos pela Copa do Mundo e está com o foco no que acontece dentro de campo. Acreditem: na mídia europeia a lesão no joelho de Cristiano Ronaldo tem mais minutos do que as manifestações no Brasil.
- Estamos conscientes de que há problemas no país (confesso que até bem pouco tempo pensávamos não serem tantos). Mas o melhor que podíamos fazer para ajudar a resolver os vossos problemas era gastar o nosso dinheiro aí. Era uma boa oportunidade para visitar o Brasil. Mas pelo que se percebe no comportamento de alguns brasileiros, vocês não precisam dessa grana. O exemplo da Copa das Confederações ajudou a espantar muitos turistas. Aliás, nas duas últimas décadas sempre que tem havido uma grande competição internacional eu tenho feito campanhas publicitárias focadas no evento. É a primeira vez que não faço. Porque os anunciantes não arriscam investir num negócio que tem tudo para criar uma má imagem.
- Desculpem se pareço insensível e se houve alguma generalização (a ideia no exterior é que todos os brasileiros são contra o Mundial), mas é que estou apenas a tentar traduzir o sentimento das pessoas com quem vou tendo contato aqui e acolá. Sei que a imagem positiva do Brasil no exterior foi exagerada ao longo dos últimos anos. Mas sei também que a imagem demasiado negativa que nos chega agora é outro exagero.
- E, por fim, fica uma dica (se me for permitida): cuidado com aqueles que querem cometer Brasilcídio.