domingo, 7 de julho de 2013

Qual a grande obra?


POR FABIANA A. VIEIRA

As mobilizações de rua durante a Copa das Confederações, em grande parte, foram pautadas pelos gastos com a construção dos estádios. Tudo bem, o governo federal, principal alvo da turba, não construiu nenhum estádio. Esta tarefa coube a governos estaduais, clubes de futebol ou até prefeituras. No máximo o BNDES emprestou o dinheiro e vai receber de volta, com juros. Os manifestantes diziam 'não' aos estádios e 'sim' para a saúde e educação. Particularmente acho um maniqueísmo meio sofrível esse. Um governo tem que fazer tudo ao mesmo tempo. É pão, é circo, é educação, é saúde, é esgoto, é estrada, enfim... 
Acho até louvável essa nova concepção de Arena que oportuniza uma diversidade de eventos de massa. Em Brasília já teve tanta atividade no Mané Garrincha que já valeu a pena. Até Renato Russo já apareceu em holograma. A Copa acaba e os estádios continuam e devem ser bem utilizados.

Mas a situação me lembrou Joinville de 2004. Enquanto a pirotecnia oficial fazia a festa,  o candidato continuísta jorrava lágrimas porque não poderia participar da inauguração da nova Arena Joinville. Essa cidade sempre cultuou obras faraônicas, começando pela Ponte do Trabalhador e indo até a Expoville, Centreventos e Arena. O candidato da oposição tentou dizer, na época, que com o dinheiro da Arena daria para fazer tantos leitos hospitalares...foi dizimado. Mesmo elogiando o equipamento, demarcar uma possível reflexão foi dar um murro na ponta da faca.

No último governo municipal também os porta-vozes do mega, hiper, super vinham com aquela pergunta: "qual a grande obra?". Não importa se o saneamento básico é uma vergonha e está sendo, enfim, retomado, ou que os investimentos maciços em educação e saúde não apareçam, os arautos do grandíssimo querem algo sempre maior e mais bonito.

Hoje parece que as coisas mudaram. Agora é moda ir para a rua reivindicar saúde e educação, mesmo tendo plano de saúde ou estudar em colégio particular. Agora é moderno reivindicar redução da tarifa de ônibus, mesmo sem nunca botar o pé no 'buzão'. Aliás, o moderno é reivindicar por reivindicar. Tem até médico indo para a rua defender o seu curral profissional. Afinal é aviltante ir para o interior por R$ 10 mil.

Maravilhosos esses tempos em que as pessoas deixam de replicar mensagens dos seus notebooks, das quais elas não têm nenhuma ideia e vão para a rua replicar cartazes que procuram lavar a sua alma. Uma autonomia criativa que beira o anarquismo, levando em conta o lado genial dessa teoria libertária.  

Mas voltando ao nosso tema, será que Joinville agora vai desistir de grandes obras e se mobilizar coletivamente para garantir os alicerces de uma sociedade melhor de se viver? Será que agora, definitivamente, vamos enfrentar a saúde, não com hospitais, heliponto e medicina de última geração tecnológica, mas com ações preventivas, não curativas, com alimentação, com lazer e esportes? Será que vamos pensar a mobilidade urbana com responsabilidade estratégica, com planejamento de longo prazo, corredores e transporte coletivo ou vamos fazer pontes  e viadutos para agradar oportunistas? Vamos manter a prioridade no saneamento, nas moradias populares, na educação de qualidade ou vamos de novo partir para projetos empolgantes, geniais, caros, que jogam uma fatura comprometedora do futuro, como está agora acontecendo com a Prefeitura?

 As mobilizações sociais sempre foram criminalizadas em nosso país e repudiadas com veemência. Hoje, com o panfleto digital on-line das redes sociais, as pessoas podem se mobilizar mais rapidamente e por diversos interesses. A televisão passa ao vivo e fica insistindo 'ad nauseum'  que a manifestação é até pacífica, e que a violência é de uma minoria de vândalos. Como se algum dia a conquista de algum direito social tenha sido fácil. 
Mas os tempos são outros e torço para que coxinhas, MPL, vermelhos, verdes ou amarelos, socialistas, democratas, anarquistas ou liberais mostrem a sua cara e a política seja exatamente aquilo que o povo quer e não uma usura criminosa de uma classe que privatiza o interesse público.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Cão Tarado






Vamos pular catraca!

FELIPE SILVEIRA

Sim, é um convite mesmo. Vamos pular a catraca, aquela mesma do terminal e do ônibus. A catraca que representa a opressão, a exclusão e a negação dos nossos direitos.

Pular catraca é um ato de desobediência civil. E os defensores da cidade ordeira e trabalhadora vão ter um troço agora, mas é isso mesmo que este texto vai defender.

Vamos inverter a ordem dessa cidade ordeira, porque ela está errada e nos afeta direta e diariamente, pois nos impede de estudar, nos impede de ir no Parque da Cidade para praticar esportes ou no Parque das Águas para aproveitar uma tarde de domingo, nos impede de ir ao cinema e ao teatro e nos impede de visitar a família e os amigos.

Pular a catraca é um ataque direto ao lucro das empresas de transporte coletivo (não é público da maneira que é) que operam em Joinville graças a uma permissão, vá lá, meio estranha dada pelos amigos no poder.

Pular a catraca é mais ou menos a mesma coisa que Thoreau fez ao se recusar a pagar impostos para o governo americano por não aceitar o Estado escravagista e a guerra. A ideia foi defendida no ensaio "A desobediência civil", publicado em 1849, e dá nome à prática diversas vezes aplicadas na história da humanidade. Talvez a mais conhecida delas tenha sido feita por Mahatma Gandhi, que inspirou os povos sul-africano e indiano a não aceitar imposições dos governos e a opressão e exploração dos poderosos.

A desobediência civil também foi emblemática na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, nos anos 1960. Em uma sociedade extremamente segregacionista, quatro jovens negros decidiram sentar no lugar destinado aos brancos em uma lanchonete da Carolina do Norte, mobilizando milhares de opressores de um lado e outros milhares de solidários de outro. Ou quando Rosa Parks, em 1955, foi presa por se recusar a dar seu lugar aos brancos no ônibus, conforme determinava a lei na cidade de Montgomery, no estado do Alabama. A ação levou a um grande boicote ao sistema de transporte, que por sua vez levou a mudança na lei segregacionista.

Quem participou das manifestações pelo transporte verdadeiramente público em Joinville pode participar de grandes "catracaços", quando os terminais (duas vezes o central e uma vez o norte) foram ocupados pelos manifestantes na luta pelo direito de todos. Também há relatos de uma galera que tem pulado as catracas nas últimas semanas, desde que a luta se intensificou. É a Tarifa Zero acontecendo.

Eu comemoro e incentivo, pois sempre insisti que a primeira coisa a se fazer ao discutir transporte público e mobilidade é entender que o transporte é um direito de todos. Depois vamos discutir como fazer, e há proposta séria sobre isso. O que não dá pra levar a sério é a defesa do lucro exorbitante das empresas e o enriquecimento de duas famílias em cima da exploração do povo.

Já passou da hora de meter o pé e arrancar a catraca da exclusão (é o meu termo preferido para essa joça, e eu o ouvi nas manifestações do MPL que pude participar) de nossas vidas. A desobediência civil, que tantas vitórias já conquistou, é um pulo importante nesta luta. Pulem as catracas!

(ao sujeito que sugeriu esse texto, um autêntico pulador de catraca desde sempre, muito obrigado)

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Plebiscito ou referendo: a carroça à frente dos burros

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Democracia é uma coisa complicada. O povo saiu às ruas e, ao que parece, pediu uma reforma política (eu até acho que não foi intencional). O fato é que a presidente Dilma Rousseff acenou positivamente com um plebiscito. E o que parecia ser um avanço acabou virando mais um retrocesso, um ponto de dissenso entre apoiantes e adversários do governo.

Agora o embate (não há debate) é se queremos um plebiscito ou um referendo. Se a coisa descambou para a confusão, pelo menos não há disfarces: de um lado estão os que, ao lado de Dilma, preferem entregar os anéis para não perder os dedos; do outro estão aqueles que há mais de 10 anos não aceitam outra opção que não seja apear o PT do poder.

O Brasil sofre de distúrbio bipolar. De um lado estão os caras do PT e do outro os caras do PSDB e aliados. É uma guerra que consome as vontades democráticas. Nesta questão plebiscitária ou referendária não há ideias, apenas slogans (quase sempre contra alguma coisa). Todos sabemos que slogans são coisas fáceis de repetir, mas não esclarecem e nem informam. 

Não seria produtivo pensar mais no conteúdo e menos na forma? De que adianta uma pendenga para decidir entre plebiscito e referendo se ela nos distrai do essencial: qual é a substância do que vamos referendar ou plebiscitar? A reforma política é uma coisa séria demais para ficar perdida nessa tolice bipolar. Afinal, o que queremos?

Há muito por debater. Presidencialismo? Parlamentarismo? Monarquia? República? O fim do Senado? A redução do número de deputados? O voto distrital? Regulamentar o financiamento dos partidos? O escambau? Enfim, há tantas coisas sérias para discutir que despender energias nessa disputa entre plebiscito e referendo é por a carroça à frente dos burros. É uma coisa só favorece aos que não gostam da democracia.

Você, que defende o plebiscito, quer plebiscitar o quê?

Você, que defende o referendo, quer referendar o quê?

Não subestimem os jovens!

POR CLÓVIS GRUNER


Conheço e respeito a trajetória de Marilena Chauí, sua contribuição e importância na vida intelectual do país. Foi principalmente por isto que achei frágil sua análise das manifestações, compartilhada pelo Felipe em seu post da semana passada. Filósofa experiente, nem todo o Spinoza do mundo foi suficiente para compreender a nervura do real dos acontecimentos recentes. Se acerta no diagnóstico da causa – o “inferno urbano” e a necessidade urgente de repensar o transporte público e democratizar o acesso à cidade –, a filósofa uspiana se equivoca em quase todo o resto.
 
Há, por certo, seu petismo militante, a limitar sua interpretação: afinal, as manifestações afetaram os índices de aprovação da presidenta Dilma Rousseff e do prefeito Fernando Haddad. Informada por uma concepção de política que parece encerrá-la nos limites partidários, a leitura de Chauí chega a descaracterizar o próprio MPL, segundo ela “composto por militantes de partidos de esquerda”, o que não é exatamente correto. É esse mesmo critério que aparece na verdadeira inquirição feita aos manifestantes, como se fossem legítimas apenas aquelas movimentações conduzidas pelas bandeiras partidárias, com pautas e lideranças definidas em assembleia e com direito à questão de ordem.
 
Quando se propõe a analisar o papel das redes sociais, Chauí não se equivoca apenas. Não acredito que para falar de internet seja necessário ter uma conta ativa no Facebook ou no Twitter e manter um blog sempre atualizado no ar. Mas também não acredito que se compreende o seu funcionamento recorrendo ao bom e velho frankfurtês. Se já é complicado valer-se de Adorno para analisar, por exemplo, manifestações como o cinema, músicas populares como o jazz ou o rock (na verdade, qualquer outra que não a clássica) e a televisão, ainda mais difícil é tentar compreender fenômenos como as redes sociais por meio exclusivamente da “teoria crítica”.
 
Sem muito esforço, Chauí poderia evitar bobagens que beiram ao cômico. Dizer que as redes sociais assumem “gradativamente uma dimensão mágica (...) porque, assim como basta apertar um botão para tudo aparecer, assim também se acredita que basta querer para fazer acontecer”, revela não apenas sua desconexão com a realidade que procura analisar e entender, mas também seu desrespeito com aquilo que se recusa a compreender: convenhamos, é preciso uma dose generosa de má vontade para equiparar as manifestações chamadas pelo MPL à convocação para um show da Madonna.
 
ALIENADOS?  – O texto de Marilena Chauí revela uma dificuldade que não é apenas dela, mas de uma boa parte da esquerda, embasbacada diante daquilo que não compreende e não controla. Já disse em outra ocasião que não é a postura da direita que me surpreende. Assustada e cansada, a ela não interessa que as mobilizações evoluam para mudanças mais profundas ou para uma reforma política consistente, daí sua urgência em tentar atribuir às manifestações uma pauta genérica e oportunista: sem nem mesmo um rascunho de projeto para o país, há uma década a oposição sobrevive do “combate à corrupção”, como se tal expressão se revestisse, essa sim, de um “caráter mágico”.
 
Incomoda-me é a obtusidade de certa esquerda que, preocupada exclusivamente com as eleições de 2014, é incapaz de reconhecer o que há de singular nas manifestações: não estamos na luta contra a ditadura civil militar, nem na campanha pelas Diretas Já, e mais de 20 anos nos separam da última grande mobilização popular, que foi o impeachment de Fernando Collor. Deveria ser óbvio, mas não é: não se entende a singularidade deste momento se o analisamos à luz daqueles eventos e exigimos de jovens, ainda não nascidos em 1983 e alguns sequer em 1992, que ergam as mesmas bandeiras – que tenham o “mesmo foco” – que eram as nossas quando fomos às ruas há duas ou três décadas.
 
O que para muitos é falta de foco ou de uma bandeira, revela uma sensibilidade e uma inteligência capazes de captar demandas que, por dispersas que pareçam, são parte da experiência de uma geração felizmente desacostumada à ditadura e, por isso, mais atenta às fragilidades e contradições da democracia, bem como à necessidade de fazê-la avançar. Inclusive, construindo alternativas de participação e ocupação do espaço público que não exclusivamente as partidárias, porque sabe que a democracia não se constroi apenas nos limites das instituições formais e dos  partidos, e que nem só nestas esferas podem se produzir as mudanças.
 
Ao contrário do que afirmam, em um estranho uníssono, a mídia conservadora e parte de nossos intelectuais à gauche, uma parcela da juventude brasileira está nas ruas há muito tempo. São jovens, principalmente, os que ocupam as ruas para se solidarizar com as comunidades indígenas vitimadas pela truculência desenvolvimentista do Estado e das grandes empreiteiras; para denunciar a violência contra a mulher nas “Marchas das vadias”; para protestar contra o preconceito e festejar a liberdade nas “Paradas da Diversidade”. São jovens, principalmente, os que chamam a atenção para as precárias condições de nossas escolas e de nossa educação; que dão as mãos a trabalhadores de diferentes categorias em seus movimentos reivindicatórios; que acusam o nosso racismo; que sofrem no corpo e denunciam corajosamente as muitas e cotidianas formas de violência policial.
 
As manifestações das últimas semanas só são uma novidade para quem, alheio ao que se passa nas ruas, não consegue perceber a diferença entre elas e um show da Madonna ou, pior, as associam aos movimentos fascistas e à “Marcha da família com Deus pela liberdade”. Quando findaram os eventos que durante semanas paralisaram parte da França, os estudantes parisienses mal e parcamente conquistaram aquilo que os motivou a ir às ruas, a reforma universitária.  Mas, como observou alguém recentemente, o "Maio de 68", se não mudou profundamente as instituições políticas francesas, transformou nossa forma de pensar e fazer política, de ouvir música, de ler, de trepar. Não subestimemos a juventude e sua capacidade de nos chamar a atenção para o que é atual no contemporâneo.