quarta-feira, 4 de abril de 2018
Lula, uma candidatura encurralada
Há algumas conclusões possíveis a serem tiradas do jejum com orações que o procurador Deltan Dallagnol (o juiz carioca Marcelo Bretas, cuja carne talvez seja mais fraca, irá acompanhá-lo apenas nas orações) pretende fazer hoje, durante o julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF, espalhafatosamente anunciados em sua conta pessoal no Twitter. A primeira: se se preocupassem efetivamente com o bem estar do país, presente e futuro, Dallagnol e Bretas fariam melhor se, ao invés de orações e jejum, renunciassem ao auxílio-moradia.
Além disso, porque sua fé parece funcionar com base em algum algoritmo semelhante ao das redes sociais, Dallagnol não achou que a Lava Jato estivesse sob ameaça quando, por exemplo, o Congresso barrou, por duas vezes, as denúncias oferecidas contra Temer – flagrado em conversas nada republicanas, conspirando com criminosos para garantir, comprando, o silêncio de Eduardo Cunha – pela Procuradoria Geral. Ou mesmo quando Romero Jucá deixou claro que o impeachment tinha como principal propósito, justamente, enfraquecer a Lava Jato, essa que Dallagnol diz defender com jejum e orações.
Sejamos sinceros: a preocupação do Procurador da republiqueta curitibana com a corrupção e os corruptos tem a mesma extensão e sofisticação da maioria dos comentários anônimos que emergem do esgoto, dia sim outro também, aqui nesse blog, por exemplo. O fundamental, no entanto, Dallagnol não diz – e não diz porque seus dotes intelectuais e de analista político estão na proporção inversa às suas convicções religiosas.
Independente do resultado do julgamento de hoje, Lula é um político encurralado, e o futuro de sua candidatura – no momento em que escrevo, ainda incerto – é, para dizer o mínimo, nebuloso. Quer dizer, se o todo poderoso ouvir as preces do Procurador, Lula deixa de ser candidato e vira presidiário, para gáudio de muitos. Mas se os ministros decidirem contrariar a vontade dele (supondo que ele concorde com Dallagnol) e manter Lula solto, nem por isso sua candidatura se tornará, necessariamente, viável. Explico.
A essas alturas, em um ambiente político onde se trata um atentado a bala como se normal fosse, sugerindo tratar-se de uma encenação com fins políticos; ou se justifica o assassinato de uma vereadora negra e de esquerda, um crime que parece caminhar para o esquecimento, é pouco, pouquíssimo provável, que se consiga sustentar por muito mais tempo a farsa de que nossas instituições democráticas seguem “funcionando normalmente”.
Um horizonte nebuloso – Nesse sentido, são gravíssimas as declarações de dois generais do Exército, um deles de reserva, outro ninguém mais que o seu próprio comandante, que a pretexto de defender a Constituição e a democracia, deixam no ar a possibilidade da instituição fazer uso da força para atentar contra elas. Pode ser uma bravata, mas quando proferida por oficiais de alta patente, uma bravata pode ser mais que simples fanfarronice de mau gosto, e especialmente em um momento onde abundam afetos autoritários e o baixo apoio que tem, entre nós, a democracia mesmo a mais formal, é recomendável que os militares permanecem nos quarteis, de onde aliás, nunca deveriam ter saído.
Mas mesmo que eliminemos o fantasma de um golpe militar, as alternativas nem por isso são alvissareiras. Um dos caminhos prováveis é de uma polarização ainda maior, com uma onda de indignação semelhante a de 2015 que, agora como lá, sirva de pretexto aos grupos e partidos de direita em sua nova tentativa de inviabilizar a candidatura lulista, caso a estratégia da condenação não funcione. Se deu certo uma vez, não há razões para não se tentar de novo, e nunca é tarde para tirar o pó da camisa verde e amarela da seleção e ensaiar de novo os movimentos ritmados daquelas velhas coreografias.
Se sobreviver politicamente e ganhar – dos cenários possíveis, a meu ver, o mais duvidoso –, Lula e o PT estarão frente a tarefa de governar um país em frangalhos, com uma economia ainda em crise e uma democracia em profunda recessão (a expressão “recessão democrática” é do sociólogo Celso Rocha, em texto publicado na Piauí). Não estamos mais em 2002 quando Lula e o PT subiram a rampa do Planalto surfando em uma onda de popularidade e esperança. A partir de 2019, com quem e com quais meios ambos, Lula e seu partido, pretendem responder a um quadro de instabilidade generalizada e estrutural?
A pergunta é pertinente porque, a rigor, Lula está isolado. O partido carece de um projeto para o país e de um programa mínimo de governo, porque salvar Lula se tornou o único projeto que realmente importa. A festejada “Frente antifascista” não existe ou, mais precisamente, não é exatamente uma frente, mas uma articulação de três partidos de esquerda e suas candidaturas. Se a intenção é formar uma frente, a ela deveriam ser incorporados partidos e candidaturas de centro esquerda, como o PDT de Ciro e a Rede de Marina Silva, e movimentos sociais não alinhados aos partidos, além de grupos e lideranças liberais que não se identificam com os discursos raivosos e reacionários da direita conservadora.
Sobra o apoio popular, traduzido nas intenções de voto que ainda, e apesar de tudo, continuam a manter Lula líder inconteste em todas as pesquisas. Mas não está claro como o PT pretende, se pretende, transformar essa devoção quase religiosa em algo com o qual governar. A experiência de 12 anos de governos petistas serviu para mostrar o contrário. Para manter a governabilidade, o partido optou pelos velhos, cômodos e corruptos esquemas e alianças eufemisticamente chamados de “coalizão”. Mas se a fatura foi alta em épocas de estabilidade, é justo supor que quem quer que se disponha a apoiar um hipotético futuro governo petista, não cobrará barato.
terça-feira, 3 de abril de 2018
Lula, Weisbrot e os tribunais canguru
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Você já ouviu falar em tribunais canguru (“kangaroo courts”)? Pois devia. Porque pode haver um aí bem pertinho de você. É um tribunal onde o resultado é pré-determinado pela reputação do réu e, por inerência, o julgamento nunca será justo. O réu que é julgado num desses tribunais tem o destino traçado. Por mais recursos legais que use, nunca vai ter resultados porque os seus argumentos são sempre desconsiderados. Mas para quem não está familiarizado com o conceito, eis uma definição que pode ser encontrada na net.
TRIBUNAL CANGURU*
(direito) procedimento judicial - ou equivalente -, no qual o julgador é manifestamente autoritário e/ou parcial, decidido desde o início a julgar de modo favorável ou desfavorável a uma das partes, independentemente do conjunto de provas
(etimologia) trata-se de um calque do inglês kangaroo court; o termo “canguru” refere-se ao fato de ser um julgamento com juízes “no bolso”, assim como um filhote de canguru, ou também ao fato de os juízes promoverem “saltos” em direção à condenação do réu.
A expressão tomou corpo com um texto de Mark Weisbrot, diretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas - Washington, publicado no jornal New York Times, no início do ano, sob o título: “A democracia brasileira empurrada para o abismo”. O tema era o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ação do juiz Sérgio Moro. Ao falar de provas, o artigo diz que a “evidência escassa foi suficiente para o juiz Moro. Em algo que os americanos poderiam considerar procedimentos de um tribunal canguru, ele condenou Lula a nove anos e meio de prisão”.
É uma visão cada vez mais difundida no exterior. Mark Weisbrot diz que não acredita na imparcialidade da corte, em primeira ou segunda instância. E a sua contribuição, entre outras, é introdução da expressão “tribunais canguru” no debate, o que poderia trazer novas formas de abordar o tema. Mas não. Apesar de uma certa repercussão em alguns segmentos, na maior parte dos casos o tema passou batido. Ninguém no Brasil se interessou por introduzir o tema na agenda midiática.
Ora, não dá para saber que ventos sopram lá para as bandas do professor Mark Weisbrot – se ele tem algum alinhamento ideológico ou não. Mas a sua intervenção é apenas reflexo daquilo que o mundo antes desconfiava e agora parece ter certeza: ninguém consegue afirmar a inocência ou culpa do ex-presidente Lula da Silva, mas todos têm a perfeita noção de que Justiça a brasileira apodreceu. O sistema judiciário mais parece um bordel ideológico, uma espécie de tribunal canguru perneta.
É a dança da chuva.
*Fonte: wiktionary
Você já ouviu falar em tribunais canguru (“kangaroo courts”)? Pois devia. Porque pode haver um aí bem pertinho de você. É um tribunal onde o resultado é pré-determinado pela reputação do réu e, por inerência, o julgamento nunca será justo. O réu que é julgado num desses tribunais tem o destino traçado. Por mais recursos legais que use, nunca vai ter resultados porque os seus argumentos são sempre desconsiderados. Mas para quem não está familiarizado com o conceito, eis uma definição que pode ser encontrada na net.
TRIBUNAL CANGURU*
(direito) procedimento judicial - ou equivalente -, no qual o julgador é manifestamente autoritário e/ou parcial, decidido desde o início a julgar de modo favorável ou desfavorável a uma das partes, independentemente do conjunto de provas
(etimologia) trata-se de um calque do inglês kangaroo court; o termo “canguru” refere-se ao fato de ser um julgamento com juízes “no bolso”, assim como um filhote de canguru, ou também ao fato de os juízes promoverem “saltos” em direção à condenação do réu.
A expressão tomou corpo com um texto de Mark Weisbrot, diretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas - Washington, publicado no jornal New York Times, no início do ano, sob o título: “A democracia brasileira empurrada para o abismo”. O tema era o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ação do juiz Sérgio Moro. Ao falar de provas, o artigo diz que a “evidência escassa foi suficiente para o juiz Moro. Em algo que os americanos poderiam considerar procedimentos de um tribunal canguru, ele condenou Lula a nove anos e meio de prisão”.
É uma visão cada vez mais difundida no exterior. Mark Weisbrot diz que não acredita na imparcialidade da corte, em primeira ou segunda instância. E a sua contribuição, entre outras, é introdução da expressão “tribunais canguru” no debate, o que poderia trazer novas formas de abordar o tema. Mas não. Apesar de uma certa repercussão em alguns segmentos, na maior parte dos casos o tema passou batido. Ninguém no Brasil se interessou por introduzir o tema na agenda midiática.
Ora, não dá para saber que ventos sopram lá para as bandas do professor Mark Weisbrot – se ele tem algum alinhamento ideológico ou não. Mas a sua intervenção é apenas reflexo daquilo que o mundo antes desconfiava e agora parece ter certeza: ninguém consegue afirmar a inocência ou culpa do ex-presidente Lula da Silva, mas todos têm a perfeita noção de que Justiça a brasileira apodreceu. O sistema judiciário mais parece um bordel ideológico, uma espécie de tribunal canguru perneta.
É a dança da chuva.
*Fonte: wiktionary
segunda-feira, 2 de abril de 2018
Começar por onde??
A semana passada foi tão cheia de notícias, de fatos e absurdos, que fica difícil escolher por onde começar. Escrever sobre o que?
JOINVILLE - Talvez pela insistência quase doentia do prefeito em acabar com Joinville, comprometendo não só seu presente mas especialmente seu futuro. A Joinville que ele imagina e propõe para daqui 30 anos e a que eu e os joinvilenses vislumbramos como resultado dos seus desatinos. É mais ou menos como comparar um cenário um Mad Max, em qualquer das versões, com o da cidade utópica em que desenvolvimento urbano, equilíbrio e meio ambiente possam conviver. Lamentavelmente, o prefeito é devoto praticante da religião anti-humanista (no sentido da ecologia humana) e não duvidaria se na sua quimera se considerasse o Pontificex Maximus da ala mais radical dessa corrente.
LULA - Também poderíamos retomar o estranho "atentado" sofrido pelos ônibus de campanha do Lula. Sou dos que não entendo que um condenado, por unanimidade, em segunda instância, possa fazer campanha abertamente pelo Brasil, fora do período eleitoral. Em quanto ainda ecoavam no silêncio interiorano do oeste do Paraná os quatro tiros, já tinha gente discursando sobre fascismo, sobre o risco que corre a democracia no Brasil e sobre muitas outras coisas relacionadas, nem todas elas coerentes. Pessoalmente prefiro esperar o resultado das investigações. Não quero que, como no caso da vereadora assassinada no Rio, e tomados pela intensidade emocional do momento, tenhamos já culpados antes mesmo de que o crime seja investigado.
VALOR NOTÍCIA - Falando também de mortes violentas, não pude deixar de perceber a forma diferente com que a imprensa, os políticos e a sociedade trata o assassinato de um ou uma policial e outros assassinatos. Me molesta profundamente a dupla balança com que se medem uns e outros. Quero deixar claro aqui que acho escandaloso o numero de policiais mortos violentamente, muitos fora de serviço, pelo fato de ser policiais. Que não compactuo com o silêncio de determinados setores da sociedade. Acho grave que a sociedade não reaja, que não defenda e nem se manifeste contra essa violência, que escapou do controle e frente a que corremos o risco de passar a achar normal. Assim que vamos combinar, ou denunciamos toda a violência, toda a corrupção com a mesma intensidade ou perdemos a moral quando algumas vítimas são mais vítimas que outras.
Sobre corruptos, já escrevi aqui que não tenho corrupto favorito. Para concluir defendo a manutenção da jurisprudência atual sobre a prisão depois da condenação em segunda instancia, sem casuísmos.
Sobre corruptos, já escrevi aqui que não tenho corrupto favorito. Para concluir defendo a manutenção da jurisprudência atual sobre a prisão depois da condenação em segunda instancia, sem casuísmos.
sábado, 31 de março de 2018
31 de Março: décadas depois, um cheirinho a déjà vu (para ouvir)
Interessante como décadas depois é possível reconhecer que alguns sintomas do mal-estar político do Brasil ainda sobrevive nestes dias. Uma viagem sonora... ouça.
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