segunda-feira, 17 de abril de 2017

A ressocialização dos caranguejos


POR JORDI CASTAN
Na vila, a semana esteve tomada pelo debate sobre a ressocialização de uma meia dúzia de galos de briga. Havia dois grupos de vereadores.O primeiro achava que o destino dos ditos galos deveria ser o de converter-se num ensopado para alimentar famintos. Já o grupo liderado pelos defensores da causa animal alegava que galos e galinhas são seres inteligentes. Nas entrelinhas, lia-se a afirmação que os galináceos poderiam, inclusive, ser mais inteligentes que alguns dos companheiros de Legislatura. O que convenhamos não seria impossível. O debate tomou as redes sociais e a imprensa local. 

Aproveitando o debate, grupos de defensores das causa animal têm se organizado para levantar a bandeira de outros coletivos menos conhecidos do reino animal. A lógica passa por assumir a sua defesa e lutar pelo seu direito a uma vida digna e a sua ressocialização e reintegração no seu ambiente natural. Assim, o grupo “Joinvilenses em Defesa dos Gambás” tem percorrido bares e botecos para identificar gambás e outros marsupiais que possam ter os seus direitos feridos e precisem do apoio psicológico e até legal do grupo.

Outro coletivo muito ativo é o “Tilápias em Liberdade”, que são frontalmente contrários a que tilápias e outros peixes possam ser capturados com tarrafa, contra a sua vontade, nos limites do município. Entendem os membros do coletivo que todos os peixes nascem livres e que ninguém tem o direito a lhes tolher esta liberdade.  Tarrafas são instrumentos de tortura do regime opressor e em mãos da elite pequeno burguesa. E representam uma ameaça a vida selvagem e a preservação de uma espécie que mesmo sendo tão exótica, nestas terras como a palmeira imperial, a mangueira, o cavalo ou a vaca, têm direito a uma vida digna e a uma aposentadoria. 

Nenhum grupo é tão ativo como os defensores dos caranguejos. O coletivo “Por um Mangue Livre e sem Barreiras” tem formado grupos de intervenção para resgatar caranguejos em perigo de serem devorados por humanos. Enquanto tramita na Câmara um projeto para declarar o caranguejo patrimônio da humanidade - e portanto sua captura, comercialização e adereço estariam proibidos em todo o município de Joinville - há uma movimentação para libertar os caranguejos capturados ou que vivam em condições equivalentes a escravidão.

As operações de libertação de caranguejos presos tem sido transmitidas ao vivo pelo grupo nas redes sociais. Alguns pontos famosos em que se concentram devoradores de caranguejos tem sido objeto de ataques precisos, para libertar os caranguejos e também para identificar os que compactuam com o assassinato em massa de dezenas de milhares de caranguejos machos todos os anos, com objetivos exclusivamente gastronômicos. 

Uma das legisladoras que defende a causa dos caranguejos declarou: “Caranguejos têm direito a ser livres. Aqueles que foram capturados devem antes de ser devolvidos ao seu ambiente natural, passar por um processo de adaptação e ressocialização”. Outro dos legisladores, conhecido pela sua capacidade por declarar obviedades, foi mais enfático: “Joinville tem uma dívida com os representantes da fauna original desta cidade. Caranguejos tem direitos e seus direitos devem ser respeitados, não faltaram leis para proteger os caranguejos”.

Os defensores das minorias animais oprimidas e estigmatizadas tem tido dificuldade em formar a frente parlamentar em defesa dos dípteros que reúne entre outros coletivos os mosquitos. Não há consenso, no Legislativo municipal, se borrachudos e maruíns devem ter uma legislação específica que os proteja e está proposta uma audiência pública no próximo dia 31 de abril para debater o tema. Entretanto, os outros problemas da cidade ficam relegados até que estes temas mais urgentes sejam resolvidos.  

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Ocupação do MST em Garuva pode mudar relação com a terra em Joinville




POR FELIPE SILVEIRA
A ocupação da terra sempre foi determinante na história da humanidade. Define quem é rico e quem é pobre, quem tem poder e quem não tem. Dos reinos europeus às “invasões” nos manguezais joinvilenses. Aliás, falando na terra que já foi da Dona Francisca, a cidade é fortemente marcada pela especulação imobiliária, desde a fundação, que ocorreu quando o princípe decidiu lotear a região para fazer um caixa enquanto fugia da revolução de 1848.

Acampamento Egídio Brunetto, em Garuva.
Foto: MST
O dono da terra tem forte influência sobre a cidade. Define onde vai ter asfalto, esgoto, posto de saúde, o preço do metro quadrado e o custo do aluguel. O que alguns chamam de “livre mercado” tem alguns nomes mais, digamos, honestos: senhor da terra, latifundiário… Nas regiões rurais acharam até um nome mais bonito: agronegócio.

Mas há um contraponto. A exploração anda sempre no limite, mas sempre querendo mais. Quando ultrapassa a fronteira, há uma resposta da outra classe, em um movimento constante que move a história. Desde os primórdios que isto se vê mais claramente na luta pela terra, quando os expropriados se levantam.

Para evitar isso, algumas medidas são tomadas. Os Estados Unidos, por exemplo, fizeram a sua Reforma Agrária no século 19, quando Abraham Lincoln sancionou o Homestead Act (Lei da Fazenda Rural). O Brasil, por outro lado, “honrou” sua tradição escravagista e senhorial ao promover inúmeros massacres na sempre constante luta pela terra. Canudos e Contestado são dois dos exemplos mais conhecidos.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é a continuidade desta histórica luta no nosso tempo. Organizado politicamente, o movimento enfrenta cotidianamente a violência latifundiária e estatal.

No início desta semana, uma ocupação de terra do MST ocorreu aqui pertinho, em Garuva. O terreno, como todos os ocupados pelo MST, está improdutivo e tem problemas com dívidas na Justiça. Mas, embora organizada pelo movimento sem terra, o acampamento é composto por pessoas pobres, em grande parte desempregadas, moradores da periferia de Joinville e região.

Pouca gente se arrisca a ocupar um espaço dessa maneira que não seja pela necessidade. No entanto, quando a exploração passa dos limites, quando o aluguel se torna impraticável, quando não tem mais emprego e os serviços são precários, o povo é obrigado a buscar outras saídas.

Uma ocupação tão próxima a Joinville é importante para escancarar o quanto a especulação imobiliária é nociva à cidade, um lugar onde os grandes proprietários (que não passam de trinta pessoas) nunca tiveram grandes problemas. A ocupação é a alternativa política mais avançada contra a exploração e a favor das pessoas. A favor do direito de viver, de plantar, de trabalhar e ter uma vida plena. Que o Acampamento Egídio Brunetto cresça, se fortaleça e se torne um assentamento, servindo de exemplo para todos os explorados da região e de recado para os latifundiários.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Os galos da Câmara de Vereadores caíram na rede


Muita calma nessa hora...


A Baía da Babitonga pede socorro



POR CHARLES HENRIQUE VOOS
A Baía da Babitonga, importante habitat de grande parte do ecossistema de nossa região, pede socorro, mais uma vez. Está certo que nós nunca cuidamos bem dela, pois sempre colocamos (na verdade, a mando dos gestores públicos) ao seu redor as nossas "sobras", ou aquilo que não queríamos que aparecesse. A poluição e a devastação provocada pelas políticas nefastas de moradia são alguns exemplos. Ocorre que, agora, a Baía está sendo alvo de gigantes investimentos empresariais, o que pode matar, por meio da ganância do capital organizado, o que ainda resta de ambientalmente importante.

Curioso notar como os interesses são velados e aparecem nas entrelinhas. Assim como sempre aconteceu em Joinville, os empresários locais não expõem as suas ideias de forma direta. Fazem isso para esconderem seus rostos, nomes e sobrenomes, ainda mais quando a causa é socialmente sensível como a preservação do meio ambiente. É aí que surgem os lobbies, os grupos de pressão, e todas as ferramentas de ação política que eles fingem não ter, por ser coisa apenas dos "políticos tradicionais", para poder construir a "fábrica da coalizão de consensos". Na história de nossa cidade isso sempre funcionou, pois agrega as mais diferentes esferas da produção social em torno de uma questão. Mais recentemente, foi isso que aconteceu com a LOT, uma lei necessária "para a cidade não parar", conforme vários setores repetiram igual papagaios.

Com esse jogo de discursos, entendemos como se constrói as relações de poder. Aos poucos, a ideologia do empresariado se torna dominante, pois são consensos muito bem construídos, com baixíssima chance ao contraditório, justo porque este é rapidamente desmantelado pelos operadores do jogo. As vozes que aparecem advindas das periferias e dos movimentos sociais não repercutem tanto quanto as vozes anônimas do empresariado. As associações empresariais são perfeitas nesse sentido, pois não expõem suas lideranças em pautas com possíveis rejeições populares. Então, quando algum grande empresário precisa de ajuda, ativa a sua rede de contatos e, no mais alto tom maçônico da coisa, seus interesses começam a repercutir como algo necessário para a cidade.

Sabemos que, na verdade, é necessário para poucos.

Com a Babitonga está começando algo muito semelhante. Como já dito, empresários começam a se articular para a instalação de um novo porto na região da Praia do Forte, em São Francisco. Seria o quarto porto na região, considerando os já existentes e em construção. Movimentos contrários, como o Babitonga Ativa, já se manifestaram sobre os impactos que novos investimentos causarão nos 160km² que compõem todo o complexo natural da Babitonga.

Porém, como contradição aos movimentos, as ideias empresariais começam a estampar as páginas dos jornais. Na maioria das vezes o lobby começa assim:

1. empresários responsáveis pelo investimento são entrevistados dizendo que as obras possuem preocupação social e vão gerar empregos (segue abaixo trecho do A Notícia de 1/4/17)

2. outros empresários, geralmente ligados a associações, corroboram a ideia de que é uma coisa boa para todos (quando na verdade não é). Na mesma edição do "AN", o Presidente da Associação Comercial e Industrial de S. Fco. do Sul é entrevistado e diz que "é claro que respeitamos os pescadores, os banhistas e o meio ambiente, mas não podemos deixar de levar em conta o tamanho do projeto. Ele prevê a geração de três mil empregos diretos e indiretos. É um número muito significativo e que vai mexer com toda a economia da cidade a longo prazo". 

3. como a obra precisa passar por licenças ambientais, colunistas especializados na grande mídia começam a cobrar posicionamentos dos gestores públicos e, quase como uma assessoria de imprensa, reproduzem ideias de "empresários", sem citar nomes, claro. Na edição do último final de semana do "AN", o colunista de Economia, Claudio Loetz, ao indagar o Secretário de Desenvolvimento Econômico e Sustentável, embasa a sua pergunta da seguinte forma: "Um tema que preocupa o empresariado de Joinville e da região é a possível criação de área de proteção ambiental na baía da Babitonga". Se é motivo de preocupação, sinal que os empresários (quais?) não querem preservar um dos nossos maiores patrimônios. O Secretário, para variar, não diz nem que sim e nem que não. Fica em cima do muro para não desagradar os populares (defender agressão ao meio ambiente é muito mal visto) e também para dizer aos empresários envolvidos que sentiu o golpe do lobby evidente.

4. se as tentativas pela imprensa não surtirem efeito, começam as conversas diretas com as redes de contatos e os políticos mais importantes que estão envolvidos e/ou possuem maior poder de decisão (ou, ainda, aqueles que mais receberam recursos de empresários em suas campanhas). Não são raras as vezes em que empresários "convocam" gestores para suas reuniões associativas. 

5. se tudo falhar, e o empreendimento ser barrado pelos órgãos públicos, a justiça pode ser acionada. E se engana quem acha que a justiça sempre defende para os mais fracos.

O que vai acontecer com a Baía da Babitonga, não sabemos ainda. Mas, pelo histórico de atuação dos empresários, e pela forte fábrica de coalizão de consensos que está sendo formada, não podemos esperar outra coisa além da permissão do novo porto e os sérios passivos ambientais gerados aqui do nosso lado. Por essas e outras que todos os movimentos sociais de resistência devem ser apoiados e, principalmente, ouvidos. Só o contraditório pode superar o raso discurso de  que empregos são bons a qualquer custo. Não precisamos ser contrários aos empresários, desde que eles respeitem o meio ambiente, as leis e a justiça social.