sexta-feira, 3 de março de 2017

Fernando Krelling: um projeto fora de prazo

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O jornal A Notícia publicou, esta semana, uma reportagem sobre os projetos de lei apresentados pelos vereadores já neste ano. Há uns interessantes, outros nem tanto. Mas chamou a atenção uma proposta do vereador Fernando Krelling, que tem o propósito defender os interesses dos consumidores. O projeto é bem intencionado, mas resvala para demagogia. Parece que o vereador está a legislar sobre o erro e uma percepção fraca sobre os direitos do consumidor.

Por quê? Diz o jornal que “o projeto de lei 22/2017, do vereador Fernando Krelling (PMDB), garante ao consumidor que comprar produto ou serviço com prazo de validade vencido o direito de receber gratuitamente do fornecedor um produto idêntico ou similar em condições próprias para consumo. A troca poderá ser realizada apenas mediante apresentação da nota fiscal de compra”. Não é intenção ensinar o legislador a legislar, mas o projeto parte de um pressuposto errado.

Ora, se um produto tem prazo de validade não estamos a falar de bicicletas, enxadas ou canecas. A questão é de segurança alimentar. É inconcebível, em pleno século 21, imaginar que algum estabelecimento comercial venda produtos alimentares fora do prazo de validade. Então, não seria mais adequado exigir uma fiscalização efetiva por parte das autoridades responsáveis? Que tal atalhar a questão e criar uma lei que obrigue as autoridades a garantirem a segurança alimentar da população?

Eis a questão. Antes de procurar qualquer solução, o melhor é conhecer bem o problema. E neste caso o problema não é o reembolso do consumidor, mas a segurança alimentar. O projeto de lei deveria estar focado nesta garantia. Não pode haver produtos com prazos de validade vencidos à venda. E as autoridades responsáveis têm que cumprir essa função de defesa da saúde dos cidadãos. É um projeto de lei municipal. Mas se é para ficar no município, não seria mais eficaz um projeto a exigir medidas da Prefeitura?

Mas (porque há sempre um mas) temos um problema de fundo. O projeto legisla sobre o atraso e, do ponto de vista prático, não resolve qualquer problema. E para piorar as coisas, cria um problema para a Prefeitura. Afinal, sendo uma lei municipal, cabe ao município garantir o seu cumprimento. E se hoje a fiscalização é deficiente em outros setores, imaginem garantir o cumprimento de regras de segurança alimentar. Ou seja, é um presente de grego (e não é iogurte).

Fica a dica. Na Europa, por exemplo, a ideia nem passa pela cabeça dos consumidores. Produtos fora do prazo de validade vão para o lixo. Aliás, para que os comerciantes evitem prejuízos maiores, uma diretriz europeia determina que os estabelecimentos comerciais possam vender esses produtos por preços promocionais antes do fim do prazo. Antes. A condição é haver a indicação “aproximação do fim do prazo de validade” (ver foto) para informar o consumidor.

Uma coisa interessante. Falei com algumas pessoas de Joinville a respeito e, para meu espanto, notei um certo conformismo. “Ninguém vai fiscalizar, então é melhor trocar que nada”. O problema é cultural. Muita gente passou a achar que é normal viver num ambiente de exigências mínimas. Mas quando estamos a falar de segurança alimentar, não dá para engolir.

É a dança da chuva.


Na Europa, quando um produto está próximo do fim do prazo, ele é vendido a preços promocionais. Se chega ao prazo final, é retirado do mercado.


Mulheres assediadas no Carnaval - e no resto do ano



POR CECÍLIA SANTOS
Desde 2013 o Carnaval de rua de São Paulo tem se tornado uma grata e animada surpresa, como resultado do reconhecimento, pela gestão anterior, do impacto cultural, econômico e turístico dos blocos de rua. E mesmo diante das tentativas da gestão atual de limitar o tamanho dos blocos, este ano houve 28% mais blocos do que ano passado, estima-se que o número de turistas tenham triplicado, e alguns blocos chegaram a levar mais de 350 mil pessoas às ruas.

Diversas campanhas de combate ao assédio foram veiculadas antes e durante o Carnaval, muitas delas pelos próprios blocos. A gestão Doria, que desmontou as estruturas de Políticas para Mulheres, começou a veicular uma campanha totalmente equivocada que dizia que, em caso de assédio, “o negócio é deixar pra lá, porque briga não está com nada”. Diante das críticas nas redes sociais, a prefeitura rapidamente tirou a campanha do ar e pediu desculpas pelo fiasco.

Mesmo assim, várias notícias de violência contra mulheres foram noticiadas durante o Carnaval de 2017. Na Lapa, RJ, uma folião foi agredida com dois socos no nariz depois de discutir com um sujeito que a apalpou (1). Em BH outra mulher foi agredida depois de ser assediada e ameaçar chamar a polícia (2). Em Linhares, ES, uma jovem foi estuprada durante o Carnaval (3). E a mais inacreditável de todas as notícias: mulheres que faziam campanha contra o preconceito em blocos no Rio foram agredidas e precisaram ser substituídas por... homens (4)! Fala se isso não é vergonhoso?

Eu mesma presenciei uma cena no metrô de São Paulo no sábado e acabei interferindo. Quando entrei no vagão, já havia um grupo de rapazes que se comportavam como bichos na dança do acasalamento, emitindo gritos tribais e fazendo flexões de braço nas barras do vagão. Alguns deles assediavam duas garotas num canto do vagão, pedindo beijos. Uma delas cedeu. A outra se encolhia no banco. Levantei e fui lá, a tempo de ouvir um dos 3 marmanjos exigindo que ela escolhesse qual deles beijaria. Disse pra ela bem alto: “você está precisando de ajuda? Saiba que você não é obrigada a beijar ninguém se não quiser”. Na mesma hora os valentões recuaram, já se acusando: “ninguém aqui está assediando ninguém não!” É, eu estou vendo. 

É realmente absurdo que as mulheres não possam se divertir despreocupadas no Carnaval. A campanha do #PrimeiroAssédio realizada pelo coletivo feminista Think Olga (5) contabilizou mais de 82 mil compartilhamentos da hashtag que reproduziu histórias pessoas e revelou que a idade média em que mulheres sofrem o primeiro assédio é aos 9,7 anos.

Não é por causa do Carnaval. É simplesmente porque parte dos homens aparentemente não sabe se controlar e respeitar as mulheres.




quarta-feira, 1 de março de 2017

Por favor, não diga que isto é gestão


POR RAQUEL MIGLIORINI
No início de 2013, foi instalada a rede coletora de esgoto na minha rua, numa região da cidade que faz parte da bacia do Rio Cachoeira. Tirando o fato de a empresa ter estragado toda a calçada e remendado com um serviço que só perde para o asfalto usado em Joinville - e ainda derrubando uma árvore com a retroescavadeira -, fiquei feliz por finalmente saber que os dejetos da minha casa não poluiriam mais o rio.

Rapidamente fizemos a ligação, a limpeza da antiga fossa e ficamos à espera da fiscalização para avaliar o serviço e dar o carimbo de liberado. E essa espera foi finalizada na semana passada. Isso mesmo, quatro anos depois. Nesse tempo, andando pelo bairro, pude observar a ineficiência do serviço: a bomba de elevação ao lado do Angeloni parece uma fossa aberta, de tanto que fede; quando chove, vemos tampas de esgoto pulando nas calçadas e nas ruas, jogando esgoto para a rede de drenagem; tampas das caixas de inspeção que foram concretadas junto com a calçada. E a fiscalização chega devagar, bem devagar.

Em 2004, a Águas de Joinville tinha 10 fiscais para a cidade toda. Cada fiscalização leva pouco mais de uma hora. Então, com bastante otimismo, cada dupla faz seis residências por dia. Os fiscais da antiga Fundema faziam a fiscalização das ligações de esgoto, mas o Governo Udo decidiu que era ineficiente. Bem se vê o quanto melhorou.

Aliás, tem uma fiscalização bem mais simples que a Prefeitura parece incapaz de fazer. O código de posturas do município diz que é proibido fixar cartazes em pontos de ônibus, postes e árvores. Com pouca observação é possível constatar que tem cartaz oferecendo limpeza de condicionador de ar, aluguel de kitinete, festas, leitura de tarô, etc. Todos os cartazes possuem número de telefone.

Quer jeito mais fácil de fiscalizar? Liga lá, agenda um horário e... pimba! Fácil, né? Seria, se o número de fiscais fosse suficiente, se fossem cobrados por produtividade efetiva, se tivessem carros e telefones à disposição e se pudessem ter a tecnologia como aliada. A fiscalização feita com drone, numa área de manguezal ou na APA da Serra Dona Francisca, por exemplo, impediria novas invasões e parcelamento irregular de solo e economizaria tempo e dinheiro.

Com esse desfalque na fiscalização, fica claro que não é prioridade a preservação dos rios, matas e solo. Temos nossa versão de Trump do sul do mundo, que coloca quase todo efetivo da guarda municipal para coibir um bloco de carnaval e deixa descoberto setores vitais para a vida da cidade. E, por favor, não me diga que isso é gestão. 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O (não) Carnaval de Joinville por imagens













POR JORDI CASTAN
Há uma diferença abissal entre não apoiar, com recursos públicos, o desfile das escolas na avenida e facilitar a realização do encontro dos blocos e escolas no Mercado Municipal. A iniciativa não custava nenhum dinheiro dos contribuintes e estranhamente acabou cancelada. O que se teve foi uma sucessão de erros.

O problema em Joinville – ainda mais nos últimos anos – é que o poder público se converteu num peso morto para a cidade, que dificulta, inibe,  complica, atrapalha e torpedeia as iniciativas populares. É fazer as contas: a mobilização para não permitir foi maior, melhor coordenada e mais custosa que qualquer apoio para que algum evento acontecesse.

Foi-se o Carnaval, mas ficam as imagens deste triste enredo no MAJ.


Carnaval não é coisa de gente daqui

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Não ter desfile de Carnaval é uma coisa. Mas a ideia de pôr a polícia na rua para impedir a reunião das pessoas é tosca. É uma atitude autoritária, provinciana e mal humorada. Mesmo sem saber de onde partiu a decisão, há um fato evidente: foi uma medida burra. E que volta a expor o retrato de uma cidade entregue a gente conservadora, pouco imaginativa e inimiga da felicidade. Em todas as esferas de poder.

Fiquemos por Joinville. A Hermann Lepper vive um vazio democrático. O povo – esse detalhe chato – parece não importar. E quando se envia uma frota de carros da guarda municipal, numa desproporcional demonstração de força, fica claro que não há preocupação em disfarçar o autoritarismo. Mas isso já todos sabem. É só ver os comentários nas redes sociais (que destoam do silêncio cúmplice de uma imprensa submissa).

Mas não é o que interessa discutir. Tendo o Carnaval como pano de fundo, o que se pretende é falar na falta de imaginação, na incapacidade de ver o óbvio e numa gestão que, tudo indica, só sabe fazer contas de merceeiro. A ideia é falar de dois temas que têm sido sistematicamente relegados para último plano: o turismo e a cultura. Que, não por acaso, acabaram enfiados num mesmo saco desta administração (já escrevi sobre isto aqui).

Quando se fala em cultura, não há disfarces. O inconsciente social de Joinville ainda conserva uma matriz focada na ética protestante do século 19. Trabalhar. Poupar. Levar uma vida ascética. É um modelo de vida sem espaços para devaneios. Não é estranho, portanto, que o Carnaval seja olhado com desconfiança, como algo que só serve para outro tipo de pessoas. O famoso “não é gente daqui”.

Os inquilinos da Hermann Lepper não cumpriram a promessa de fazer um grande desfile de Carnaval e ainda assim recebem o apoio de boa parte dos joinvilenses. Eis a contrafação cultural. É fácil criminalizar o Carnaval, sob o argumento de que o país está em crise e há coisas mais importantes (como se fosse um grande investimento). É o discurso moralista repetido pelos conservadores que se reveem no estilão casca grossa do prefeito.

O problema é que essa gente não faz a mais pálida ideia do que é cultura. Seria dispensável repetir, mas como ninguém ouve, vamos insistir. O Carnaval é uma das maiores expressões da cultura brasileira. Tem história. Tem antropologia. Tem linguística. Tem política. Tem ação. Enfim, expressa da cultura de um povo (que não é feito só de gente de olhos azuis). Negar o Carnaval é negar a liberdade de expressão.

Há uma evidência do ponto de vista do turismo. Quem anda pela redes sociais viu muitos joinvilenses a viajar para outras cidades onde há Carnaval. Bem ou mal, essas cidades têm um produto. O produto atrai consumidores. E os consumidores trazem dinheiro. Em Joinville isso não acontece. Pior: não interessa. As autoridades veem a promoção do Carnaval como uma carga de trabalhos e como se fosse dinheiro jogado fora.

O problema é a incapacidade de ver aí uma oportunidade de negócios para o turismo. O que é necessário? Simples. Criar um produto. Depois olhar para o marketing mix desse produto e encontrar uma forma para fazer dele um gerador de receitas. Não é difícil. Mas a atual gestão parece sofrer de um déficit de imaginação. E de proatividade. Quem não gostaria que o Carnaval de Joinville fosse um produto de sucesso, capaz de gerar receitas?

Só os tolos, claro.
É a dança da chuva.