terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O papel da mulher: novos tempos, velhos hábitos













POR CECÍLIA SANTOS

Ontem abri no meu computador do escritório uma receita que eu queria reproduzir na cozinha. Mas em vez de anotar num papelzinho, tirei uma foto do monitor com meu celular. E enquanto cozinhava, fiquei tentando lembrar em que situações eu ainda escrevo à mão. Bem poucas. Até a lista de compras é feita num app de celular.

Será que um dia nós vamos perder totalmente o hábito de escrever à mão? Conheço gente que acha o fim da picada os alunos fotografarem a lousa em vez de tomar nota da matéria no caderno. É a lei do menor esforço. Certeza que teve gente que protestou quando inventaram o fogão a gás. 

Creio que a maioria de nós é bastante entusiasta dos avanços tecnológicos, porque tornam nossa vida mais fácil, ou nos liberam para coisas inúteis como tretar no grupo de whatsapp da família. 

A gente se apega um pouco a hábitos e processos que parecem essenciais, sofre com saudosismo, mas depois se acostuma.

Mas tem coisas que não mudam. Como as relações sociais e o papel da mulher. Como a desigual e insuficiente participação das mulheres nas instâncias de poder ou dos homens no trabalho doméstico.

A verdade é que somos uma sociedade muito atrasada nas questões de gênero, que ainda não consegue enfrentar os altíssimos índices de violência contra as mulheres e combater o assédio nos espaços públicos. Quando nos calamos, somos coniventes.

Estamos no período de 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, de 25 de novembro, declarado Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher a 10 de dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos. 

Como membro do Fórum de Mulheres da Zona Oeste de São Paulo, uma instância de participação popular territorial destinada a fazer a interlocução entre a sociedade civil e o governo sobre políticas para mulheres, realizo rodas de conversa e bordado para falar sobre situações de violência. 

Numa dessas rodas, uma senhora idosa nos perguntou: “mas por que o governo não dá um treinamento aos homens para que eles respeitem as mulheres?” 

Na sua simplicidade, ela quer que a sociedade se torne um lugar mais seguro para as mulheres. Mas mudar isso não está apenas nas mãos dos governos. Compete também a cada um de nós transformar a sociedade.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Ferreira Gullar e o "Trenzinho do Caipira"

POR ET BARTHES

A morte do poeta (José Ribamar) Ferreira Gullar é mais uma nota triste de 2016. Parte o homem, fica a obra. O “Poema Sujo”, poema escrito no exílio (ele foi ligado ao Partido Comunista nos tempos da ditadura) talvez seja a sua peça mais conhecida pelo público, mas Ferreira Gullar também fez a letra para muitas músicas, como este “Trenzinho do Caipira”, parte das Bachianas Brasileiras nº2, de Heitor Villa Lobos. Aqui uma versão mais popular, na voz de Edu Lobo.

Somos todos Colômbia


POR JORDI CASTAN


Chapecó e toda Santa Catarina foram sacudidos pela brutalidade do acidente que vitimou  jogadores, comissão técnica e jornalistas. A dor se espalhou primeiro pelo pais e depois por toda a América Latina. Nestes dias, tive oportunidade de acompanhar como a imprensa colombiana e equatoriana têm noticiado a tragédia. O respeito pelas vítimas, a dor multiplicada por cada um dos corações arrasados pela tristeza. A imprensa catarinense e nacional tem sido tomada pela dor multiplicada pela proximidade de alguns dos seus companheiros vitimados no acidente.

Tenho uma relação de apreço, respeito e carinho por Colômbia e os colombianos. Mas mais que isso tenho admiração pela sua seriedade e os seus princípios e valores. Não é uma relação recente, tampouco tem a ver com a onda pro colombiana resultado da tragédia que acabamos de viver. Minha relação com Colômbia não é nova. Por motivo de trabalho viajei à Colômbia mais de 30 vezes nos últimos anos.

Se hoje é o pais que é se deve unicamente à qualidade da sua gente. Em menos de 24 horas resgatou os sobreviventes, recuperou os corpos das vítimas, conduziu a investigação do acidente e das suas causas, com transparência e diligência, e deu respostas claras em pouco mais de 48 horas. Deu uma mostra de generosidade e grandiosidade, organizando uma homenagem que levou mais de 40.000 pessoas ao estádio do Nacional de Medellin. Nada disso foi por acaso.

Se Bogotá é hoje uma referência em planejamento urbano, mobilidade, preservação de áreas verdes e em priorização do pedestre e do ciclista, é pela sua teimosa defesa de princípios e valores.

Se Medellin é a referência em trabalho, organização e desenvolvimento econômico, é pelo jeito “paisa” de ser. Pela sua seriedade e organização.

Se Cartagena é um dos principais destinos turísticos no Caribe, é porque soube preservar a sua história e oferecer opções de lazer e segurança a turistas dos quatro cantos do mundo. Mas também porque investiu em infraestrutura turística e tem feito da hospitalidade “costenha” a sua bandeira e o seu diferencial.    

É nos momentos excepcionais que se exige mais de cada um de nos. É nestes momentos, quando somos postos à prova, que surgem, ou não, os valores que caracterizam um povo e uma sociedade.

Não sou fanático por futebol, mas neste momento o mundo tem se convertido, graças ao futebol num espaço mais humano e solidário.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Jogada


Eu sou contra o aborto


















POR FILIPE FERRARI


Sou contra o aborto, pois sou cristão, e acredito na dignidade humana acima de tudo. 

Porém, o mais importante e fundamental: eu não engravido. 

 Além disso, eu não sei quando a vida “começa” (e nisso, me sinto confortável, pois quem soube até agora determinar?). É na fecundação? Depois de três meses? Com as memórias? Sistema nervoso? Tudo isso parece tão insuficiente!

 Eu não sou o Estado de Direito. 

 Eu não sei quantas mulheres abortam por não poderem abrir mão de um emprego sem registro que sustenta a família. 

 Eu não sei quantas mulheres abortam porque a família jamais aceitaria uma gravidez sem planejamento, pois seus pais religiosos não suportariam “a vergonha”. 

 Eu não sei quantas mulheres foram irresponsáveis na relação sexual e engravidaram. 

 Eu, simplesmente, não sei. 

 Eu sei que eu sou contra o aborto, e sou um cidadão ativo dentro de um sistema político, econômico e social. 

Tem quem diga “não com o meu dinheiro!”. Por favor, é de vida que falamos, não de um shopping.

Sei que se defende a vida, mas não se defende a mulher pobre que, por quaisquer que sejam seus motivos, morre na mão de açougueiros clandestinos. Que aceita os traumas psicológicos sem acompanhamento. Que, na maioria das vezes, está perdida e sozinha. 

Sei que mulheres ricas fazem aborto em clínicas clandestinas com médicos de CRM’s antigos, consolidados e de nome, prenome e sobrenome. Ou na Flórida, e na volta essas mulheres trazem IPhone sem pagar imposto. Que podem ter quaisquer acompanhamentos posteriores, pois o dinheiro paga. 

Esse é o Brasil. O dinheiro compra a moralidade, compra o acompanhamento, compra a dignidade. 

 O dia que uma amiga, conhecida ou parente me procurar e disser “quero abortar”, eu tentarei de todas as formas racionais demovê-la da ideia. Se sua última palavra ainda for “quero abortar”, a ajudo a procurar o melhor lugar possível. De preferência, legalizado e com amparo médico-psicológico. 

Afinal, sou cristão, e acima de tudo, a dignidade humana.