POR CLÓVIS GRUNER
Como se trata de um processo político e não jurídico, uma chicana feita à custa da Constituição para livrar corruptos da cadeia, como revelaram em conversas telefônicas Romero Jucá e Sérgio Machado, nada mudará o que já foi decidido. É tudo uma farsa. Por isso, acho, não basta Dilma ir ao Senado no dia da votação e se defender pessoalmente. Um amigo sugere que, no lugar da protocolar e inútil defesa, ela deveria citar um a um os senadores envolvidos em escândalos e denúncias de corrupção, em ordem alfabética: a começar pelo tucano mineiro Aécio Neves, depois o relator do processo contra ela, Antonio Anastasia, etc..., até Zezé Perella, dono de um helicóptero apreendido com 500 quilos de cocaína. Feito isso, levantar e ir embora. Afinal, melhor que cair em pé, é cair atirando.
Procura-se um golpe – Um dos primeiros gestos do PT após o afastamento de Dilma Rousseff foi sua participação vergonhosa na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Vocês lembram: no lugar de apoiar Luiza Erundina, um gesto que sinalizaria a disposição do partido em compor uma aliança de esquerda no Legislativo federal, o partido fechou apoio à candidatura do ex-ministro de Dilma, Marcelo Castro, do “golpista” PMDB. Perdeu. Decidiu então por Rodrigo Maia (DEM) contra Rogério Rosso (PSD), alegando que eleger o primeiro imporia uma derrota a Eduardo Cunha. Eleito e empossado, Maia disse que não anteciparia a votação pela cassação de Cunha, marcada para 12 de setembro, uma segunda-feira, e depois da votação do impeachment de Dilma no Senado, portanto. De fato, uma derrota que Eduardo Cunha terá dificuldades em esquecer.
Nas redes, a repercussão entre os petistas e simpatizantes foi: “Será que o PT não aprendeu?”. Claro que sim. O voto em Rodrigo Maia, um dos principais articuladores do impeachment na Câmara e integrante da base de apoio do interino e ilegítimo Temer, não teve nada de inocente ou inconsequente: foi uma decisão pensada e discutida, ainda que não tenha sido unânime (parte da bancada petista não votou nele). E é mais um reflexo da opção do PT pelo pior da realpolitik, opção que entre outras coisas lhe custou a presidência. Tanto aprendeu, que nas eleições municipais desse ano, segundo dados do TSE, o partido está aliado ao PMDB, PSDB ou ao DEM em 1406 cidades. Todo mundo sabe, mas não custa lembrar: são esses os principais protagonistas daquilo que o PT, apesar de Rodrigo Maia e das alianças municipais, insiste em chamar de “golpe”.
Democracia para que(m)? – Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, e Luíza Erundina, em São Paulo, estão fora dos debates à prefeitura, pelo menos até o STF julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PSOL. No caso do primeiro, o veto partiu entre outros, de Flávio Bolsonaro. Em São Paulo, a ex-petista Marta Suplicy foi uma das que vetaram o nome da deputada. Freixo e Erundina não são os únicos: graças a minirreforma política de Eduardo Cunha, aprovada em 2015 pelo parlamento, apenas partidos com ao menos nove deputados federais eleitos têm espaço assegurado nos debates, e sua participação deve ser aprovada por pelo menos 2/3 dos demais candidatos – foi o que aconteceu, por exemplo, com Luciana Genro em Porto Alegre, e Xênia Melo aqui em Curitiba. Além da alegada inconstitucionalidade, a minirreforma atenta contra os princípios mais elementares da democracia, mesmo se tomada em seus aspectos meramente formais e institucionais.
Com razão, militantes, simpatizantes e eleitores de esquerda, especialmente do PSOL, reclamam do caráter excludente da nova lei eleitoral, e denunciam os interesses por trás de sua aprovação, já que as digitais de Eduardo Cunha estão impregnadas nela. O que se está evitando dizer é que a ela foi sancionada, sem vetos, pela então presidenta Dilma Rousseff. Que, aliás, sancionou outras duas leis também em vigor: a antiterrorismo e a das Olimpíadas. Graças ao inciso X do artigo 28 desta última, que proíbe “utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável”, assistimos às cenas lamentáveis da Força Nacional retirando manifestantes dos ginásios cariocas nos primeiros dias do evento. Pode-se argumentar, a favor de Dilma, que se fosse ela a presidenta a interpretação da lei e seu uso seriam outros, porque não era sua intenção usá-la para coibir manifestações políticas. Talvez. Por outro lado, não foi diferente a repressão feroz contra os manifestantes do #NãoVaiTerCopa em 2014. À época, inclusive, justificada por uma parcela dos que agora alardeiam vivermos um Estado de exceção.