terça-feira, 15 de março de 2016

Domingo, 13 de março de 2016

POR CLÓVIS GRUNER

No último domingo, manifestantes foram às ruas em cerca de 300 cidades brasileiras. Os números totais variam de 3,5 milhões, segundo estatísticas das polícias militares, e 6,9 milhões, de acordo com os organizadores (link1). Sob quaisquer perspectivas, um número expressivo o suficiente para não ser ignorado e preocupar especialmente um governo que já fraqueja, débil, desde praticamente a posse, e que se vê hoje isolado e sitiado até por setores do próprio PT, partido a que pertence a presidenta.

Pesquisa realizada pelo Datafolha, e publicada na edição de segunda-feira do jornal paulistano, revela alguns dados interessantes (link2). E ainda que o levantamento esteja restrito a São Paulo, capital, ele serve como parâmetro para avaliarmos o perfil médio de quem foi às ruas. Em linhas gerais, o perfil se mantém “elitizado”: a maioria dos manifestantes são homens acima de 36 anos; 77% tem curso superior – o mesmo índice dos que se declararam brancos –; 12% são empresários e metade tem média salarial entre cinco e 20 salários mínimos.

Os números da Datafolha podem ser lidos como complemento a pesquisa realizada em agosto do ano passado pelo professor Pablo Ortellado, da USP, Esther Solano, da Unifesp, e Lucia Nader, da Fundação Open Society (link3). O levantamento já indicava um perfil predominantemente de classe média. Mas a presença ainda pouco expressiva da população mais pobre não significa, necessariamente, que ela esteja satisfeita com o governo Dilma (link4). As razões podem não ser as mesmas, mas o governo petista está a perder apoio mesmo entre a população mais carente, aquela que não se pode acusar de ser “privilegiada”. Que suas queixas não tenham a mesma repercussão apenas confirma uma tradição histórica da política brasileira, a de fazer ecoar as vozes privilegiadas e dar pouca ou nenhuma importância a quem vive nas periferias.

“CONTRA TUDO O QUE ESTÁ AÍ” – Se as pesquisas constatam, por um lado, que é a maioria branca e de classe média que engrossa as fileiras das manifestações, por outro elas obrigam também a tomar certo cuidado antes de afirmar, com a certeza característica dos debates travados nas redes sociais, de que são todos conservadores e “fascistas”. Antes pelo contrário, a aposta em um perfil político mais eclético me parece mais certa, já que é difícil sustentar a hipótese de que quase quatro milhões de brasileiros são conservadores ou, pior, fascistas.

Mas mesmo o ecletismo e as vaias contra Alckmin e Aécio, praticamente expulsos da Avenida Paulista, não desfazem inteiramente a sensação de que a indignação “contra tudo o que está aí” é, ainda, bastante seletiva (link5). Sensação reforçada pelas notícias que circularam nos últimos dias: primeiro foi o tweet de Ricardo Noblat, que ele tratou de apagar assim que percebeu a bobagem que havia feito (link6). Depois, a entrevista com Eder Borges, coordenador do Movimento Brasil Livre em Curitiba (link7), sem dúvida, das mais esclarecedoras. E por fim, em sua coluna de segunda-feira, Mônica Bergamo voltou ao assunto (link8), confirmando algo sobre o qual venho falando há tempos: a bandeira da ética está a servir a interesses pouco claros. E para muita gente que foi às ruas o problema não é a corrupção, mas o PT. Basta o governo Dilma cair e Lula ser preso, para a insatisfação arrefecer e a maioria silenciosa voltar a assistir a tudo bestializada.

Mas isso não é o pior: sei que nem todo manifestante marcha com Bolsonaro e pede intervenção militar. Mas esse é o tipo de coisa em que basta um, porque um já é muito. E os que insistem em aplaudir um deputado esse sim, fascista, e empunhar cartazes pedindo a volta da ditadura são bem mais que um. Tampouco me agradam as imagens de gente ajoelhada rezando pelo país e o patriotismo caricato, com manifestantes uniformizados de CBF (uma contradição, aliás) cantando o hino nacional. E enfim, acho lamentável que nossos heróis sejam um juiz punitivista e uma corporação policial, especialmente o primeiro, alçado praticamente à condição de entidade quase sagrada.

E O PT COM ISSO? – Nada disso, no entanto, serve para desfazer ou corrigir os inúmeros erros do PT. A esquerda mais próxima ou simpática ao governo reivindica o engajamento, em defesa do partido e de Dilma, dos setores progressistas. Mas é difícil defender um governo que cooptou ou neutralizou alguns dos principais movimentos sociais, enquanto fazia vistas grossas para a criminalização de tantos outros (link9). Fala-se no “avanço conservador”, mas foi o governo petista quem se aliou a grupos e forças conservadores – é preciso lembrar sempre, entre outras coisas, que temos na presidência uma mulher que só fala a palavra “aborto” para reafirmar sua proibição e que agiu para impedir qualquer avanço nas políticas de gênero e de combate à homofobia?

E há, claro, as inúmeras denúncias de corrupção. Não tenho dúvidas de que as investigações conduzidas pelo MP e pela PF têm sido politizadas ao extremo. E que é cada vez mais óbvio que a oposição e parte da mídia estão a fazer um largo e espetacularizado uso do envolvimento do PT e de suas lideranças em esquemas de corrupção. Por outro lado, é também cada vez mais difícil apostar na inocência do partido e das lideranças petistas, e acreditar no discurso de que é tudo não passa de uma grande conspiração da justiça, da mídia e da oposição.

Talvez não tão culpado quanto gritam os opositores, mas provavelmente também não tão inocente quanto alegam os defensores, a essas alturas a impressão que tenho é de que, ao PT, já não importa defender o atual governo, mas salvar 2018. Por isso estão a jogar Dilma aos leões enquanto blindam desesperadamente Lula.

OU, A DEPENDER DAS NOTÍCIAS:

o último grande ato nesse sentido foi a nomeação de Lula para o ministério de Dilma, uma clara tentativa de, sob o pretexto de reagrupar a base governista usando a liderança do ex-presidente, tentar poupá-lo da sanha persecutória de Moro conferindo-lhe foro privilegiado.

***

 No fim, há um custo alto em tudo isso, e quem paga a fatura é, principalmente, nossa ainda frágil democracia, à mercê das estratégias pouco republicanas do governo e da oposição. Em novembro de 2014, quando a Lava Jato ainda engatinhava, escrevi aqui no Chuva Ácida sobre a corrupção e sua presença na história do país (link10). E encerrava afirmando que tanto a indignação quanto o combate à corrupção deveriam fortalecer a democracia, não fragilizá-la.


Nas manifestações de junho de 2013 algo assim aconteceu, mas nenhuma das forças políticas institucionais, a começar pelo governo e o PT, estavam dispostos a incorporar as demandas das ruas, que naquela ocasião sinalizavam para a necessidade de fazer avançar nossa cultura democrática. A indiferença de três anos atrás cobra seu preço. Porque talvez o que fique das ruas agora seja, justamente, o enfraquecimento da democracia e uma derrota que as esquerdas, e não apenas a petista, terão dificuldade de superar.  

Quero o meu país de volta. Que país?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Nos últimos dias, a rede de fast food Habbib’s lançou uma agressiva campanha de marketing, para suporte às manifestações do último domingo. Sem problema. As empresas podem estar associadas a causas políticas, apesar de ser sempre uma jogada de risco. Parece perigoso uma marca abrir mão de metade do público consumidor, como neste caso. Mas o pessoal do marketing da empresa deve saber o que faz.


No entanto, o apelo da campanha pareceu um tanto vago, em especial naquela parte em que diz: “quero o meu país de volta”. Que país eles querem de volta? Fiquei a maturar e como não cheguei a uma conclusão, decidi que hoje não teremos textão, mas um exercício gráfico para tentar entender o que o Habbib’s quer de volta. Será que é isto?

















É a dança da chuva.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Crise...de identidade.


A rua é de todos


POR JORDI CASTAN

Fui em 2015 e voltei de novo (aqui).  E voltarei à rua todas as vezes que seja preciso. Não se mudam as coisas desde o sofá. Há que agir, assumir riscos e se manifestar. Coisas que o brasileiro evita fazer. O brasileiro, e o sambaquiano ainda mais, historicamente evita se expor. É esta omissão a que tem permitido chegar ao ponto ao que temos chegado. E não vou me referir só ao Brasil, porque nem Santa Catarina e muito menos Joinville são ilhas de excelência, no momento em que o país faz água por todos os lados.

Omitir-se é deixar que outros ocupem os espaços que são de todos. Ainda não entendi por que havia tanto patrulhamento nas redes sociais, com qualquer um que se manifestasse a favor de manifestar-se no dia 13. Ou será que, sim, entendi? Será que há uma parcela da sociedade que se considera dona da rua? Que não gosta que outros possam se manifestar?

Eu fui. Vi gente de todas as classes sociais, famílias inteiras, em muitos casos até três gerações se manifestando. Externando a sua revolta contra a crise moral é ética que assola o Brasil. Ninguém distribuiu sanduíches de mortadela. A maioria dos cartazes tinham sido feitos de forma espontânea, sem muitos recursos e com uma boa dose de criatividade e de humor. O brasileiro da classe média estava lá. Aliás, essa classe média não era o grande resultado do governo que aí estaá? Não foi o governo quem tirou milhões da pobreza? Como essa gente desagradecida é quem justamente agora esta questionando o governo e o partido que conseguiu estes logros?

Vão dizer que quem estava lá eram os derrotados? É oportuno lembrar que a presidente não conseguiu que a maioria dos brasileiros a votassem: 21,10% não votaram, 1,71% votaram em branco e 4,63 anularam o voto. E um país em que votar é obrigatório.  O total de votos no outro candidato, os nulos, os brancos e as abstenções somaram mais de 75%. A essa maioria silenciosa, devem ainda se somar os descontentes com o Governo, se acreditamos nas pesquisas que mostram que menos de 10% aprova o governo da presidente. Não é surpresa que numa cidade em que a presidente não ganhou, mais de 30.000 joinvilenses estivessem ontem na praça da bandeira.

E agora? Pois provavelmente nada. Como antes. Este é um movimento que não tem líderes, nem uma pauta única. Em comum unicamente a revolta contra a corrupção, contra o governo federal e o PT. O número de participantes em Joinville e nas centenas de outras cidades e capitais aumentou muito com relação à março de 2015. Pelos dados divulgados até hoje, mais de 50%, números que não podem ser ignorados. O governo pode fazer de conta que não é nada, como fez no passado. Seria bom pensar melhor antes de ignorar de novo. O risco é que políticos oportunistas se aproveitem deste momento e dessa maioria desencantada da política e dos políticos tradicionais.

Falando dos oportunistas houve poucos, mas houve e não foram bem recebidos, em São Paulo concretamente, foram convidados a retirar-se.