quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Uma camisa amarela, apesar da crise

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Na quinta-feira passada aproveitei para ir a um outlet perto de Lisboa (como fica perto de casa vou lá algumas vezes). Para quem não conhece, são shopping centers onde se encontram produtos de marcas famosas a preços mais baixos. Nike, Adidas, Asics, Dockers, Converse, Armani, Hugo Boss, Lacoste, Dolce Gabbana ou Puma. Enfim, o paraíso do consumo.

O centro comercial está quase sempre lotado. E há muitos brasileiros, sempre faladores e carregadíssimos de sacolas de compras. As estatísticas dizem que, lado a lado com os angolanos, os brasileiros são os consumidores mais ávidos, gastando, em média, 190 euros por visita. Ou seja, superam os europeus em termos de gastança. É natural a volúpia pelo consumo de marcas de luxo. O preço compensa.

Na semana passada, entrei na fila para pagar e o rapaz do caixa, praticamente escondido atrás de uma autêntica pilha de compras, pediu que eu esperasse. O cliente tinha ido buscar uma camisa. Um pouco depois o homem reapareceu com três camisas nas mãos e perguntou se havia outras cores, porque queria comprar mais.

Ora, a cena é comum e podia passar despercebida. Mas houve um momento curioso. A filha do homem achegou-se ao balcão, pegou numa camisa amarela e brincou com a mãe: “olha, o pai está comprando o uniforme para a Paulista”. A mãe sorriu, o pai pagou a conta e saiu em busca de novas lojas para usar o seu cartão de crédito.

Essa febre de consumo não é caso único. Já vi brasileiro a pagar alguns "micos consumistas". Enfim, não tenho qualquer pesquisa em mãos, mas usando o olhômetro sou capaz de afirmar que esses brasileiros são os mesmos que, no Brasil, vivem a reclamar que o país está a um passo do abismo e que assim não é possível viver.

E, claro, vestem camisas amarelas para ir à Paulista. Às vezes compradas na Europa.


É a dança da chuva.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

O velho e conhecido “negacionismo”


POR FELIPE CARDOSO

Recentemente, foi publicado em vários veículos de comunicação e acabou viralizando na internet a notícia de que o neurocientista americano Carl Hart foi barrado por seguranças em um hotel de São Paulo, na noite de sexta-feira.

Em um vídeo publicado nesse sábado no site "Fluxo", Hart negou ter sido barrado. O neurocientista afirmou que, depois de chegar ao hotel, foi abordado por organizadores do evento em que palestraria. Os organizadores pediram desculpas a ele, porque, quando entrou no hotel, um segurança teria se aproximado para abordá-lo por “não parecer alguém que devia estar ali”.

“Não vi nada disso, mas a reportagem sobre o episódio viralizou e muitas pessoas vieram me pedir desculpas pela internet por causa do ‘comportamento dos brasileiros’”, afirma Hart.

Mesmo que o palestrante tenha questionado e apontado um grande racismo existente no Brasil, inclusive no local em que estava palestrando, parece que a confirmação de que o ato racista não aconteceu ganhou mais destaque. Acabou dando brecha para que os que não se importavam com a pauta da questão racial liberassem e destilassem mais ódio e encorajou mais racistas a praticarem mais atos. Mas, pior que isso tudo, deu mais espaço para que o velho e conhecido “negacionismo” brasileiro voltasse à tona.

“Viu só? Não somos racistas. Isso é coisa da cabeça das pessoas. Vamos continuar mantendo e propagando o racismo.”

Analisado de outra forma, podemos perceber, por meio do ocorrido, a maneira com que nós brasileiros enxergamos o racismo, achando que ele só acontece por meio da discriminação, de pessoa para pessoa. Não conseguimos observar que é um problema estrutural, cultural, social, político e econômico que está enraizado em nosso país. Como Hart afirma, “o racismo estrutural brasileiro não recebe qualquer destaque, nem indignação pública, quando dirigido a pessoas sem o destaque ou a posição que ele ocupa”.

Não precisamos de campanhas como #SomotodosMaju quando casos de discriminação atingem pessoas negras em destaque ou com uma posição financeira e profissional "superior" dos demais negros. Precisamos, de fato, ir na raiz do problema para conseguir acabar de vez com o racismo, para que todos os negros e negras não sofram mais com as opressões e as humilhações.

O problema brasileiro é o racismo, que foi construído e propagado há séculos. Para superá-lo, precisamos afirmar que ele existe e, assim, juntarmos força para combater e eliminá-lo.

Não é negando um problema que vamos escapar dele. É preciso coragem para encarar e superá-lo.

Para encerrar, devemos seguir o conselho do neurocientista Carl Hart:

“Por fim, o Brasil tem problema sério de discriminação racial. A indignação demonstrada neste momento deveria ser demonstrada também em relação ao tratamento dado a negros neste país. Precisamos apoiar quem vive à margem da sociedade e usar esta energia (de indignação) para algo bom.”

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Nada mudou. Tudo segue igual



Jordi Castan

Depois de uns dias de férias, volto a Joinville. Feita uma leitura rápida de como reencontrei a vila, constato que pouco mudou. Vejamos:

- Há no governo, em todos os níveis, a certeza que "eles" estão certos e todos os "outros" estão errados. Este tipo de "autismo" se origina no líder do executivo e se espalha como um cancro a todos os níveis, os resultados até agora tem sido devastadores. 

- A obra da Santos Dumont se apequena a cada dia. O que era para ser uma duplicação está ficando mais para um remendo, com direito a binário, recapada e um alargamento. Ah! Outro ponto importante é que tampouco será concluída no prazo previsto. No que se diga de passo já tem se convertido em rotina.

- O Secretário da Fazenda informou, em entrevista ao jornal local, que enfrenta dificuldades para pagar as contas em dia. O discurso que não faltava dinheiro e que o problema de Joinville é ou era de gestão se esfarela como um punhado de sal em dia de chuva. Os problemas econômicos não podem ser usados como escusa. As ideias são de graça, saber aproveitá-las é a saída. O bom senso diz que além de gestão estariam faltando também ideias. A administração municipal é um deserto ermo em que a criatividade e a iniciativa foram completamente extintas.

- A ideia de que os funcionários públicos municipais trabalhem em jornada completa voltou à pauta. Uma iniciativa louvável que, lamentavelmente, não tem a menor possibilidade de prosperar. Alguém poderia perguntar o que o joinvilense acha? Seria interessante ouvir como o contribuinte, que paga os salários, opina. A administração pública fica à margem de seguir quaisquer critérios razoáveis de produtividade, eficiência e economicidade. 

- Sem chance que algum órgão da administração municipal seja certificado com alguma norma técnica internacional. Alguém imaginou um IPPUJ sendo certificado com uma norma ISO? E imaginar que nesta gestão presenciaríamos um choque de transparência, eficiência e de boa gestão. Ou seja, é uma utopia que algum órgão público municipal possa ser avaliado pelo cidadão contribuinte por critérios objetivos de excelência. O choque de gestão foi só um espasmo curto e intenso, que durou o tempo do discurso de posse. A gestão acabara sem muito de que lembrar, sem nenhuma marca importante. 

- Parques? Mais verde? Mais lazer? Nem rastro.

- Surgem denúncias sobre a existência de um “mensalinho” na Câmara de vereadores. Entre os nomes citados há quem tem mostrado recalcitrância em flertar com o lado escuro da moral. O risco de que haja mais envolvidos não é pequeno e denúncias anônimas recentes passam a fazer mais sentido e ganham credibilidade.

- Apareceram as primeiras emendas a LOT e em breve devem ser divulgados os nomes dos maiores beneficiados com as mudanças de zoneamento que o prefeito defende com tanto afinco. Não seria surpresa se alguns nomes muito conhecidos surgissem entre os proprietários de áreas rurais que teriam o seu valor decuplicado em questão de meses.

- A ouvidoria segue sem entender que o seu papel é ouvir e defender o cidadão e não a administração pública. As respostas que a ouvidoria tem dado e que pipocam nas redes sociais provam que todos os problemas de Joinville são culpa dos joinvilenses que insistem em não entender a maravilhosa administração que tem. Em tempo: não há administrador ou comissionado que não se deixe picar pela mosca do poder. A perda do contato com a realidade é uma doença comum entre quem durante um tempo confunde “ser” com “estar”.

- A ponte que seria a grande obra desta administração sumiu do discurso, assim como tantas outras promessas eleitorais das que não se tem mais constância.

- Um ataque de lagartas cancelou a “Joinville em Movimento”. A administração municipal vencida por um punhado de futuras borboletas.  Alias é bom lembrar que lagartas, embiras e borboletas são comuns em primavera. 

- A primavera se apresenta linda e cheia de cor.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Barulho da Chuva #11


Meritocracia... o tanas!


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Quando entrei para a Faculdade de Engenharia havia um único calouro vindo do ensino público (não tenho certeza, mas acho que era também o único de Joinville). O cara era bom. Dominava os temas com muita facilidade e as suas notas eram sempre exemplares, mesmo naquelas cadeiras em que a maioria vivia a patinar. Fazer certas disciplinas era um pesadelo. Mas não para ele, que parecia talhado para a coisa.

No entanto, era notório que o cara não tinha dinheiro. Pelas roupas que vestia, pelo transporte que usava (busão, claro) ou pelo lazer de que não podia desfrutar. Muito diferente dos outros alunos, quase todos vindos de outras cidades e de famílias com alguma grana. Um bom número de colegas de sala usava roupas de marca, tinha carro próprio e não economizava na hora das festas.

Não sei quanto tempo o tal estudante permaneceu na faculdade (não digo o nome, mas lembro). Mas sei que a certa altura as suas aparições tornaram-se escassas e um dia deixei de vê-lo. Lembro de ter ouvido que tinha arranjado emprego, porque precisava sustentar a família. E a faculdade, com aulas o dia inteiro (e por vezes à noite) impossibilitava qualquer projeto nesse sentido.

Por que trazer essa história? Ora, porque tem muita gente a insistir na meritocracia como a panaceia capaz de produzir uma sociedade justa. Aliás, antes de continuar quero deixar claro: não nego o mérito, porque ele existe. O que rejeito é a desigualdade e as injustiças sociais. Porque a meritocracia só faz sentido se todos partirem em igualdade de condições. Não é o que acontece.

A meritocracia só existe quando todos são iguais à partida
O fato é que eu, sendo um péssimo projeto de engenheiro (tanto que desisti, depois de algum tempo), podia continuar na faculdade. O cara não. E eu pergunto: onde está a meritocracia? Não está. O discurso do mérito, repetido à exaustão pelos “homens de bem” (os que estão por cima da carne seca) serve apenas para a reforçar a elisão das diferenças de classe.

O leitor e a leitora podem contra-argumentar com o exemplo dos self-made man, mas o fato é que são uma minoria. Aliás, ninguém fala das self-made woman, o que apenas denota outra injustiça: no plano do gênero, a meritocracia também é coxa, tanto que as mulheres ganham menos que os homens no desempenho das mesmas funções. Na maioria dos casos, o mérito parece ser apenas para homens brancos e com alguma linhagem familiar.


Mérito sem igualdade de oportunidades é simples palavrório para inocentar as diferenças de classe. Enquanto houver potenciais Einsteins perdidos ali no Itaum não venham com essa treta de meritocracia. Porque é apenas conversa para boi dormir. Meritocracia... o tanas!

É a dança da chuva.