sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Operários digitais e o poder

POR SALVADOR NETO
A moda agora é ler rápido, textos curtos, não pensar, pesquisar no google e outras ferramentas, tudo em uma espécie de fast food intelectual. O resultado? Uma sociedade crescentemente mal informada, mal formada, e por consequência, facilmente arrebanhada por ferramentas de marketing.

Bom, você deve estar questionando, quando ele vai falar sobre o tema do artigo! Calma.
Esta semana estive em uma escola estadual da zona oeste de Joinville (SC), a convite de um professor amigo. Falei, e interagi, com cerca de 120 alunos do ensino médio. Na grande maioria haviam saído do trabalho e ali estavam para estudar.

Aos questionamentos que sempre faço, para ilustrar a fala, sobre quem tem celulares inteligentes, tablets, notebooks, e outros, também a grande maioria afirma os ter. Quando pergunto quantos gostam de ler livros, físicos, ou até digitais, a resposta também amplamente majoritária: não lemos.

No jogo que tracei em nossa conversa – três turmas individualmente, e depois as três mais uma em um auditório – falava sobre o jornalismo, a profissão, a importância da formação profissional para ocupar e compreender o seu espaço no mundo. Com minhas obras "Gente Nossa" e "Na Teia da Mídia", provocava-os a entender o processo que é ter poder sobre o que se pensa, e não pensar somente sobre o que a grande mídia espalha por todos os meios disponíveis. 

Ao final, arrematava que ou eles estudam, lendo muito e muitas obras importantes, e também jornais e blogs alternativos de notícias, ou eles e mais jovens que virão depois deles, até filhos deles mesmos, se tornarão operários digitais.

Não trabalharão mais em fábricas sujas, engraxados, empoeirados talvez, mas ganharão o mesmo tocando telinhas mágicas, arrastando dedos por sobre tablets. E comprando tudo a um toque. Sem pensar, sem tocar o que compra. Simples massa de manobra, modernas, equipados com tecnologia de ponta. Mas apenas operários a serviço do poder.

Em quase todas as palestras que faço em escolas, faculdades, entidades de classe e outros, tenho abordado o tema da comunicação e literatura em tempos digitais. Minha experiência ao longo do tempo tem mostrado que a quantidade/qualidade da leitura dos jovens tem caído muito.

Com a curiosidade aguçada – afinal, operários digitais? – ilustrei o futuro com base neste cenário de avanço geométrico do digital, da tecnologia.

Afirmei: neste caminho vocês não passarão de operários digitais, idênticos aos operários criados pela Revolução Industrial, de chão de fábrica, que por falta de oportunidade, estudo e condições de vida, ficavam somente no pesado, depois apertando botões de maquinas, robôs, até se tornarem obsoletos ao meio capitalista que vivemos.


Claro, tudo isso causou um debate acalorado. Questionaram-me sobre o impeachment da Dilma. Respondi. Burrice e luta pelo poder. Mas tem de mudar tudo que está aí! Respondi: mudar o que? Não sabemos! Respondi. Mudar o combate à corrupção após décadas de roubo escondido por ditaduras e elites arraigadas ao dinheiro do Estado?

Falta comida, falta oportunidade de estudo a vocês? Não. Afirmei que é preciso pensar, pensar e se informar, ler, ler, ler, mas não posts curtíssimos. Ler, ler muito, mas não 170 toques de WhatsApp e se achar informado adequadamente. Ler, ler, mas obras que fazem queimar neurônios, como "O Tempo e o Vento", "Cem Anos de Solidão", "Os Miseráveis", "Grande Sertão Veredas", "Vidas Secas"... Claro que não foi a maioria, mas uma amostra significativa não soube dizer, afinal, o que devia mudar. Pensam como as mensagens bombardeadas pelo concentrado poder da mídia em poucas famílias brasileiras, desejam.


Constato, ao longo de vários anos e palestras que fiz, esse avanço da tecnologia sendo vendida como o Santo Graal da humanidade, a libertação dos povos mais longínquos pelo acesso fácil aos smartfones, televisões, tablets, redes sociais, e muito mais que virá.

O poder, econômico, entrelaçado ao de estado, conduz nossa sociedade a um corredor que nos conduz apenas para um fim: o consumo sem questionar, seja ele de produtos, ideias, ideologias ou culturas. Produzem-se ao longo de alguns anos já milhões de operários digitais. E por outro lado, promovem a redução gradativa dos formadores de boas cabeças pensantes. Professores, filósofos, educadores.


Eles nos querem simples operários digitais para nos mobilizar por causas que são somente deles, os poderosos. Nos empoderam de produtos mágicos que nos comunicam (?) instantaneamente, falseando em nossa mente que somos seres de primeira grandeza. Não. Somos consumidores de primeira grandeza. Sem pensar. Sem questionar. 


Apenas, digitar, clicar, comprar, inclusive ideias absurdas, burras, inconsequentes, como pedir a volta da ditadura militar, a demonização de pessoas por pensarem diferente, serem diferentes. Ou promovemos um retorno à luz do pensar, ou vamos inexoravelmente, como os bois que vão ao matadouro, para o corredor da morte como seres humanos. Pensemos, pois.


É assim, nas teias do poder....

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Se não mora em Joinville, não pode dar palpite








POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Se não mora aqui, não pode dar palpite”. É uma crítica recorrente aqui no blog (e era também no AN enquanto lá estive), feita por pessoas não se cansam de usar o argumentum ad hominem. Ou seja, em vez de rebaterem um argumento com outro argumento preferem desqualificar o autor, no meu caso por morar em outro país. O provincianismo não surpreende, porque vem de gente que vive mentalmente aprisionada entre Garuva e Barra Velha.

Ora, num mundo onde as fronteiras se esfumaram, a experiência do “estrangeiro” deve ser absorvida e aproveitada. É o que os povos civilizados fazem. Mas não é algo que aconteça em Joinville, uma cidade que em termos culturais (e estou a falar da “cultura alma coletiva” de Guattari) prefere viver orgulhosamente isolada e atrasada (é só ver tudo o que envolveu o Plano Municipal de Educação para perceber essa opção).

A questão das latitudes nunca pareceu importante e por isso sempre evitei discuti-la. Mas a divulgação do HFI - Human Freedom Index (Índice de Liberdade Humana), no início desta semana, abre caminho para uma discussão. A liberdade humana está intimamente relacionada com a vivência democrática. É o que permite entender as diferenças de mindset entre pessoas que vivem no Brasil e pessoas que vivem em outros países.

Posições de Brasil e Portugal no Índice de Liberdade Humana
A arte apresentada neste texto mostra as posições de Portugal (onde vivo) e do Brasil (onde passo apenas um mês por ano). O estudo considera inúmeros fatores que, no final, permitem estabelecer os coeficientes de liberdade pessoal e de liberdade econômica dos países analisados. A diferença é abissal: Portugal está em 25ª e o Brasil em 82º.

O que isso permite inferir? Ora, nos países mais desenvolvidos o ideário da democracia é respeitado, introjetado e projetado para a sociedade. Nas democracias já consolidadas, os valores tendem a ser sempre afirmativos. No Brasil isso demora a acontecer, porque há muitas forças retrógradas a negar os valores democráticos. É só ver o que se passou no último domingo: as pessoas saíram às ruas contra alguma coisa (a negação) e não por uma proposta construtiva (a afirmação).

E Joinville? Um dia desses o arquiteto e cartunista Sandro Schmidt, integrante do coletivo Chuva Ácida, escreveu na sua página de Facebook que “Joinville está se tornando uma das cidades mais conservadoras, reacionárias, hipócritas e moralistas do Sul do Brasil”. E foi corrigido nos comentários, porque as pessoas não concordam com o “está se tornando”. O fato é que a cidade vive um histórico déficit de democracia e de liberdade humana.

Ah... desculpem pela opinião. Afinal, se não vive em Joinville não pode dar pitaco.


É a dança da chuva.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

A meritocracia e os corpos (roliços)

POR SABRINA IDALÊNCIO

A meritocracia não discrimina. Seja o montante da sua conta bancária ou o tamanho das suas calças, lá está ela. Em uma farmácia qualquer, após adquirir suplementos alimentares proteicos, a mocinha classe mérdia universitária se pesa satisfeita. A mesma satisfação de quando escolhe roupas novas. Eis o resultado de uma rotina de atividades físicas e alimentação bem balanceada. Nada vem de graça. Até as curvas do corpo representam uma conquista.

A moça ainda não ultrapassou os 25 anos, exala saúde perfeita e contabiliza zero caso de obesidade na família. Tem tempo para planejar e preparar as próprias refeições, embora não lave as próprias roupas, muito menos o banheiro que usa. Observa uma moça de formas arredondadas que aparenta idade semelhante à sua na fila do Subway (depois de tanto esforço ela merece fast food!). A gorda carrega consigo uma criança também acima do peso. A moça reflete. Eles nem deviam estar aqui, a menos que seja pra pedir salada, pensa. Que exemplo essa mãe pensa que está passando à criança? Pergunta-se a moça sem filho algum.

Repara quando até o menino pede um lanche com mais recheios que o dela. Absurdo! E a mãe não fica nem um pouco atrás... como conseguem. Aqui ignora-se a rotina da família, seus hábitos e a herança genética. Gente gorda não merece comidas gostosas. Não merece roupas bonitas. Não merece relacionamentos felizes. Lembrou-se do desgosto quando via pessoas com quem acabara de se relacionar logo aparecendo com meninas mais gordinhas. Cadê o bom gosto que tinha quando estava com ela, tão empenhada e cuidadosa?


É assim que a meritocracia dos corpos funciona. Gente gorda não merece amar, ser amada, ser feliz, comer bem. O único tópico da pauta dessas pessoas precisa ser uma reeducação alimentar aliada a treinos pesados – como se ser gordo fosse sinônimo direto de má alimentação e sedentarismo. Pela meritocracia, gente gorda não merece viver bem porque não se esforça o suficiente.

...Cabeça Mole.