POR FELIPE CARDOSO
Recentemente saiu uma matéria no El País informando que “Capacetes azuis trocam produtos por sexo no Haiti e na Libéria”. Essa informação já nos mostra o quão necessário é a problematização dessa questão e que tudo isso vai muito além de um simples caso de imigração.
No Brasil, vimos centenas de comentários racistas, muitos incentivados pela imprensa. Pessoas defendendo a tese de que os haitianos estavam vindo para cá “tirar os nossos serviços”. Pior que isso são os que acham que eles só servem para trabalhar na produção de empresas ou na área de serviços gerais. Não que esses empregos não sejam dignos ou que não mereçam respeito, mas quem já teve a oportunidade de conversar com alguns haitianos percebeu que muitos deles são formados e tem capacidade para assumir outras funções nas empresas do nosso país e outros que desejam continuar seus estudos aqui. Pois bem, além de alguns serem formados, muitos haitianos falam cerca de 3 ou 4 idiomas, por exemplo. Talvez isso gere algum tipo de medo em pessoas que não procuram se especializar e não almejam se destacar no mercado de trabalho e aumenta ainda mais a dúvida do motivo de estarem sendo encaminhados para áreas da produção.
Mais dúvidas pairam na cabeças dos moradores do país “não racista”: por que os tratamentos dados aos imigrantes haitianos diferem dos tratamentos dados aos imigrantes portugueses, por exemplo? Por que não foi feito o mesmo alarde com a vinda de imigrantes portugueses ao Brasil?
Ao assistir esta matéria do Jornal da Gazeta, do ano passado, e ver as notícias e os comentários feitos em relação aos haitianos é possível notar uma enorme diferença na abordagem e, principalmente, na linguagem e no discurso utilizado. Certamente a turma do “agora existe racismo em tudo” não irá analisar, muito menos perceber o racismo presente nisso tudo. Bem como não percebem a diferença dos comentários das matérias dos eventos sobre cabelo, um das crespas e outro das ruivas, na semana passada.
Marcos Canetta tem razão ao afirmar que “o problema não está no imigrante em si, mas na cor de sua pele“.
O que muitos brasileiros não compreendem é que a maioria desses imigrantes vendeu todos os pertences em sua terra natal para vir procurar melhores condições de vida no Brasil. Enfrentaram longas viagens, exploração nos empregos, abusos, maus tratos e todo o tipo de preconceito e ainda sofrem com a adaptação a uma nova língua. Falta sentir empatia, colocar-se no lugar do outro.
Joinville
Esse descaso ficou facilmente visível na nossa cidade ao notarmos o posicionamento da Prefeitura Municipal com a chegada dos imigrantes. Não foi organizado praticamente nada e, hoje, ainda não se sabe o número exato de haitianos presentes em Joinville. Nem uma recepção, nem um contato com alguma liderança. Nada foi pensado, articulado, muito menos feito. Cartazes informativos, reuniões com imigrantes, central de acolhida, aulas de português dentre outras ideias, nada foi pensado, nada foi elaborado, nada foi feito. Mesmo fazendo cerca de um ano que Joinville vem recebendo imigrantes haitianos.
Entidades religiosas, centro do direitos humanos e movimentos sociais precisaram se organizar para pensarem juntos em medidas para auxiliarem e ajudarem os imigrantes vindos do Haiti. Reuniões com autoridades tiveram que ser marcadas pela comunidade, bem como a organização de aulas de português e até mesmo uma Audiência Pública para chamar a atenção dos poderes estadual e federal, além do setor empresarial da cidade.
Mas bastou alguém querer lutar por alguma causa da população negra para que racistas e xenofóbicos aparecessem para destilar ódio, querendo intimidar ou ameaçar quem está na luta. Covardes, como de costume, fazem publicações e depois apagam, pois sabem que podem pagar caro pelas palavras. Para disfarçar o ódio adotam os discursos do “problemas financeiros do país, os problemas do próprio país” que só são lembrados quando os imigrantes são haitianos ou do continente africano, quando são europeus não vemos a mesma postura.
Pessoas comuns, com seus respectivos trabalhos, tiveram que fazer hora extra para desenvolver um papel que era responsabilidade do governo. Pensaram e sugeriram a criação de uma Central de Acolhimento para Imigrantes em Joinville. Uma obra fundamental para uma cidade que se orgulha de ser a terceira maior da região sul, mas que não apresenta suporte básicos para a população. Vale lembrar que a pauta dos Haitianos permitiu um olhar mais atento a questão de todos os imigrantes e o tipo de tratamento oferecido para os mesmos. Então antes que venham os racistas anônimos querer acusar de “racismo inverso”, ou dizer que apenas está sendo debatido a questão dos haitianos, espero que tentem entender a importância dessa mobilização no contexto geral que visa beneficiar a todos os imigrantes que escolhem Joinville como destino para morar. Obviamente, devido as circunstâncias, a pauta dos haitianos é a mais próxima da nossa realidade atual, mas que serve de alerta para estarmos preparados para acolher melhor outras pessoas, de outros países, cidades e estados caso precisem de algum auxílio para residir na cidade.
Talvez tudo isso sirva para mostrar que os trabalhadores unidos é que fazem a diferença e provar que é a participação popular que cria algo positivo para o país. Por isso é necessário o estudo, a análise, a cobrança, a união, a luta. Apenas assim transformaremos.
Sejam bem-vindos, haitianos, portugueses, negros, brancos, indígenas… O mundo pertence a todos.
Continuemos.