terça-feira, 4 de agosto de 2015

Os haitianos em Joinville


POR FELIPE CARDOSO

O intuito do texto não é gerar polêmica, mas sim elucidar alguns fatos sobre a vinda dos imigrantes haitianos para a nossa cidade. Muito se falou deles. Bem ou mal, a favor ou contra. Mas pouco do contexto foi analisado como, por exemplo, a questão econômica e política do Haiti, bem como a realidade da população que está lá sobrevivendo após os desastres naturais, convivendo com tropas de diferentes países, inclusive do Brasil.

Recentemente saiu uma matéria no El País informando que “Capacetes azuis trocam produtos por sexo no Haiti e na Libéria”. Essa informação já nos mostra o quão necessário é a problematização dessa questão e que tudo isso vai muito além de um simples caso de imigração.

No Brasil, vimos centenas de comentários racistas, muitos incentivados pela imprensa. Pessoas defendendo a tese de que os haitianos estavam vindo para cá “tirar os nossos serviços”. Pior que isso são os que acham que eles só servem para trabalhar na produção de empresas ou na área de serviços gerais. Não que esses empregos não sejam dignos ou que não mereçam respeito, mas quem já teve a oportunidade de conversar com alguns haitianos percebeu que muitos deles são formados e tem capacidade para assumir outras funções nas empresas do nosso país e outros que desejam continuar seus estudos aqui. Pois bem, além de alguns serem formados, muitos haitianos falam cerca de 3 ou 4 idiomas, por exemplo. Talvez isso gere algum tipo de medo em pessoas que não procuram se especializar e não almejam se destacar no mercado de trabalho e aumenta ainda mais a dúvida do motivo de estarem sendo encaminhados para áreas da produção.

Mais dúvidas pairam na cabeças dos moradores do país “não racista”: por que os tratamentos dados aos imigrantes haitianos diferem dos tratamentos dados aos imigrantes portugueses, por exemplo? Por que não foi feito o mesmo alarde com a vinda de imigrantes portugueses ao Brasil?

Ao assistir esta matéria do Jornal da Gazeta, do ano passado, e ver as notícias e os comentários feitos em relação aos haitianos é possível notar uma enorme diferença na abordagem e, principalmente, na linguagem e no discurso utilizado. Certamente a turma do “agora existe racismo em tudo” não irá analisar, muito menos perceber o racismo presente nisso tudo. Bem como não percebem a diferença dos comentários das matérias dos eventos sobre cabelo, um das crespas e outro das ruivas, na semana passada.

Marcos Canetta tem razão ao afirmar que “o problema não está no imigrante em si, mas na cor de sua pele“.

O que muitos brasileiros não compreendem é que a maioria desses imigrantes vendeu todos os pertences em sua terra natal para vir procurar melhores condições de vida no Brasil. Enfrentaram longas viagens, exploração nos empregos, abusos, maus tratos e todo o tipo de preconceito e ainda sofrem com a adaptação a uma nova língua. Falta sentir empatia, colocar-se no lugar do outro.

Joinville

Esse descaso ficou facilmente visível na nossa cidade ao notarmos o posicionamento da Prefeitura Municipal com a chegada dos imigrantes. Não foi organizado praticamente nada e, hoje, ainda não se sabe o número exato de haitianos presentes em Joinville. Nem uma recepção, nem um contato com alguma liderança. Nada foi pensado, articulado, muito menos feito. Cartazes informativos, reuniões com imigrantes, central de acolhida, aulas de português dentre outras ideias, nada foi pensado, nada foi elaborado, nada foi feito. Mesmo fazendo cerca de um ano que Joinville vem recebendo imigrantes haitianos.

Entidades religiosas, centro do direitos humanos e movimentos sociais precisaram se organizar para pensarem juntos em medidas para auxiliarem e ajudarem os imigrantes vindos do Haiti. Reuniões com autoridades tiveram que ser marcadas pela comunidade, bem como a organização de aulas de português e até mesmo uma Audiência Pública para chamar a atenção dos poderes estadual e federal, além do setor empresarial da cidade.

Mas bastou alguém querer lutar por alguma causa da população negra para que racistas e xenofóbicos aparecessem para destilar ódio, querendo intimidar ou ameaçar quem está na luta. Covardes, como de costume, fazem publicações e depois apagam, pois sabem que podem pagar caro pelas palavras. Para disfarçar o ódio adotam os discursos do “problemas financeiros do país, os problemas do próprio país” que só são lembrados quando os imigrantes são haitianos ou do continente africano, quando são europeus não vemos a mesma postura.

Pessoas comuns, com seus respectivos trabalhos, tiveram que fazer hora extra para desenvolver um papel que era responsabilidade do governo. Pensaram e sugeriram a criação de uma Central de Acolhimento para Imigrantes em Joinville. Uma obra fundamental para uma cidade que se orgulha de ser a terceira maior da região sul, mas que não apresenta suporte básicos para a população. Vale lembrar que a pauta dos Haitianos permitiu um olhar mais atento a questão de todos os imigrantes e o tipo de tratamento oferecido para os mesmos. Então antes que venham os racistas anônimos querer acusar de “racismo inverso”, ou dizer que apenas está sendo debatido a questão dos haitianos, espero que tentem entender a importância dessa mobilização no contexto geral que visa beneficiar a todos os imigrantes que escolhem Joinville como destino para morar. Obviamente, devido as circunstâncias, a pauta dos haitianos é a mais próxima da nossa realidade atual, mas que serve de alerta para estarmos preparados para acolher melhor outras pessoas, de outros países, cidades e estados caso precisem de algum auxílio para residir na cidade.

Talvez tudo isso sirva para mostrar que os trabalhadores unidos é que fazem a diferença e provar que é a participação popular que cria algo positivo para o país. Por isso é necessário o estudo, a análise, a cobrança, a união, a luta. Apenas assim transformaremos.

Sejam bem-vindos, haitianos, portugueses, negros, brancos, indígenas… O mundo pertence a todos.

Continuemos.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Transparência


O prefeito numa sinuca de bico



No jogo de xadrez da política local, o tabuleiro se converteu numa mesa de sinuca. O prefeito Udo Dohler, que foi eleito para dar um choque de gestão e resolver os principais problemas dos joinvilenses, acabou numa sinuca de bico. É bom lembrar que ninguém mais pode ser responsabilizado pela situação atual a não ser ele mesmo.

Mesmo depois de descumprir o TAC (Termo de Ajuste de Conduta), assinado para resolver o grave impasse que vive a saúde em Joinville, o prefeito tem mostrado incapacidade para resolver os problemas, que crescem sem parar. Problemas que já levaram a troca de três secretários de saúde em pouco menos de três anos. Se foi a experiência na área da saúde um dos pontos fortes que levou muitos joinvilenses a eleger a Udo Dohler, hoje as críticas e a desilusão não ficam só na boca pequena e ganham a seção de cartas dos jornais locais e as redes sociais. As filas para o atendimento tem aumentado ou, no melhor dos casos, mantido índices vergonhosos. Até agora nem rastro da eficiência prometida. Se o problema não era de recursos e sim de gestão, alguém deveria assinar logo um atestado de incompetência.

A nomeação da procuradora Francine Schultz para a Secretaria da Saúde era para ser uma tacada de mestre com o intuito evidente de tentar pôr um freio à ação moralizadora da promotora pública Simone Schultz, casualmente irmã da nova secretaria. Foi o que, em bom português, se chamaria um tiro na água. Aliás, prefiro pensar que foi um tiro no pé, porque o efeito foi o contrário do pretendido. O Ministério Público, esporado pela arrogância do prefeito, tem passado a agir ainda com maior rigor e os passos seguintes colocam o prefeito numa situação para lá de desconfortável.

Deu entrada na Câmara de Vereadores o pedido de abertura da Comissão Processante, que poderá levar ao afastamento do prefeito do cargo até o final da apuração. Se isso fosse pouco, a promotora Simone Schultz entregou documentos sobre quatro decisões judiciais não cumpridas na area de saúde (melhorias em postos de saúde, ortopedia, reumatologia e proctologia). A situação esta ficando feia para o prefeito, que insiste em manter um discurso cada vez mais distante da realidade. Em recente entrevista ao jornal "A Notícia", o prefeito aparece completamente dissociado da Joinville real. Essa realidade que ele insiste em não querer ver, nem escutar, isolado no seu mundo de fantasia e ilusão.

O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) deu um passo à frente e colocou também o legislativo municipal numa sinuca de bico. O Legislativo tem estado tão ocupado em manter apaniguados e cabos eleitorais empregados, que tem esquecido de cumprir seu papel de fiscalizador do Executivo. É bom lembrar que o MPSC tem agido compelido pela inoperância do Legislativo - ou seria mais correto falar da omissão -, que tem estado ocupado em passear com carros alugados, gastar diárias e manter o maior número de assessores e comissionados que em cumprir sua missão republicana.

Os vereadores terão que se posicionar a favor ou contra do afastamento do prefeito. É oportuno lembrar que sem a ação firme do Ministério Público a Câmara teria seguido olhando para o outro lado e acreditando que a saúde está ótima. Sem a arrogante decisão de nomear a procuradora Francine Schultz, é provável que o MPSC tivesse agido com menos rigor. Mas devemos agradecer que a população possa contar com o apoio do Ministério Público para poder enfrentar a relação promíscua entre Executivo e legislativo em Joinville. 

Seria irônico se a maioria dos vereadores votasse a favor do afastamento do prefeito por conta da péssima gestão que está fazendo a frente da saúde. A imagem construída da sua experiência em gestão e conhecimento na área da saúde está desmoronando e se não ficou evidente antes foi por que os recursos que têm faltado na saúde, não têm faltado na comunicação.

Numa única tacada o Ministério Público tem conseguido colocar numa sinuca de bico tanto o prefeito como o legislativo. Vamos a acompanhar os próximos lances dessa partida.