quinta-feira, 23 de abril de 2015
Não é só pela depressão
Há pouco mais de duas semanas, no percurso ao trabalho, ao ligar o rádio reconheci de imediato o tom agressivo da voz do comentarista Luiz Carlos Prates, como um pitbull da moral a rosnar contra o movimento Orgulho Gay. Exclamou ele: “... como ter orgulho de ser doente?!” De pronto, desliguei o rádio. Pensei: “O dia está apenas começando e meu humor não pode ser afetado por grosserias intencionalmente ofensivas”.
Mas evidentemente que fiquei meditando sobre o que acabara de ouvir. Não, aquelas palavras não poderiam ter sido emitidas por alguém com capacidade de raciocínio, de leitura e de, no mínimo, bom senso. Será que existem pessoas dispostas a consumir esse tipo de informação?
Já fazia muito tempo que não conseguia ouvir um comentário na íntegra deste sujeito desrespeitoso e sem noção de qualquer valor humanístico, que costuma se colocar como um deus da verdade, com direito a julgar, de forma torpe, quem quer que seja só porque tem a condição de se esconder atrás de diplomas acadêmicos que, sinceramente não sei como os conseguiu.
Não o conheço pessoalmente, mas pela abordagem de seus comentários, cada vez mais agressivos, distanciados e dissociados da realidade, suscitavam-me dúvidas quanto ao índice de audiência ou de credibilidade, pois seria apostar na ingenuidade e desinformação dos telespectadores, ouvintes ou leitores, que ao consumir conteúdos preconceituosos não tivessem a prerrogativa da crítica.
É neste ponto que entendo o aspecto da demissão do referido comunicador uma semana depois do tal comentário que escutei via rádio. Soube por outros canais de comunicação de que sua demissão foi motivada por um comentário sobre pessoas que sofrem de depressão, aos chamá-las de “covardes existenciais”.
Ou seja, sem adentrar na questão imediata de sua demissão por ser demais revoltante e desrespeitosa com milhares de pessoas, é certo que a sua visão torpe sobre as relações humanas já não mais contribuía para fidelizar consumidores de informação, tão necessário em qualquer meio de comunicação diante da “guerra” de concorrência entre empresas.
No entanto, esta não é a primeira vez que o sujeito foi desligado de empresa de comunicação por emitir desastrosa opinião sem qualquer fundamento que sustente sua verdade particular constituída a partir de uma irresponsabilidade comunicacional, talvez por já não mais ter o que dizer para assegurar o seu papel de comunicador impactante, base sobre a qual construiu a sua fama.
A sua irresponsabilidade demonstrou não ter limites quando se trata de estufar o peito para atacar a todos que não estejam dentro de um conceito que sua visão moralista considere ser o mundo perfeito, preferencialmente, com contornos que expressem os valores cruéis de uma política militar autoritária.
Vá pra casa, Prates! Vá destilar o teu recalque, o teu ódio no silêncio do teu espaço privado onde ninguém mais possa ouvir os teus julgamentos patéticos e preconceituosos sem assim desejar, mas tão somente por estar conectado a um meio de comunicação.
Espero não vê-lo mais sentado em frente às câmaras exibindo as técnicas de oratória (na avaliação de alguns entendidos no assunto, exemplar), enquanto semeias ideias equivocadas com requintes de ódio em relação aos temas apresentados, sem o mínimo de discernimento intelectual que justifique o sentido das frases de efeito ofensivas, revestidas sob o manto da moral e dos bons costumes de “gente de bem”.
Não me deprima!
quarta-feira, 22 de abril de 2015
A história do trabalho e a terceirização

POR VANDERSON SOARES
É engraçada essa coisa de
trabalho. Já parou pra pensar em como chegamos nesse modelo de trabalho? O mundo
ocidental foi moldado à imagem do mundo greco-romano. E sua exuberância, com grandes monumentos e
obras faraônicas forjadas pelo trabalho escravo.
Nos idos de II a.C até o
século V, a herança greco-romana sobre o trabalho era relacionada à escravidão,
considerando o trabalho como algo menor, indecente ou de gente que está sendo
punida.
Nosso mundo
passa desta fase e chega, pomposo, à Idade Medieval em que a relação se
modifica um pouco. Não é mais escravo, mas servo. A relação ainda é de
dependência, onde o servo trabalha um pouco para si e o restante para o seu
senhor. Mas se o sistema escravocrata estava tão bem, por que mudar? Sentiu-se
a necessidade de vender e comercializar a mais pessoas, neste caso, para os
escravos, que agora eram “livres”. Esse retrato europeu do trabalho foi
importado e a relação de exploração do outro moldou a forma de trabalho
ocidental. No Brasil e EUA, por exemplo, o sistema de trabalho foi todo
edificado sob essa ótica.
Karl Marx
fazia uma relação interessante sobre isso, explicando questões como preço e
valor e a famosa “mais-valia” que seria a diferença entre o valor pago ao
trabalhador para produzir determinado bem e o real custo para produzi-lo.
Para
incrementar a história, faltava a religião entrar no jogo e dar sua
contribuição relacionando o trabalho com castigo. E foi isso que se sucedeu. O
judaísmo contribuiu doutrinando que o trabalho era um castigo devido à
desobediência de Adão e Eva, ainda quando estavam dentro dos “portões” do Éden.
Aqui parafraseio o livro de Gênese
quando Deus diz “Tirarás dela (da terra) com trabalhos penosos o teu sustento
todos os dias de tua vida...Comerás o teu pão com o suor do teu rosto” (Gen, 3,
17-19).
Essa
ideia de trabalho ser castigo se passou para o ocidente e permeia muitos até
hoje, quando a igreja católica, herdando as concepções semitas, relaciona
pobreza à salvação, riqueza à condenação e trabalho a algo penoso aludido à castigo.
Continuando
a viagem, nos idos dos séculos XVI o protestantismo vai trazer uma inflexão no
tema, aludindo o trabalho, que nasce junto com o capitalismo, como continuação
da obra divina onde o acumular e guardar será valorizado. Ainda hoje, em
condições visuais de observação, é comum observar um protestante numa posição
social mais privilegiada do que um católico (observação pessoal do autor). Esta
relação do protestantismo com a evolução do trabalho e do capitalismo é muito
bem expressada na obra de Max Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo”, obra do século XIX, mas de uma atualidade brutal.
No
Brasil, quem começou a discutir e implementar os direitos trabalhistas foi o
presidente Getúlio Vargas. Hoje se comenta da legalização da terceirização, o
que eu vejo como algo extremamente pernicioso para nossa sociedade. A herança
escravagista e exploratória, mesmo com os direitos trabalhistas, é muito
presente em muitas regiões do Brasil. Legalizando a terceirização estaremos
retroagindo neste ponto. Analogamente, é mais ou menos como se estivéssemos
cancelando os direitos trabalhistas, mudando os nomes e vínculos, mas não
mexendo nas condições de trabalho.
É claro que causa revolta quando um trabalhador “encostado” trabalha na reforma de sua casa ou de maneira informal para fazer renda extra ou pedindo atestados médicos por motivos inexistentes. Há de se observar também o lado das pessoas que não levam a sério suas obrigações profissionais e abusam da fragilidade do nosso sistema, mas ainda assim, concordado com o protestantismo defendo que o trabalho é a continuação da obra divina de cada um, onde a contribuição pessoal para o desenvolvimento do mundo é feita de maneira prazerosa. O que não é possível ocorrer se o trabalhador não se sentir protegido, por meio oficializado, ou seja, pela Lei.
terça-feira, 21 de abril de 2015
O ódio está no ar...
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Acreditem: o comentário não foi sarcástico. |
Parece me que o ódio está em alta. Nas últimas duas semanas, tivemos a campanha de insultos promovida por Danilo Gentili e a revolta contra a travesti Verônica Bolina (por gente que não entendeu qual era o problema). Teve também a islamofobia gritante com pessoas mandando Charlyane Silva de Souza “voltar pro seu pais” e a chamando de “terrorista” quando essa teve seu direito de uso de véu reconhecido pela OAB, uma onda de xenofobia contra imigrantes chineses após o caso da pastelaria que usava carne de cachorro. E no meio disso tudo, se reergueu um dos mais infames blogs de ódio da internet brasileira.
Vamos então por partes.
O Caso Verônica Bolina
A sucessão de eventos na prisão da travesti ainda não está clara. Sabe se que Verônica agrediu uma vizinha de 73 anos. Que foi colocada em uma cela masculina. Que se envolveu em uma confusão na cela em que estava detida e que mordeu a orelha de um carcereiro após dita confusão. Que foi agredida na prisão e no hospital. Que foi fotografada sem camisa e com o rosto desfigurado. E que foi coagida a gravar um depoimento onde negava ter sido agredida, em troca de redução de pena.
O caso atraiu a revolta de movimentos de direitos humanos e essa revolta atraiu o ódio dos defensores da lógica “bandido bom é bandido morto”. Enquanto o primeiro grupo questionava o tratamento dado à travesti, o segundo dizia que ela devia pagar por seus crimes e merecia “apanhar mais”. Sem entender que ninguém estava dizendo que Verônica não devia pagar, mas sim que esse “pagamento” deveria ser feito dentro dos termos da lei. Grande parte dos revoltosos contra movimentos como #SomosTodasVerônica parece incapaz de compreender o problema. A indignação não é com ela ter sido presa, mas com a maneira em que foi tratada pelas autoridades e pela qual foi privada de sua dignidade.
Ainda assim houveram aqueles, muitos dos quais policiais, que viram no caso justificativa para despejar seu ódio contra todas as travestis. Como se não apenas Verônica devesse pagar além dos limites da lei, como todas as mulheres trans devessem pagar pelos crimes de uma. E sem entender que existe uma maneira civilizada de se punir transgressões, sem precisar dos punhos para isso.
Pastel com recheio de xenofobia
Dois casos serviram para refogar a velha xenofobia a brasileira. O caso da pastelaria chinesa que usava mão de obra escrava e carne de cachorro no Rio de Janeiro ressuscitou o velho discurso da “ameaça amarela”, e não foram poucos os comentários pedindo a deportação imediata de todos os sino-descendentes do país.
O segundo caso foi o recurso da bacharel em direito Charlyane Silva de Souza, privada de fazer o exame da OAB caso não retirasse o véu (e violasse suas tradições religiosas). Convertida ao Islã no ano passado, o recurso de Charlyane atraiu comentaristas furiosos, exigindo que “voltasse ao seu país” e afirmando que se tentassem o contrário “no país dela” seriam executados. Charlyane é brasileira. O Islã, uma religião, e não uma nacionalidade. O maior país islâmico? O mesmo que tantos opinadores exaltados adoraram em janeiro, quando o traficante de drogas Marco Archer foi executado.
A revolta com Charlyane representa uma série de confusões que ainda nos marcam. Não foram poucos os comentaristas que usaram das tentativas de proibição de símbolos religiosos por repartições estatais para dizer que Charlyane deveria ser proibida de usar o véu “pois o estado é laico”. Por ser muçulmana, fora chamada de terrorista e “advogada bomba”. Vez após vez, a fé islâmica se vê confundida com o extremismo, como se fossem uma coisa só .Como se não bastasse, repetem o erro de achar que todo muçulmano é árabe e um imigrante árabe.
Rede de ódio, ódio na rede
Mas o choque de ódio maior, no meu ver, veio como resposta a uma campanha do Governo Federal. Tão logo foi criada a página Humaniza Redes e o perfil correlato no Twitter, surgiram as acusações de que o programa (uma ouvidoria para denuncias de violações de direitos humanos) era “censura”. E, de imediato, o humorista Danilo Gentili tratou de dar a sua resposta: Desumaniza Redes, incentivando um festival de ofensas sem fim que empesteia a página governamental.
O argumento para defender a campanha de insultos (e apologia a violência)? Que a proliferação de homofobia, machismo, racismo, xenofobia e até pornografia infantil na rede não passa de “zueira”, que não deve ser limitada nunca. Eis a liberdade de expressão defendida por Gentili: a liberdade de ofender, de ameaçar e de discriminar. Ironicamente, o “defensor da liberdade de expressão sem limites” se dedica ativamente a silenciar o outro lado da discussão.
E no rastro da campanha de Gentili, um velho vulto se reergueu nas sombras da blogosfera brasileira. Antes conhecido como “Homem de Bem”, agora como “Tio Astolfo”, um dos mais notórios pregadores do ódio do país, procurado desde 2013, voltou a ativa. Pregando a morte de gays e negros, o estupro de feministas e outras atrocidades, o imitador de outro blog de ódio (o extinto Silvio Koerich) demonstra uma fúria implacável - e assim como a Desumaniza Redes, justifica tudo dizendo que é “humor controverso”. Pois claramente, dizer “é uma piada” resolve tudo.
Isso é só um pequeno recorte do que acontece em todas as áreas, não só na internet. As vezes pelos motivos mais banais. Quem nunca se viu insultado por gostar das “coisas erradas”? No estado americano do Oklahoma, dois colegas de quarto se golpearam com garrafas de cerveja em uma disputa sobre iPhone versus Android. O ódio está em alta e qualquer coisa parece justificá-lo.
segunda-feira, 20 de abril de 2015
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