sexta-feira, 25 de abril de 2014

The Walking Greve - O Retorno.


Leis para velhinhas, carolas e cretinos

POR FELIPE SILVEIRA

Algumas leis são criadas para agradar velhinhas e carolas. É o caso das leis Schroeder e Peixer. Uma proíbe o consumo de bebidas alcoólicas em logradouros públicos e a outra proíbe a venda de bebidas alcoólicas e não alcoólicas em latas e garrafas de vidro em eventos públicos. Leis que tem tudo a ver com a tradição de Joinville: retrógrada, conservadora, bisbilhoteira, frígida...

Em Joinville é praticamente proibido andar na rua. Exceto se for na tal da rua do lazer, “lugar da família”. Se está na rua, na rua de verdade, aqui pensam, é vagabundo. Exceto se for em algum evento como o stammtisch, onde todos vigiam todos, competindo pra ver quem pode ostentar mais.

A diversão do joinvilense sempre foi privada, vigiada, controlada. As empresas que cresceram no período da ditadura civil-militar, com o dinheiro do povo espoliado, construíram grandes espaços de diversão e lazer para os funcionários (com o dinheiro deles, é óbvio). Quadras esportivas, restaurante, parquinho para as crianças... tudo estava ali para o funcionário levar a família durante a hora de folga. Ali, onde o patrão poderia ficar de olho, e o cagueta também.

Certas práticas permanecem. A vigilância e a caguetagem, fortemente. A política voltada aos interesses da classe dominante também. Ora, se tomar uma cerveja já é razão para ser mal visto, imagina pensar diferente. Política para agradar velhinhas, carolas e interessados em manter as coisas como estão. Pobres velhinhas que entram de gaiato.

Em uma entrevista a um programa esportivo, um dos vereadores explicou a lei, deixando bem claro que ela se destinava a inibir o comportamento de um certo tipo de grupo que ele e os radialistas já conheciam. Acho, só acho, que alguém na avenida Hermann Lepper curte a ideia de higienização social...

Com o tempo a sociedade passa a ter vergonha de certos costumes e práticas passadas, como a escravidão e a ditadura. Certamente teremos vergonha de certos vereadores e suas leis para agradar velhinhas, carolas e certos tipos de cretinos.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

A persistência dos vaga-lumes


POR CLÓVIS GRUNER

Revi esses dias “Febre do rato”, filme de 2011 do diretor pernambucano Claudio Assis. Quando do seu lançamento, o crítico Inácio Araújo afirmou tratar-se de um filme “feito porque tem algo a dizer, não porque tem um negócio a fazer”. A frase me parece sintetizar não apenas este, mas a breve e intensa filmografia de Assis, composta de alguns curtas e outros dois longas: “Amarelo manga”, de 2002; e “Baixio das bestas”, de 2006. À mesma época, li uma crítica comparado-o a Glauber Rocha, aproximação não me parece pertinente: Glauber Rocha e o Cinema Novo, Glauber principalmente, tinham uma dicção politizante, um indisfarçável tom messiânico em sua pretensão a fazer do cinema uma experiência conscientizadora.

O cineasta pernambucano está mais próximo do Cinema Marginal, contemporâneo do Cinema Novo mas, diferente deste, despretensioso, debochado, iconoclasta, sem por isso renunciar à sua dimensão crítica e incômoda. Aliás, arrisco dizer que Assis é, no cinema brasileiro atual, o principal herdeiro de Rogério Sganzerla, que soube como poucos transitar entre a erudição e o escracho, articular o exame crítico e o riso cínico. Na trilogia iniciada com “Amarelo manga” tais elementos se articulam atravessados por algumas características comuns: da paisagem pernambucana – a capital, Recife, em “Amarelo...” e “Febre...”, a Zona da Mata em “Baixio...” –; a alguns “atores fetiches”; passando pelo olhar que procura apreender as vidas em risco, experiências e vivências marginais, não são poucos os elementos comuns que corroboram para a sensação de que um filme se desdobra em outro, uma história encontra outra.

Por outro lado, cada película carrega especificidades. Em “Amarelo...” são as múltiplas realidades e possibilidades de sobrevivência em uma realidade urbana precária o foco de interesse. Os personagens, em sua maioria vivendo no ou em torno ao Texas Hotel, tem suas existências marcadas pela violência em suas muitas formas – institucional, econômica, social, simbólica, etc. –; se resistem e sobrevivem a ela o fazem mais por inércia e necessidade. Trata-se de um universo quase estático, praticamente imóvel, incapaz de se transformar e de autorizar qualquer mudança em suas personagens: da primeira à última cena, há uma pobreza, um desamparo, uma impotência que nada nem ninguém podem mudar.

Esta opção é radicalizada em “Baixio das bestas”, dos três o mais contundente, cru em sua violência desmedida e sem vergonha, mas que pouco tem a ver com a estetização da violência que é marca de parte significativa do cinema brasileiro recente, de “Cidade de Deus” a “Tropa de elite”. Ao longo de pouco mais de uma hora, somos confrontados com espancamento de mulheres, exploração de menores, pedofilia, sodomia, estupro... Em certo momento, o personagem de Matheus Nachtengaele nos provoca: “Tá sentindo um cheiro estranho? É a podridão do mundo”. Eis, em uma pergunta e sua resposta, aquilo que o filme se propõe mostrar.

RECUSA DO SERVIR – “Febre do rato” é diferente. Há a periferia recifense e os despossuídos que nela habitam. Mas há também uma disposição a afirmar a vida para além de qualquer risco. Zizo – interpretado por Irandhir Costa –, personagem central da história, não é apenas um poeta, mas um poeta que fez de sua vida uma obra de arte: vive intensa e plenamente o que pensa, sente e escreve. Em torno a ele, bebendo cachaça e cerveja, fumando maconha, trepando, orbitam personagens que experimentam, igualmente, modos alternativos de existência. Amigos e libertários, eles são “pobres, pontiagudos, anárquicos”, na feliz definição de Inácio Araújo. A seu modo, e porque vivem e experimentam cotidianamente uma violência que insiste em condená-los à marginalidade, ao risco, à precariedade, o coveiro Pazinho (Matheus Nachtengaele), sua namorada, a travesti Mariana (Tania Guanussi), Eneida (Nanda Costa), entre outros personagens que compõem o lúmpen que interessa ao olhar inquieto de Assis, sabem que a amizade é uma virtude que só se concretiza entre pessoas de bem, que ela não existe onde há crueldade, injustiça e deslealdade.

“Entre os maus há sempre uma conspiração, não uma companhia; eles não se entre-amam, mas se entre-temem; não são amigos, mas cúmplices”, escreveu o jovem Etienne de La Boétie, que foi amigo de Montaigne. Em seu “Discurso da servidão voluntária”, Boétie defende que a cumplicidade é baseada na desconfiança, desconfiança que é também renúncia da liberdade: para merecer a cumplicidade do tirano, é preciso, antes, servi-lo. A amizade, por sua vez, é baseada no amor, no respeito e na confiança, na igualdade entre os pares. Recusa do servir, ela é a condição da liberdade. Visto sob esta ótica, não me parece casual que seja a amizade, em “Febre do rato” – e em filme mais recente, “Tatuagem”,  sob muitas formas como que sua continuação –, a alternativa possível ao estado de exceção em que estamos, em maior ou menor grau, enredados. E ela transborda por todo a película: erótica, alegre, sensual, despojada, desbocada, chapada.

Em uma leitura a contrapelo de Giorgio Agamben, o historiador francês Georges Didi-Huberman critica, no filósofo italiano, a ênfase que este dá à destruição da experiência na modernidade, ao ponto de “estabelecer uma espécie de equivalência desencantada entre democracia e ditadura”. Recusando-se a ver, diz Didi-Huberman,  alternativa “à assustadora glória do espetáculo”, entendido este último como o equivalente, nas democracias contemporâneas, ao que foi em passado recente a submissão da massa aos regimes totalitários, não resta opção se não definir negativamente o povo e o que quer que ele represente. Contra a “cor sombria, cinzenta, de uma consciência infeliz condenada a seu próprio horizonte, a sua própria clausura”, Didi-Huberman opõem a claridade fugidia, o lampejo do vaga-lume.

Em “Febre do rato” as personagens vivem esta contraditória e corajosa experiência: marginalizados, eles fazem da sua existência, de seu cotidiano, uma experiência de recusa e negação – o de viver uma vida nua, desprovida de sentidos e significados simbólicos e reduzida à sua natureza biológica –, que se desdobra na afirmação de uma vida que quer ser plenamente vivida. Não se trata, por isso, de um filme otimista; mas de uma narrativa que coloca em cena a resistência, a insubmissão, a alegria e a poesia. Elementos que fazem de “Febre do rato” uma história que aborda ainda, sob uma perspectiva singular, a atualidade de nosso presente: poucas vezes carecemos tanto de resistências e insubmissões, de alegria e de poesia, como agora. “Febre do rato” é um filme sobre a necessidade, corajosa e incontornável, de viver. É um filme sobre o lampejo dos vaga-lumes a contrastar e desafiar a escuridão cega das muitas noites que nos desafiam e ameaçam.

PS.: Para quem já viu e quer rever, para quem ainda não viu, uma versão completa do filme está disponível no youtube.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Manifesto pelo parlamentarismo-viajandão

Traduzindo: next stop

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Bom dia, leitor-eleitor. Hoje tenho uma proposta política a fazer: quero o seu voto. Eu explico.

Tenho pensado em voltar a viver no Brasil. É uma mudança que, claro, traria perdas e ganhos. A maior perda, com toda a certeza, seria deixar de viajar pela Europa com certa frequência. Porque aqui as viagens para os países vizinhos são muito comuns. E com o surgimento das empresas aéreas low-cost, até pobres como eu podem andar por aí.

E nem é preciso ser de avião. Imagine, leitor-eleitor, que se neste momento eu decidir pegar no meu carro e andar 160 quilômetros, vou a Espanha tomar uma cerveja e comer gambas. Atenção, eu disse gambas e não gambás. Fique ligado, porque gambas por estas bandas são inocentes camarões. 


O fato é que, depois de muito refletir, encontrei a solução para o meu problema. Volto para o Brasil e entro para a política. Se conseguir me eleger deputado, governador ou o escambau, tenho a certeza de que continuarei a viajar à grande e à francesa. Os políticos brasileiros são os campeões mundiais de viagens aéreas, os paladinos dos programas de milhas.


Só não decidi o cargo a que vou concorrer e nem o partido. O cargo pode ser qualquer um, porque os políticos brasileiros ganham muito bem em qualquer nível (hummm… palavra mal escolhida, porque a falta de nível é evidente). E só não aceito ir para o DEMo, porque não estou disposto a vender a minha alma ao diabo. Se bem que os caras devem precisar de mim. Um partido que decide se chamar DEM de livre vontade está mesmo a precisar de uns conselhos publicitários. Porque se você tem que afirmar que é democrata, então é porque há dúvidas.


Mas voltemos às viagens, a descoberta mais genial dos nossos políticos. Os caras andam aí pelo mundo feito saltimbancos com o dinheiro público… e muitos eleitores acreditam que eles estão a trabalhar a sério. É uma teta. E é para isso que eu conto com essa forcinha do leitor-eleitor: você vota, eu viajo.


PARLAMENTARISMO-VIAJANDÃO - Mas não se pense que parto para essa candidatura sem um programa de governo. Bem… na verdade é mais um programa de viagens, o que vai dar no mesmo. Para começar, proponho a mudança na forma de governo. A idéia é implantar um novo sistema: o parlamentarismo-viajandão.


Traduzindo. É um sistema onde há os chefes de governo e os chefes de estado. Os chefes de governo ficam no país a governar. O chefe de estado viaja (é aqui que eu entro). E vou abrir escritórios de trabalho em alguns pontos estratégicos do planeta. Na Côte D’Azur, nas Seichelles e nas Bahamas.


Ahá… o leitor-eleitor mais antenado já percebeu a diferença. É que os nossos políticos tradicionais, em especial em Joinville, são breguésimos e têm um péssimo gosto. Só viajam para lugares chatos, cinzentões e sem charme como a China, a Rússia e todos os cus-de-mundo dos EUA. Morons!


Ah… e a grande inovação. Não vou fazer como fazem os políticos tradicionais, que convidam certos “jornalistas” amigalhaços do poder para as viagens. Eu explico. É que esses caras tornam a viagem um desassossego, porque a gente precisa estar sempre de olho na carteira. Aliás, leitor-eleitor, não parece estranho levar para os EUA um “jornalista” que não fala inglês? E nem o português… Pior é que já aconteceu.


A boa notícia, caro leitor-eleitor, é que todos os meses eu pretendo sortear uma viagem entre os meus eleitores e eleitoras, com direito a todas as mordomias com o dinheiro público. Isso é corrupção? Perfeito. Quer dizer que já estou pegando o jeito.


Cruzcampo, olé!

terça-feira, 22 de abril de 2014

O mundinho de Joinville

POR CHARLES HENRIQUE VOOS 

Há alguns anos, durante minha adolescência, eu acreditava ser (e era mesmo) um bairrista. Um jovem que aplaudia várias situações locais, discutia pelo JEC, e defendia cegamente o indefensável. Após alguns anos, vejo que muita coisa mudou para mim, mas para minha cidade num geral nem tanto. Existem milhares de pessoas em Joinville que não gostam de se abrir para o diferente, para o novo, e até mesmo para o correto.

Creio que existam muitas coisas boas na cidade em que nasci e moro, mas os absurdos diários me fazem ficar doente, por quase sempre. O mundo em que Joinville vive - e principalmente os joinvilenses - chega a ser tão frágil e lunático que dá pena. A sociedade joinvilense quer conservar algo, mas não sabe o quê. Quer enaltecer seu DNA quando falta vida. Quer se sobressair perante o nada. É uma sociedade sem alma, presa em um mundinho só dela. Quem se arrisca a sair, dificilmente volta por reconhecer o suplício que o espera na volta. Sem contar os rótulos postos por aqueles que ficam e vivem em um cabresto pré-moldado por uma mídia parcial, empresários catalisadores de plutocracias e gestores públicos que pouco abrem as portas da cidade para o estrangeiro.

Viver em Joinville é um martírio quando se sabe o que existe fora dela. As outras cidades onde a democracia é respeitada, e os cidadãos colocados em primeiro lugar, são sinônimos de um sonho que jamais será vivido. É percorrer caminhos cíclicos, onde as mentes andam por ruas que terminam na mesma praça, no mesmo banco, e no mesmo jardim. Digo, na mesma fábrica, na mesma recreativa, e no mesmo concreto.

Neste mundinho não há celeiros de mentes humanas, ao mesmo passo que as universidades públicas e abertas para todos não são de todos, mas somente para aqueles com mentes exatas e que vislumbram empregos exatos. Náo há cidade para pessoas, mas sim para empreiteiros, LOTeadores e lobistas. Não há adensamento, há espraiamento. Não há ônibus, trem, metrô ou VLT decentes, como em qualquer mundo que não se fecha em si mesmo. Entretanto, só encontramos planejadores com a mesma postura de 20 anos atrás.

Mundos abertos se desenvolvem, e não crescem. Joinville parece só querer crescer. Crescer para quem? Para que? Justiça social e urbana parecem não existir. Em outros lugares existe tudo isto, mas é um conceito vendido como ilusão. Joinville é uma cidade com extremo potencial (morros praticamente preservados, rios com água farta, média quantidade de moradores, grandes potenciais em todos os cantos da cidade, gente querendo fazer a diferença...) mas muitos vão embora por faltar uma coisa: a cidade reconhecer que precisa mudar, se abrir, pensar diferente e saber que o atual modelo vai falir mais cedo ou mais tarde. Ou isto acontece, ou Joinville irá se apequenar em sua pequenez.