quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
A monotonia conservadora
POR CLÓVIS GRUNER
Foi um bom ano para a direita conservadora. Nos últimos meses, Reinaldo Azevedo passou a destilar seu ódio em coluna semanal na Folha de São Paulo, além de manter seu blog na Veja; esta, por sua vez, contratou de uma tacada só Rodrigo Constantino, Lobão e Felipe Moura Brasil. Na coluna de estreia do último, entre felicitações e elogios, alguns leitores iniciaram uma campanha para que a revista contrate também Olavo de Carvalho (em tempo: eu não sabia quem era Felipe Moura, mas o Google me informa que ele foi idealizador e organizador do livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, de Olavo de Carvalho, título tão megalomaníaco quanto o autor das nada minimalistas 616 páginas).
Fora da constelação Abril, outros nomes conservadores já
assinavam colunas periódicas em títulos distintos: Luis Felipe Pondé e Demétrio
Magnolli são colunistas também na Folha; o imortal Merval Pereira assina
semanalmente coluna em O Globo; Pedro Bial apresenta anualmente o Big Brother
Brasil, e assim por diante. Trata-se de um cardápio variado de nomes e
trajetórias: há nele jornalistas, dois professores universitários, um
economista, um roqueiro, um astrólogo e um mau caráter. Com tamanha diversidade,
seria legitimo supor igual variedade de ideias. Não é o caso.
A ofensiva conservadora é monotemática: não importa quem ou
onde escreve, os conteúdos orbitam em torno a alguns lugares comuns, a maioria
deles de uma inatualidade de dar dó. Invariavelmente o roteiro é mais ou menos o
mesmo: um texto conservador que não denuncia o perigo do gramscismo, por
exemplo, não é digno do nome. Outro item obrigatório é insistir que vivemos em
uma “ditadura cubana” ou, na melhor das hipóteses, muito próximos de nos
tornarmos uma Venezuela, ainda que a esmagadora maioria desses autores não titubeie
em tecer elogios a outras ditaduras, a brasileira e a chilena, por exemplo. Nem reclame da chinesa, desde que ela continue a lhes fornecer bugigangas. Além
de Gramsci, Cuba e Venezuela, coisas e expressões como Foro de São Paulo,
FARCs, patrulhamento politicamente correto ou petralha, entre outros, sempre
agregam valor ao camarote.
Mesmo quem, pela trajetória intelectual, poderia imprimir um
tom dissonante à monofonia conservadora, escolheu reproduzi-la. Leia um texto
assinado por Pondé e Magnolli, dois acadêmicos com trajetórias respeitáveis,
farta e variada publicação intelectual, estágios no exterior (provavelmente com
bolsas pagas a soldo público; afinal, achincalhar o Estado e a universidade
pública é uma coisa, mas recusar uma temporadazinha europeia com dinheiro da
CAPES, aí já é vandalismo). O nome deles está lá, mas se os trocássemos pelos
de Rodrigo Constantino, Lobão ou Olavo de Carvalho, não faria a menor
diferença. Como a nivelação se fez por baixo, não apenas inexiste diferença
significativa entre eles, mas impera o apelo fácil aos medos e ressentimentos
de uma parcela das camadas médias que se sentem ameaçadas por esse “Isso” que
os porta vozes do conservadorismo afirmam ser “a esquerda”.

A afirmação de Constantino seria uma estultice se a jornada
tratasse de Che Guevara - um evento sobre o nazismo, por exemplo, não pretende ensinar os alunos a serem nazistas nem tecer o elogio a Hitler. Mas não é o caso. O evento aborda as muitas maneiras
pelas quais o passado é permanentemente revisitado e, neste sentido, o cartaz é
um primor de comunicação visual. A poucos rostos do século XX foram atribuídos
tantos e tão distintos significados quanto o de Guevara: do revolucionário que
inspirou a luta contra o “imperialismo ianque” até a sua “mcdonaldização”, suas
muitas faces sintetizam o objetivo do evento, que não trata dele, não falará
dele, não pretende fazer dele nem apologia nem elegia simplesmente porque...
não é um evento sobre Che Guevara.
O caso de Constantino não é único. Há algumas semanas o site
“Escola sem Partido” empreende verdadeira campanha difamatória contra uma
professora paulista, campanha que encontra eco e repercute em outros blogs
conservadores e nas redes sociais. Em comum nestas e em outras ocorrências, há a
recusa ao debate, substituída pela sanha inquisitorial. Tenho
algumas hipóteses para este gesto. Há a sedução
midiática, primeiro. A maioria dos hoje alçados à condição de oráculo vivia há
até pouco tempo em um relativo ostracismo. Rodrigo Constantino, por exemplo,
escrevia artiguetes no Orkut onde defendia a privatização dos tubarões e era
ridicularizado até por liberais de direita. Uma maior visibilidade conservadora é, sob certo ponto de vista, reação ao avanço de forças,
movimentos, grupos, ideias, pautas e indivíduos à esquerda, cuja simples
existência é lida como uma ameaça.
Em tempos onde o ressentimento e o ódio tornaram-se dois dos
principais afetos políticos, não espanta que seja assim. O outro não é um
adversário a ser confrontado, mas um inimigo a ser eliminado. A caracterização homogênea
da esquerda, beirando ao caricatural e que recupera alguns conteúdos típicos da
Guerra Fria é, neste sentido, bastante reveladora. Ela aponta, entre outras
coisas, para a dificuldade dos conservadores de conviver em um ambiente
democrático e de livre circulação de ideias. Não é coincidência que sua prática
reproduz justamente aquilo que eles pretendem denunciar como comum à esquerda:
a ira persecutória, entre outras coisas, coloca em risco a democracia ao
fragilizar ainda mais um já frágil espaço público, porque não reconhece no
outro nem legitimidade nem o direito de dizer e pensar diferentemente.
Há quem defenda a necessidade de uma direita conservadora afirmando
que faz parte da democracia o confronto de ideias, o debate aberto e público.
Concordo. Mas qualquer debate público deve ancorar-se em princípios que são os
da razão e o do respeito ao outro. E há exemplos de sobra de que racionalidade
e respeito não fazem parte da postura da maioria dos conservadores, que não
raro recorrem à desqualificação, ao desrespeito, à agressão e à humilhação
pública, quando não a mentira pura e simples, como estratégias de um debate
que, sob estas bases, não pode existir, não existirá, porque efetivamente não é
o que eles desejam.
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
Hora de celebrar?
POR JORDI CASTAN
Já estão as fanfarras de áulicos celebrando, a pleno pulmão,
que foram entregues reformadas a Biblioteca Rolf Colin e a Casa da Cultura. É
hora de parabenizar? Sim, mas nem tanto.
Na mesma semana a prefeitura informa que o restaurante
popular, localizado no bairro Bucarein fechará para reformas, no mínimo durante
meio ano. Dois temas chamam a atenção neste fechamento. O primeiro é que o
restaurante foi inaugurado em abril de 2008, sendo portanto uma obra recente e não há
informação do motivo de uma reforma que leve ao seu fechamento durante meio
ano. O segundo é que seria importante - e contribuiria a melhorar a transparência
sobre a gestão pública - divulgar o motivo para, em tão pouco tempo, já
ser necessária uma reforma desta envergadura, pois o fechamento
durante tanto tempo deixa desatendidos os atuais usuários do restaurante
popular. Desnecessário repetir aqui que o correto seria exigir
responsabilidades ou aos autores do projeto ou aos executores da obra, caso
fosse constatado que a reforma precoce é resultado de erros de projeto, de
execução ou de fiscalização. Pela forma
frouxa como são tratados os prazos no governo municipal, quem apostar numa reforma mais demorada tem muitas chances de ganhar.
A Biblioteca Rolf Colin foi interditada em 21 de setembro de
2010. É bom relembrar que pouco tempo antes tinha recebido uma ampla reforma e, daquela reforma, até agora ninguém foi responsabilizado e tudo ficou por isso
mesmo. Joinville esteve com sua biblioteca interditada durante mais de três
anos. Tempo demais para uma cidade que insiste em querer ser a segunda economia
do sul do país.
A Casa da Cultura foi interditada em agosto de 2011 e ficou
fechada durante mais de dois anos. As suas atividades ficaram comprometidas e
os alunos foram afetados pelos cancelamentos de aulas, pela transferência de
atividades para outros locais e tampouco, neste caso, pode-se dizer que a sociedade
se mobilizou. A sensação é que Joinville convive com uma mania de grandeza ao
tempo em que padece de um complexo de inferioridade. Ninguém mais se surpreende
com prédios públicos interditados. Eles passam a fazer parte da nossa paisagem
urbana e fica por isso mesmo.
A lista dos prédios públicos em estado precário ou
interditados ainda é longa e alguns devem demorar em sair da interdição. E assim
Joinville vai convivendo com essa realidade de ser uma rica cidade pobre. Mais
pobre de espírito que de recursos, mas essa é outra historia.
Parabéns por devolver ao joinvilense duas importantes
referências culturais. Agora para que as felicitações possam ser completas
seria bom informar: Qual é o cronograma
de entrega dos outros prédios públicos interditados? Qual o programa permanente
de manutenção e preservação do patrimônio público cultural e histórico de
Joinville? Quais os recursos e quem são os responsáveis? Entre os bens públicos
que já mostram sinais preocupantes de deterioração (e incompatíveis com a data da
sua entrega a população) estão o Parque José de Alencar ( da Cidade) e o Parque
das Águas, em que o mato e o abandono estão ganhando a batalha. Outro é a nova
Rua das Palmeiras que já perdeu a cor e as flores dos primeiros meses e precisa
de um olhar mais atento.
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
Festival de Bizarrices que Assola o País II
POR CLÓVIS GRUNER
Fiquei meio fora do ar a semana toda. Sem tempo até pra fuçar
no Facebook, alimentei secretamente a esperança de, ao colocar de volta a cara na
realidade – virtual ou não – seria gratamente presenteado com algumas boas
notícias. Mas nada: o noticiário continua a produzir bizarrices em escala
geométrica. Tantas que precisei de um bisturi para selecionar apenas as
quatro que compõem o segundo volume do meu Febiapa – o Festival de Bizarrices
que Assola o País.
DO DOMÍNIO DO FATO AO DOMÍNIO DO FRETE – Com um zelo surpreendente
para uma imprensa e mídias que há até alguns dias pareciam dispostas a moralizar o país, ficamos sabendo do “helicóptero de carreira” de
um deputado estadual de Minas Gerais, apreendido com inacreditáveis 400 quilos de coca. Não, você não leu errado nem eu me equivoquei: não eram 400
litros de Coca, a Cola, mas quase meia tonelada do mais puro pó, aquele que não
levanta poeira. O deputado se chama Gustavo Perrella e pertence a um partido
recentemente criado, o Solidariedade. Ele e o pai, o senador José Perrella
(PDT), são aliados do governador e presidenciável Aécio Neves, do PSDB, o que
talvez explique a solidariedade – com o perdão do trocadilho – dos meios de
comunicação. O deputado tratou de responsabilizar rapidamente piloto e
co-piloto, afirmando nada saber sobre a carga cheirável transportada em seu
helicóptero. Aliás, o combustível da eufórica viagem foi todinho pago pela
Assembleia Legislativa de Minas. Bizarro.
DURA LEX, TUDO BEM; MAS SED LEX JÁ É VANDALISMO – Flagrado como
responsável por um rombo de mais de meio bilhão de reais – estimativas falam de
R$ 570 milhões, aproximadamente –, o PSDB decidiu se defender. E o fez acusando o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de
manipular as investigações sobre a quadrilha que, sob o comando de tucanos
de altíssima plumagem, passou os últimos anos superfaturando obras no metrô
paulistano. E como o ministro teria manipulado o processo? Ora, enviando provas
e demais documentos do caso à Polícia Federal. Isso mesmo. Para a alta cúpula tucana,
o problema não é o superfaturamento, nem a propina paga aos políticos do PSDB ou os enormes prejuízos causados aos cofres públicos de São Paulo. O problema mesmo, de verdade, é
que o Ministro da Justiça fez o que se espera de um Ministro da Justiça e encaminhou
documentos e provas à PF, tudo com a clara intenção de prejudicar o PSDB e
desviar a atenção para a prisão dos mensaleiros, óbvio. Não deu muito certo, porque
os principais veículos de informação continuam a falar muito de Dirceu e Genoíno
e muito pouco da corrupção em São Paulo, numa desproporção que seria
intrigante não fosse tão reveladora. Em homenagem a FHC: très bizarre.
DIVERSIDADE, DESDE QUE BEM BRANQUINHA – Como quem manda na
Copa é a FIFA, e o Brasil será sede do certame em 2014, andamos um tanto submissos aos caprichos da entidade. E eles são muitos. Nessa semana, os
donos da bola decidiram que Lázaro Ramos e Camila Pitanga não era o casal apropriado para apresentar a cerimônia do sorteio da Copa do Mundo. Vetados, foram
substituídos por Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert. Não se trata, claro, de racismo –
afinal, não somos um país racista, nem tampouco a FIFA, não é mesmo? Tanto que
Margareth Menezes e Olodum, entre outros artistas, se apresentarão na mesma
cerimônia, tudo para mostrar ao mundo a diversidade étnica brasileira, segundo
ainda a mesma FIFA. Trocando em miúdos: animar a plateia, tudo bem. Afinal, se
temos anualmente o carnaval, não custa organizar um fora de hora para exportar
via satélite nossa contagiante alegria. Mas ser mestre de cerimônia exige classe
e postura, e o que pensariam plateias mundo afora ao serem confrontadas com a
imagem improvável de dois negros apresentando uma cerimônia oficial? A lógica
da FIFA parece ser a mesma dos comentadores anônimos de blogs: se mostramos ao mundo nossos negros e escondemos nossos talentos brancos, alguém vai pensar que somos racistas. Democracia racial se faz garantindo igualdade de oportunidades, diriam esses mesmos anônimos. Mas a responsabilidade não é da entidade maior do futebol se alguns são mais iguais que os outros. Bizarro, tudo muito bizarro: o
veto e os anônimos.
“IDEOLOGIA-A, EU QUERO UMA PRA VIVER” – Quando o escreveu, Cazuza
certamente não imaginou que seu verso ecoaria tanto e tão profundamente na
direita conservadora brasileira. Fica difícil imaginar o que seria dela, hoje,
sem ter uma ideologia para temer e ideólogos por toda parte para odiar. A bola
da vez é a professora Cléo Tibiriçá, professora de Comunicação e Expressão na Fatec de Barueri . Ela virou objeto de bullying virtual
levado a cabo por uma organização chamada “Escola sem partido”. A tal organização
a acusou publicamente de colocar em prática um plano de ensino que objetiva criar
“a maior aversão possível a tudo o que não se identifique com uma visão
esquerdista ou progressista da sociedade, da cultura, da economia e da história”.
Se não estivesse tão ocupado em entender como o gramscianismo adentrou o
Vaticano, depois da declaração do Papa sobre a economia de mercado, Olavo
de Carvalho certamente acusaria Cléo Tibiriçá de conspirar contra a Civilização
Ocidental. O caso é apenas mais um em um elenco de aberrações
produzido pela organização, que se diz neutra, mas trata professores como criminosos
e alunos e pais como um bando de imbecis. Além disso, basta uma visita à sua página e a apregoada neutralidade cai
por terra. Nela, pipocam artigos de viés de direita e conservador, assinados por um elenco de autores a quem se pode acusar de tudo, menos de não terem uma ideologia. Nada contra, há quem goste e se identifique com o estilo “I see
red people”. Mas se a organização insiste em policiar e atacar a ideologia dos outros e disfarça
a sua própria sob o manto de uma suposta e mentirosa neutralidade, a coisa é
mais que bizarra. É desonesta.
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