POR CLÓVIS GRUNER
Há um trecho quase sempre esquecido da famosa conversa telefônica entre Romero Jucá e o ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado. Refiro-me, vocês sabem, ao diálogo em que ambos combinam o “grande acordo com o Supremo com tudo” que culminaria no impeachment de Dilma e na posse do presidente que, parece, só consegue apoio acima de um dígito entre os comentaristas anônimos desse blog e milicianos do MBL.
Voltemos ao telefonema. Lá pelas tantas, como parte da definição da estratégia de colocar Temer na presidência para “delimitar tudo onde estava”, Machado defende que um “governo de união nacional”, possível apenas com a saída de Dilma, “protege o Lula, protege todo mundo”. Se em algum momento proteger o Lula esteve mesmo nos planos da quadrilha que chamamos de governo, parece que, passados dois anos, ela mudou de ideia.
E se para isolar e inviabilizar a candidatura do ex-presidente os signatários do acordo não mediram esforços no aparelhamento das instituições, incluindo o Poder Judiciário, o outro lado decidiu ver até onde chegava jogando nas mesmas regras – ou na ausência delas. E o resultado foram os eventos patéticos de domingo (08), resultado da extrema politização das nossas cortes, ao menos teoricamente, responsáveis por zelar pela normalidade jurídica.
A sequência de acontecimentos é de conhecimento público, e análises jurídicas pertinentes e bem fundamentadas circulam amplamente desde o final de semana (recomendo particularmente o artigo
“Politização com esteroides”, de Conrado Hübner Mendes, professor de Direito e colunista da revista Época). Vou arriscar alguns pitacos sobre as motivações e os possíveis desdobramentos políticos do imbróglio.
Mídias e desespero - Se a intenção era
manter Lula nas mídias e visibilizar os interesses políticos nebulosos por trás da cruzada pessoal e partidária de Moro, a estratégia dos deputados petistas e advogados Paulo Pimenta, Paulo Teixeira e Wadih Damous foi impecável. A apresentação do
habeas corpus, depois de encerrado o expediente normal do tribunal, em um final de semana onde o plantonista, o desembargador Rogério Favreto, é um conhecido crítico da Lava Jato, não foi mera coincidência.
Se como plantonista Favreto não extrapolou suas obrigações legais, o bom senso e o respeito à “normalidade” sugerem que ele deveria ter se manifestado impedido de julgar o pedido, em função de sua proximidade com o PT. Ao mandar às favas os escrúpulos, já que isso se tornou prática comum nos tribunais superiores – e aí estão Gilmar Mendes e Alexandre Moraes, no STF, além do próprio Moro, a dar provas fartas de que já não importa manter mesmo a mais remota aparência de isenção –, o desembargador não contribuiu para melhorar a imagem da toga.
A insubordinação do juiz de Curitiba, que não encontrou tempo e alegou excesso de trabalho para não julgar o conterrâneo e companheiro Beto Richa, mas despachou de férias em Portugal, e a atitude destemperada dos desembargadores Gebran Neto e Thompson Flores, tampouco. Afinal, se o fundamento da decisão era frágil e juridicamente insustentável, bastaria seguir o procedimento normal, esperar a segunda para derrubá-la e Lula voltar à sua cela na Polícia Federal.
Um cenário incerto - O desespero de Moro e dos desembargadores de Porto Alegre para impedir a sua liberdade, mesmo que por poucas horas, desequilibrou momentaneamente o jogo político, e a favor de Lula e do PT. A dúvida é sobre quais os efeitos desse desequilíbrio no médio prazo. Se a intenção é insistir na tese da candidatura de Lula, o tiro talvez saia pela culatra e repercussões de domingo escampem ao planejado.
É verdade que o ex-presidente segue liderando todas as pesquisas, mas também o é que o voto em Lula tem algo de messiânico, radicalizando uma característica do eleitorado brasileiro, a desconfiança em partidos e programas e a aposta em lideranças carismáticas, como Lula. A estratégia de fortalecer o nome do ex-presidente, mantendo-o em evidência ao mesmo tempo em que reforça a imagem de um líder popular perseguido por forças antidemocráticas, não garante que seus votos serão automaticamente transferidos ao candidato ungido por ele.
O melhor, e venho insistindo nisso há alguma tempo, era as esquerdas oferecerem uma alternativa programática a Lula, o que nem o PT nem nenhum outro partido o fez até agora – à exceção, talvez, do PSTU, mas sem chance alguma de prosperar eleitoralmente. Mesmo fora da órbita petista não há nome viável que inspire segurança, seja Ciro ou Marina. A direita liberal, ao apostar em nomes como Alckmin ou Amoedo, também arrisca nadar e morrer antes de chegar à praia.
O risco é de que o descontentamento e a desconfiança dos eleitores com a política e os partidos tradicionais inflem a única candidatura identificada, hoje, como alternativa a “tudo o que está aí”, e quem capitalize os votos principalmente indecisos nas eleições de outubro não seja um candidato ou partido comprometido com a democracia. É possível, embora não seja certo, que a geleia geral de domingo também sirva para recrudescer a opção pelo fascismo e fortaleça a candidatura daquele que não se deve nomear.