segunda-feira, 6 de julho de 2015
O não-problema e o problema
O corredor da JK é um não-problema. É o resultado de um
cúmulo de erros, da falta de diálogo e da forma como é feito o planejamento na
nossa vila. O resultado é esta confusão que esta aí posta. Não é hora de
distribuir culpas, até por que há muitas culpas no cartório. O poder público demorou a agir. Quando o fez foi frouxo, fazendo com que o problema só se agravasse. A reação da sociedade, especialmente nas redes sociais, tem sido implacável e agora a Prefeitura corre atrás do prejuízo.
Não vou entrar na discussão sobre a prioridade do coletivo
sobre o particular. Ou sobre o modelo de desenvolvimento urbano. E nem como as
coisas são impostas sem escutar a sociedade e, na maioria das vezes, de forma
mais empírica que técnico-científica - não por falta de mestres e doutores e
sim por falta de humildade e até por preguiça. Mas todos esses pontos são outra
história.
Dois pontos me chamam a atenção neste imbróglio. O
primeiro a inoperância do poder público, que não tem sido capaz de colocar um
guarda municipal na frente do colégio nos horários de entrada e saída dos
alunos. Alega o município que: "não há como manter fiscais quatro vezes por
dia, todos os dias, num único ponto da cidade". A matéria do jornal A Notícia
não identifica a fonte de tal asneira (vai que depois que à falou
arrependeu-se).
Deixa ver se entendi, independentemente do problema do corredor de ônibus e o conflito com os veículos dos pais que vão buscar os filhos, o município não consegue colocar um guarda de trânsito diante de uma escola nos horários de entrada e saída dos alunos? Quer dizer que a Guarda Municipal não consegue melhorar a segurança das crianças na entrada e saída das escolas?
Eis a lógica: não pode colocar um guarda todos os dias, em determinados horários em pontos determinados, para aumentar a segurança ou melhorar o fluxo do transito em lugares e horários de pico. Entenderam? Em outra galáxia isso seria um atestado de incompetência, assinado e rubricado. Entre os sambaquianos escutar escusas para não fazer é o nosso pão de cada dia.
Deixa ver se entendi, independentemente do problema do corredor de ônibus e o conflito com os veículos dos pais que vão buscar os filhos, o município não consegue colocar um guarda de trânsito diante de uma escola nos horários de entrada e saída dos alunos? Quer dizer que a Guarda Municipal não consegue melhorar a segurança das crianças na entrada e saída das escolas?
Eis a lógica: não pode colocar um guarda todos os dias, em determinados horários em pontos determinados, para aumentar a segurança ou melhorar o fluxo do transito em lugares e horários de pico. Entenderam? Em outra galáxia isso seria um atestado de incompetência, assinado e rubricado. Entre os sambaquianos escutar escusas para não fazer é o nosso pão de cada dia.
Mas não há problema. Os guardas tem outras coisas que fazer como, por exemplo, blitzes em lugares incertos e em horários alternados. Entendi
quais são as prioridades. Mas segurança é prevenção não deveriam ser prioritários?
Deveriam. Mas não são. Saudade da Comissão Comunitária para a Humanização do Trânsito e para o Aluno Guia que Joinville já tinha.
OUTRO COLÉGIO - O segundo, e antes que seja tarde, é outro colégio. O colégio Marista comprou área
no Bairro América, na rua Benjamin Constant. Na audiência pública para apresentar
o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) ficou evidente que a rua não comporta o
tráfego adicional que o colégio vai gerar. O projeto reconhece o problema e diz
que só se o poder público fizer investimentos na rua o problema será amenizado.
Entenderam?
Vou repetir com outras palavras, um projeto privado criará problemas de tráfego e a solução só será possível com investimento público.
E ainda não sei se o IPPUJ não inventa um dia colocar um corredor de ônibus, ou uma ciclovia, ou ambos juntos, como na rua Max Colin. Vamos lembrar que público quer dizer aquele dinheiro que vem dos seus e dos meus impostos. Assim falamos de lucro privado e prejuízos públicos. É importante, antes que seja autorizada a sua instalação, que sejam apresentadas soluções concretas, em nova audiência pública, para evitar o problema.
Até agora nada mais que silêncio, tanto de parte do IPPUJ como do colégio. Lembrem que quem avisa amigo é depois não venham dizer que o colégio estava lá antes. Não estava.
Vou repetir com outras palavras, um projeto privado criará problemas de tráfego e a solução só será possível com investimento público.
E ainda não sei se o IPPUJ não inventa um dia colocar um corredor de ônibus, ou uma ciclovia, ou ambos juntos, como na rua Max Colin. Vamos lembrar que público quer dizer aquele dinheiro que vem dos seus e dos meus impostos. Assim falamos de lucro privado e prejuízos públicos. É importante, antes que seja autorizada a sua instalação, que sejam apresentadas soluções concretas, em nova audiência pública, para evitar o problema.
Até agora nada mais que silêncio, tanto de parte do IPPUJ como do colégio. Lembrem que quem avisa amigo é depois não venham dizer que o colégio estava lá antes. Não estava.
sábado, 4 de julho de 2015
Maria Julia Monteiro e os racistas fora do armário
POR LUANA TOLENTINO
Temos
assistido a manifestações de racismo cada vez mais violentas. Em parte, isso se
deve ao fato de nos últimos anos a população negra ter ascendido socialmente e
deixado de ocupar somente postos de trabalho com baixa remuneração e prestígio,
como o emprego doméstico, a portaria dos prédios, os serviços gerais e tantas
outras.
Ainda
em menor número, hoje já é possível ver mais negros ocupando posições de
destaque, em cursos de graduação, mestrado e doutorado. Cito a pergunta do antropólogo Kabengele Munanga: "Quem
vai limpar a Casa-Grande se agora os negros estão na universidade?" Por
essa as elites e a classe média não esperavam.
Essas
mudanças têm gerado ódio e revolta, disseminados sem o menor pudor nas redes
sociais. Os racistas saíram do armário. Maria Julia Monteiro, jornalista da
Globo, é a vítima da vez.
Por
mais que eu deteste/não suporte/tenha pavor-nojo-asco do JN, ele ainda é o
jornal de maior importância do país. Por mais que eu deteste/não suporte/tenha
pavor-nojo-asco da emissora dos Marinho, ela é a quarta maior rede de televisão
do mundo. Não há como negar a força e o poder da Globo.
E é
justamente esse espaço que Maju, com talento e competência, ocupa atualmente.
Todas as noites, Maria Julia adentra a casa de milhões de brasileiros. Não como
uma doméstica da novela das 6, 7 ou 8, que ao ser humilhada aceita tudo calada,
de forma resignada. Mas, sim, como a “moça do tempo”, posto jamais ocupado por
uma mulher negra ao longo dos 50 anos da Rede Globo. Para uma sociedade que
naturaliza as desigualdades raciais, isso é inaceitável.
Soube
através do Facebook, que na edição de sexta-feira, dia 3, Willian Bonner e
Renata Machado falaram sobre os ataques racistas de que Maria Julia Monteiro
foi alvo. Ao que parece, a palavra racismo não foi mencionada em nenhum
momento. O que era de se esperar. Sabemos que cada frase dita no telejornal
passa pela chancela de Ali Kamel, diretor de jornalismo e autor do livro
"Não Somos racistas".
Da
Globo não espero nada. Da Maju, torço para que ela tenha forças para lutar. Não
com um irônico "beijinho no ombro", como ela teria dito, mas com um
posicionamento firme. Racismo não é brincadeira. É uma ideologia forjada para negar
a humanidade de nós negras e negros.
Luana
Tolentino é professora e historiadora. É ativista dos movimentos Negro e
Feminista.
sexta-feira, 3 de julho de 2015
Incoerências de uma cidade em situação irregular
POR ANDREI KOLACEKE
Logo que recebeu um grande terreno como herança
dos falecidos pais, Elisa decidiu utilizá-lo para construir uma casa capaz de
abrigar o marido e os três filhos. Residente em Joinville, a família havia
juntado, ao longo de vários anos e com muito sacrifício, o dinheiro necessário
para a construção da tão almejada casa própria. Em busca do alvará necessário
para iniciar a construção, no entanto, Elisa viu frustrados os planos de sua
família. Já na consulta prévia, foi informada pela Secretaria do Meio Ambiente
de que a quase totalidade do imóvel não poderia receber qualquer construção.
Uma faixa de trinta metros de largura do terreno encontrava-se em área de
preservação permanente, por estar localizada às margens de um pequeno córrego
que passava na região.
No caso, o posicionamento da SEMA, embora
de acordo com a literalidade da Lei nº 12.651/12 (o famigerado novo Código
Florestal Brasileiro), de maneira alguma se mostrava razoável. A respeito da
ocupação do solo de Joinville, o próprio Tribunal de Justiça de Santa Catarina
já decidiu reiteradamente que “em área
urbana não se aplicam as distâncias mínimas definidas pelo Código Florestal
entre construções e margens de rios, córregos e canais”[1].
De qualquer maneira, diante disso, só restaria a Elisa desembolsar pelo menos
R$ 3.800,00 (conforme a tabela de honorários da OAB/SC) para tentar reverter a
situação por meio de um mandado de segurança.
Independentemente do desfecho, são
situações como a de Elisa que evidenciam a maneira como as questões
relacionadas à preservação ambiental vêm sendo tratadas na cidade.
Construída sobre uma área recortada por
pequenos cursos de água e ocupada por vastos manguezais, Joinville desde cedo teve
sua expansão urbana associada à degradação do ambiente. Do século XIX aos dias
atuais, foi uma ideologia utilitarista, de progresso a qualquer custo, que norteou
a ocupação do solo e o desenvolvimento econômico da cidade. As indústrias mais
antigas e diversos prédios públicos gradualmente ocuparam o espaço que sempre
havia pertencido às matas ciliares, enquanto uma população em rápido
crescimento tomou o lugar da Mata Atlântica e acumulou-se em torno do mangue. O
processo de ocupação da região ocorreu de tal maneira que, passadas tantas décadas,
uma aplicação literal da legislação ambiental vigente colocaria a maior parte
dos espaços ocupados em situação irregular e inviabilizaria a própria
existência da cidade.
Diante da impossibilidade de uma reversão
completa do dano já causado, caberia ao Poder Público ao menos garantir a
observância das normas federais, estaduais e municipais de proteção ao ambiente
com a eficiência, a imparcialidade e a razoabilidade necessárias para torná-las
eficazes; deveria, sobretudo, direcionar seu rigor a quem realmente tem
oferecido riscos ao equilíbrio natural da região.
No entanto, ao invés disso, tolera, ano
após ano, o funcionamento de grandes indústrias às margens de rios e córregos; diante
das violações, aplica penalidades irrisórias quando comparadas às dimensões dos
sujeitos penalizados; no final das contas, torna a aplicação do direito
ambiental um simples custo a ser incluído na fórmula de lucratividade das
atividades nocivas ao ambiente. Quando aplica a lei em sua literalidade e com o
máximo rigor, o faz justamente com cidadãos como dona Elisa, que dispõem de
tanto potencial para causar danos ao ambiente quanto capacidade para reagir às
arbitrariedades.
Em Joinville e na maior parte do mundo, o medo
de uma possível fuga de investimentos tornou o Estado pouco mais que um refém
do capital. Nessa relação de poder invertida, os interesses a que os órgãos
governamentais procuram atender são completamente dissonantes dos da população,
vez que o modelo de desenvolvimento adotado, insustentável do ponto de vista
ambiental, é responsável, como se sabe, pelo aprofundamento das desigualdades
sociais e pela deterioração das condições de vida nas comunidades mais
vulneráveis.
Como um engodo, a aplicação de normas ambientais
em Joinville mostra-se intransigente contra os pequenos, branda contra os
grandes, excessiva nos pontos em que é desnecessária e omissa naquilo em que é
imprescindível.
[1] TJSC, Agravo de Instrumento n. 2014.006221-6, de
Criciúma, rel. Des. Cid Goulart, j. 03-03-2015
Maternagem consciente para quem?
POR EMANUELLE CARVALHO
Há alguns anos, muito tem se falado em maternidade consciente, maternagem e criação de filhos com afeto. Entre as temáticas está a diminuição de horas trabalhadas para cuidado com as crianças, da permanência em casa e o distanciamento do trabalho até que a criança consiga fazer tarefas mínimas como comer e ir ao banheiro.
Essas premissas são de fato muito importantes e possibilitam uma criação com apego, aumentam o diálogo a ligação da mãe com a criança, o conhecimento mútuo, enfim, são muitos os benefícios. Mas o que eu quero pontuar aqui é o privilégios dessas possibilidades.
Em uma sociedade racista e machista ter um filho com a presença do pai é um grande privilégio. Segundo dados do censo IBGE de 2010, uma em cada quatro famílias é chefiada por mulheres. Como não há dados específicos sobre essas famílias, a perspectiva de vários especialistas é de que essas famílias são, em sua maioria, de mães que criam seus filhos sozinhas, com pouca ou nenhuma ajuda do pai(s) de seu(s) filhos.
E se vivemos numa sociedade que remunera suas mulheres com salários até três vezes menores que os homens - nas respectivas funções, tendo em vista que o salário das mulheres negras é em média 35% do salário de um homem branco (no caso de mulheres brancas essa média é de 63%). Como garantir que essas mães conseguiram exercer seu direito de maternidade de forma plena ou minimamente digna?
Além disso, o mercado de trabalho para mulheres é cruel, especialmente para mulheres periféricas com baixa qualificação. Para estas sobram as vagas de operadoras de telemarketing, vendedoras, atendentes além de serviços de limpeza e higiene. Essas áreas de um modo geral pedem dedicação de seis dias por semana. Ora, como trabalhar seis dias por semana, de seis horas por dia (fora o deslocamento) e ainda cuidar da casa, dar educação, fazer comida e ainda se virar com lazer, carinho, cuidados pessoais e sua própria vida enquanto mulher?
Tive meu primeiro filho aos 19 anos, em uma condição econômica bem complicada. Cheguei a ter três empregos ao mesmo tempo, entregar listas telefônicas e trabalhar como atendente de telemarketing de madrugada para conseguir ajudar no seu sustento. Fui fazer faculdade somente aos 22 anos, depois que ele tinha o mínimo de independência e eu podia me dar ao luxo de reduzir os empregos ou estágios para dois.
A lida entre faculdade e filhos só foi possível por ter ao meu lado minha mãe, que se dividia entre trabalhar em uma cozinha industrial como servente, e cuidar de uma criança pequena. Eu, além dos trabalhos da faculdade, das tarefas nos empregos, de cuidar do meu filho, ainda tinha de passar, lavar e cozinhar. Mesmo assim, eu fui uma privilegiada e hoje vivo uma vida muito mais confortável e diferente daquela.
Mas quantas de nós não tem o mesmo acesso? Quantas de nós mal conseguem sustentar a própria casa? Quantas de nós permanecem em um casamento desgastado, difícil e violento justamente porque nossas remunerações e tempo disponíveis seriam ainda mais escassos e não daríamos conta de uma subsistência mínima? Quem consegue pedir o divórcio sabendo que aos filhos e a si mesma restará o abandono e uma vida ainda mais difícil?
A sociedade cobra da mulher proletária uma postura muito superior à cobrada a um homem trabalhador e a mulher classe média. Além da tripla jornada de trabalho (casa, empregos e filhos) ainda temos como obrigação, o dever moral de afeto de prontidão, de compreensão, de estarmos bonitas e sermos bem sucedidas.
Há uma distância inimaginável entre uma mulher classe média e uma mulher periférica. Há um casamento estável, uma família estável, um carro, comida com fartura, roupas novas, brinquedos novos, há educação de qualidade, há estabilidade emocional. Eu não estou dizendo que a vida de mulheres classe média não seja o tempo todo vigiada pelo machismo e a misoginia, e seja também muito difícil, mas é preciso fazer o recorte de classe.
É preciso aproximar os discursos das realidades. É preciso lutar para modificar essas realidades e empoderar essas mulheres antes de julgarmos seu tempo, dedicação e modo de cuidar dos filhos.
quinta-feira, 2 de julho de 2015
Encontro com o ser humano
POR PATRÍCIA STAHL GAGLIOTI
Dia desses, andava pelo centro de Joinville por volta das 8 horas, quando fui abordada por um ambulante que carregava, em seu ombro, um mostruário daqueles em que se pendura bijuterias para vender nas esquinas da cidade. Ele olhou para mim e, sem muita razão, me perguntou: “Você prefere a verdade ou a mentira?”. Titubeei um pouco ao responder, mas disse: “A verdade”. À minha resposta, lançou-me então sua verdade: “Faltam R$ 2,50 para eu tomar minha cachaça, você me arruma?”.
Talvez pela minha inabilidade de negar algumas coisas, ou talvez por crer que não tenho condição nenhuma de julgar as necessidades daqueles que perambulam pelas ruas, atravessei em direção à outra calçada e fui trocar dinheiro para que o rapaz comprasse sua dose de cachaça. Como recompensa, enquanto eu iria em busca dos seus R$ 2,50, ele sacou um arame dos seus materiais e começou a confeccionar uma clave de sol, uma retribuição por eu ser uma “pessoa legal”, em suas palavras.
Com os R$ 2,50 em mãos, fui em sua direção e trocamos o artesanato pelo dinheiro. O rapaz olhou para mim – se Machado de Assis estivesse ao meu lado, talvez tivesse dito que seus olhos eram como os de Capitu, olhos de ressaca – e soltou mais uma de suas perguntas: “Olhe para as minhas mãos cheias de calo. Você acha que esse dinheiro paga esta peça que eu lhe fiz?”. “Bem, eu não sei quanto custa esta peça, mas foi você quem me pediu R$ 2,50”, respondi. “Eu não quero mais ficar na rua, quero ir embora desta cidade”, continuou.
O calo nas mãos daquele rapaz e sua indagação séria sobre o valor de seu trabalho, feita assim às 8 horas de um dia que se anunciava ensolarado, de alguma forma me tocou. Fiquei pensando, minutos depois enquanto caminhava rumo ao meu trabalho, o quanto menosprezamos o trabalho que realizam, o estilo de vida nômade que alguns escolheram para si, seus calos.
Talvez porque somos aqueles inseridos numa lógica de trabalho atrelada à rotina, ao sacrifício, acostumados a “engolir sapos” e “pastar” para “sermos alguém na vida”. E sermos alguém na vida se traduz em tudo aquilo que pode ser materializado, comprado, medido, contado e exposto aos olhos alheios em postagens nas redes sociais.
Max Weber há muito já falava sobre a característica peculiar do sistema capitalista moderno, no qual se desenvolveu uma ética própria, um modo de vida fundamentado no trabalho e na prosperidade financeira. “O homem é dominado pela produção de dinheiro, pela aquisição encarada como finalidade última da sua vida. A aquisição econômica não mais está subordinada ao homem como meio de satisfazer suas necessidades materiais”.
Weber também nos disse que “ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é resultado e expressão de virtude e de eficiência em uma vocação”. Mas que vocação seria a do ambulante que me abordou naquele dia na região central da cidade? A de confeccionar claves de sol, brincos e colares de quando em quando, percorrendo diferentes regiões do Brasil e da América Latina?
Parece que também não basta ter vocação para moldar o arame a seu favor e lhe dar a forma que desejar, a não ser que este seja um trabalho mecânico realizado dentro de uma fábrica, na qual se passa oito horas por dia e na qual os homens que ali trabalham podem ser merecidamente chamados de trabalhadores. Dobrar arame nas ruas centrais parece não contar. Assim como não conta fazer malabares no semáforo, ou cuspir fogo em uma apresentação de segundos para faturar trocados dos carros parados.
E não conta porque além de sermos enquadrados em um determinado sistema de trabalho do qual estamos acostumados, somos extremamente utilitaristas. Se em nada me contribuiu ou de nada me vale as bolas rodando pelo ar antes de retornarem às mãos do malabarista, por que teria de pagá-lo por isso? Cada um com suas escolhas e com a aplicação de seu dinheiro que melhor lhe convir, mas já diria Rubem Braga, nos idos dos anos 1952: “A humanidade não vive apenas de carne, alface e motores”. O que não significa que se deva pagar por isso caso não queira, mas que a gente possa ter um olhar mais apreciativo para as coisas, causos e outros.
O fato é que depois de me pedir uma passagem para outra cidade e de eu negar-lhe por não ter verba para isso, o ambulante sorriu, me deu um abraço desejando bom dia e seguiu seu caminho. Os minutos que conversei com ele, antes de sentar na minha mesa de trabalho e desempenhar minha função costumeira – por vezes de forma mecânica – encheu meu dia de humanidade, de calo, abraços e histórias. De pessoas.
Para finalizar com Braga: “Sejamos humildes diante da pessoa humana: o grande homem do Brasil de amanhã pode descender de um clandestino que neste momento está saltando assustado na praça Mauá, e não sabe onde ir, nem o que fazer. Façamos uma política de imigração sábia, perfeita, materialista: mas deixemos uma pequena margem aos inúteis e aos vagabundos, às aventureiras e aos tontos porque dentro de algum deles como sorte grande da fantástica loteria humana, pode vir a nossa redenção, a nossa glória”.
Bom dia, Sudão
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
UM ENQUADRAMENTO – A idade penal em Portugal é 16
anos. Há uma tendência na sociedade – políticos, juristas, militantes das
causas civis – no sentido do aumento para 18 anos. A proposta tem a curta oposição
de alguns democratas cristãos (?), que pretendem reduzir para 14 anos. No
entanto, é um tema que não desperta discussões e passa praticamente
despercebido pela maioria da população.
Por que usar o exemplo de Portugal? Porque é
um dos poucos países da Europa onde os conservadores conseguiram impor a
redução. Há uma salvaguarda. Um regime especial prevê a separação dos
delinquentes jovens, entre os 16 e 21 anos, dos demais reclusos. A preocupação
é evitar que a prisão se transforme numa “escola do crime”. Mas por que o tema
não mobiliza a sociedade? Porque daí não vem grande mal ao mundo.
Há muitas respostas possíveis, mas vou pôr o
foco numa delas. Um adolescente português com 16 anos de idade já tem pelo
menos 10 anos de escolaridade. Em Portugal, a escolaridade é obrigatória até ao
12º ano (segundo grau no Brasil), o que implica numa permanência na escola até
aos 18 anos. Os jovens são protegidos pelo Estado, que é obrigado a prover o direito
à educação. É apenas um fator, mas faz enorme diferença.
Primeiro veio a educação e a proteção, o que tornou a punição quase desnecessária. Isso explica o fato de ser um não-assunto das sociedades mais desenvolvidas.
Primeiro veio a educação e a proteção, o que tornou a punição quase desnecessária. Isso explica o fato de ser um não-assunto das sociedades mais desenvolvidas.
BANDOLEIROS DO SUDÃO – No Brasil é o
contrário. Em vez de falar em educação, opta-se pela punição. Mais do que isso,
opta-se por uma vingança contra um alvo que, para complicar, é um alvo errado,
como denunciam as estatísticas. Mas não interessa debater a redução da idade
penal. O tema foi esquadrinhado nos últimos meses e os argumentos foram levados
à exaustão. A questão é apodrecimento moral do Brasil.
O país caminha perigosamente para o
obscurantismo e parece determinado a se tornar um enorme Sudão. O vergonhoso
processo de aprovação, conduzido por Eduardo Cunha e coadjuvado por um bando de
deputados mercadores (num dia dizem uma coisa e poucas horas depois recusam a
própria palavra), é exemplo claro disso. O Congresso Nacional parece ter se tornado uma terra de bandoleiros da ética.
A incipiente democracia brasileira está cada
vez mais insipiente. Em nenhuma sociedade desenvolvida – e estou a falar de
democracias mais maduras – o povo admitiria que um dos seus máximos representantes
protagonizasse golpes contra democracia, como faz Eduardo Cunha, com desassombro. O pior? É contar com o apoio da populaça, que embarca alegre no conto do vigário (no caso pastor) e do
discurso fácil do ódio.
Eis o fato: no que se refere à democracia, em
apenas seis meses o atual Congresso Nacional conseguiu fazer o país retroceder
a níveis inimaginados até pelos mais pessimistas. É mau demais. O fascismo
espreita.
É a dança da chuva.
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