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segunda-feira, 4 de junho de 2018

A greve dos caminhoneiros pôs o país de joelhos. E agora?


POR JORDI CASTAN
Não há como não comentar a greve dos caminhoneiros, seu desenvolvimento, seus impactos e os aprendizados a tirar dela. Comentar o que foi, o que não foi ou, melhor ainda, o que poderia ter sido e não foi.

Primeiro, não foi surpresa. Se alguém no governo - ou nos governos - diz ter sido pego de surpresa ou mente ou achou que não ia dar em nada, como quase tudo neste Brasil. Não foi falta de aviso. O setor de transporte rodoviário vive, desde faz tempo, numa crise que só tem se agravado. Cresceu - e muito - na onda dos preços controlados pelo governo e no crédito fácil que estimulou o consumo e levou ao aumento da frota além do necessário. Se agigantou na falta de infraestrutura adequada e disparou de vez quando a Petrobras passou a praticar preços de mercado. E acabou o sonho.

Um frete rodoviário de Natal a São Paulo custa aproximadamente R$ 16.000, dos quais quase R$ 13.000 são para pagar o óleo diesel, outros R$ 1.200 para pedágios, o resto para pagar o desgaste de pneus, manutenção, salário e despesas. E ainda falta remunerar o investimento. As contas só saem mesmo para quem não tem contato com o Brasil real.

É evidente que essa bomba estouraria mais cedo ou mais tarde. Estourou por conta do preço do óleo diesel e quando os caminhoneiros receberam o apoio da população. Porque é importante lembrar que, antes que aparecessem os oportunistas de sempre, a maioria da população apoiou a greve. Depois aos poucos o movimento foi perdendo foco. Ou talvez ganhando foco, até porque o foco era o preço do diesel e dos pedágios. E na medida em que o governo, tardiamente e devagar demais, atendeu as reivindicações dos grevistas, o brasileiro percebeu que de novo seria ele quem teria que pagar a conta. E neste ponto o apoio começou a arrefecer.

O resultado é que o governo não mexeu onde deveria. Todos vamos pagar o subsídio concedido aos caminhoneiros e ,já sabemos, que este modelo de subsídios pontuais a determinadas categorias em detrimento de outras, não resolve o problema, que fica só postergado. O Brasil precisa cortar na carne. Precisa cortar o número de carros oficiais, os supersalários - acima do limite constitucional -, os benefícios ilegais e imorais. Precisa reduzir as estruturas inchadas e ineficientes, cortar os R$ 28.000.000 que custa por dia o Congresso Nacional. Precisa cortar a carga tributária.

E não só não o fez, como escolheu cortar na saúde, na educação e na desoneração das exportações. Sem reduzir o tamanho do Estado, o Brasil não tem solução. O gasto público está fora de controle e o que poderia ter sido o início de um movimento para reduzir o tamanho do estado e cortar o gasto público acabou sendo só uma greve por R$ 0,46.

O Brasil segue deitado eternamente em berço esplendido. Quanto maior for o governo, menor será o cidadão. A greve expôs a fragilidade de um país que não tem nem governantes, lideranças e nem a infraestrutura capazes de enfrentar os problemas de frente e resolvê-los. O alerta está dado. O Brasil é um gigante com pés de barro. Se houver uma próxima greve, porque não devemos nos surpreender se tivermos outra a curto prazo, que seja geral, mais longa e com o apoio de todos, não haverá governo que resista. Um grupo de caminhoneiros usando WhatsApp colocou o país de joelho. É bom não esquecer.

Em tempo: tanto Santa Catarina como Joinville foram um péssimo exemplo de como lidar com uma greve. O governador e o prefeito agiram tarde e mal. Não estavam preparados para lidar com a gravidade da situação. Foram mal assessorados e não tiveram à altura da responsabilidade necessária.



quarta-feira, 30 de maio de 2018

Algumas lições da greve


POR CLÓVIS GRUNER
Filme de estreia do então desconhecido Steven Spielberg, “Encurralado”, de 1971, narra a história de David, um motorista perseguido por um caminhoneiro obcecado por assassiná-lo. A identidade do caminhoneiro não é revelada e não sabemos nem mesmo quais suas motivações. A trama, econômica, se resume ao confronto desigual entre um indivíduo débil e encurralado e seu implacável e desconhecido perseguidor.

Há algo de divertido, apesar da seriedade do assunto, em imaginar o telefilme que lançou Spielberg em Hollywood como uma espécie de alegoria da greve dos caminhoneiros, que nos últimos dias parece caminhar para seu fim. Como no filme, os trabalhadores em greve encurralaram um governo débil, e souberam aproveitar a fragilidade de um presidente não apenas inepto, mas cuja legitimidade, colocada à prova, revelou-se inexistente.

Apesar dos inúmeros contratempos gerados pela paralisação, o apoio de parcelas significativas da população foi decisivo para colocar Temer de joelhos. Igualmente, ninguém até agora parece preocupado com os possíveis desdobramentos das medidas anunciadas pelo presidente para colocar fim à paralisação, ainda que, mesmo instintivamente, saibamos que junto com os benefícios concedidos à categoria, o governo fez a alegria das grandes transportadoras e de oportunistas como Emílio Dalçoquio.

Há algumas lições a se tirar desses últimos dias. A paralisação escancarou as péssimas condições de trabalho dos caminhoneiros, uma das categorias profissionais mais precarizadas do país. Além disso, revelou nossa dependência do transporte rodoviário, fruto do desmonte das ferrovias iniciada pelo desenvolvimentista Juscelino Kubitschek, amplamente aprofundada pelos governos militares em conluio principalmente com empreiteiras, e continuada pelos governos civis.

Provavelmente nenhuma das duas situações mudará com a greve, entre outras coisas, porque pouca gente parece particularmente atenta a elas. As principais demandas da categoria – a diminuição do preço do diesel e o não pagamento do pedágio sobre eixos suspensos –, ainda que legítimas e necessárias, são bastante pontuais e não incidem, diretamente, sobre as condições precárias de trabalho e tampouco tocam no quase exclusivismo do transporte rodoviário.

Mal estar e oportunismo – Igualmente, o apoio popular ao movimento repercute, em grande medida, o mal estar reinante no país desde há alguns anos. Sintoma disso é a avaliação ingênua e sem sustentação empírica de que estamos pagando o preço da corrupção, quando não faltam evidências técnicas de que a crise foi gerada, principalmente, pela política de preços praticada pelo atual governo.

A relação equivocada entre a greve, a corrupção na Petrobras e a Lava Jato foi o combustível – com o perdão do trocadilho – que alimentou, de um lado, as manifestações legítimas de apoio aos caminhoneiros. Mas, de outro, serviu ao oportunismo de uma direita reacionária que encontrou, em meio a um movimento caracterizado pela ausência de lideranças centralizadas e institucionais, a brecha para levar às ruas, uma vez mais, os apelos golpistas por uma “intervenção militar”, eufemismo que, por ignorância ou má fé, tem servido aqueles que imaginam, como visão de futuro, uma bota pisando um rosto humano para sempre.

A esquerda tem sua cota de responsabilidade nesse quadro lamentável. Enquanto o país flertava com o caos, o PT preferiu lançar oficialmente a candidatura de Lula à presidência. Nas redes sociais abundaram demonstrações explícitas de ressentimento, com militantes comemorando o revés dos caminhoneiros por conta de sua participação, em 2016, no movimento pelo impeachment de Dilma Rousseff, além de especialistas a afirmar que estávamos ante um lockout patronal, desconsiderando a enorme diversidade do movimento, ao mesmo tempo em que o acusava de ilegítimo.

É verdade que uma parte da esquerda optou, acertadamente, por apoiar a greve, mas o fez um pouco tarde. Quando lideranças como Guilherme Boulos ou militantes do MST, vieram a público manifestar seu apoio aos caminhoneiros, a imagem do movimento estava fortemente ligada à direita reacionária. A esquerda perdeu, mais uma vez, a batalha narrativa. E perdeu, entre outras razões, porque boa parte dela tem sido incapaz de perceber que a “politização” não é mais aquilo que ela acredita ser – isso se algum dia o foi.

Ao preferir não disputar politicamente uma categoria por considerá-la “despolitizada”, a esquerda, enfim, permitiu que o protagonismo do movimento fosse tomado de assalto por grupos antidemocráticos. Obviamente, ninguém esperava uma “revolução caminhoneira”. Mas tampouco precisávamos que, das fileiras de caminhões à beira da estrada, ressurgisse com tamanha força a sanha autoritária dos golpistas.