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terça-feira, 2 de junho de 2015

Brasil? Malta? Dinamarca? A xenofobia é a mesma

Joe Sacco, "The Unwanted", página 2:
O dilema da imigração em Malta é
o mesmo que aqui.

POR PEDRO H. LEAL

Em 2009, o jornalista maltês Joe Sacco, em parceria com o The Guardian e a Virginia Quarterly Review, publicou uma HQ de 48 páginas, “The Unwanted”, lidando com as condições de vida e a reação aos imigrantes africanos no pequeno país do Mediterrâneo. Recomendo a leitura: é uma peça bastante reveladora a respeito de imigração, refugiados e especialmente xenofobia, que se torna bastante relevante no cenário atual.

Após mais uma onda de imigrantes haitianos, a xenofobia novamente está em alta em Santa Catarina. O discurso, o mesmo dos malteses: eles estão “tomando nossos empregos”; “vão trazer crime e desordem” e “estão destruindo nossa identidade”. Alegam que eles “vão ter um monte de filhos largados ao deus dará” para viver de benefícios. Isso quando não insinuam que vieram para dar algum tipo de golpe de estado.


Enquanto empregadores usam e abusam da mão de obra migrante mais barata (para não ter que pagar direitos trabalhistas), os migrantes que são os “culpados” por serem explorados. Qualquer crime cometido (ou atribuído) a imigrantes se torna prova definitiva do caráter nefasto desses “estrangeiros” e prova de que devem ser banidos de imediato.

Se engana quem pensa que seja um fenômeno isolado. O misto de temor, asco e ódio por imigrantes abunda pelo globo, se apresentando de formas variadas. Partidos nacionalistas tem ganho força ano a ano junto com movimentos anti imigração e de “defesa das identidades nacionais”, muitos dos quais flertam com o neo-nazismo (quando não o são abertamente, como a AWB na África do Sul).

Na Dinamarca, onde morei por um ano, há um bizarro misto de extrema abertura quanto a xenofobia, e completa negação de que ela exista. Enquanto politicas estatais visam a inclusão de imigrantes (e a cidade de Aarhus tem um excelente programa de “desradicalização” de fundamentalistas), a atitude popular é outra. Imigrantes romenos são rotineiramente barrados em bares e casas noturnas; comentários hostis a imigrantes árabes e africanos são comuns. Em uma entrevista de emprego, foi me respondido com “preferimos não contratar latinos”. Em outro incidente, junto de três mulheres africanas e dois homens do leste europeu, fui expulso de um ônibus por três jovens embriagados, aos berros de “esse ônibus é só para dinamarqueses”. Mas, oficialmente, a descriminação não existe, mesmo sendo extremamente evidente.


Aqui em Swansea, segunda maior cidade de Gales, esse tipo de loucura parece ter seu lugar: o alvo do ódio, em geral os poloneses e os árabes. Comentários acusando os “poles” (Polacos) de serem “bandidos” e “parasitas” são recorrentes no maior jornal da região, o South Wales Evening Post - mesmo quando a história não os envolve. Nas proximidades da mesquita de Swansea, é ocasional ver pessoas bradando mensagens de ódio contra os “infiéis”, mas ao contrário do que o senso comum possa ditar, não são os muçulmanos a berrar. Os “infiéis” e “hereges” que tem que “temer” nesse caso são os imigrantes árabes e africanos que vivem nas redondezas.

A Europa abunda em xenofobia. Por todo o Reino Unido, grupos como a UKIP e Britain First ganham destaque - nas ultimas eleições, a UKIP teve espantosos 3,8 milhões de votos, 12,6% dos votos. Na França, o papel de difundir o ódio contra imigrantes e estrangeiros cabe à Frente Nacional, de Jean-Marie Le Pen (que disse que a solução para a imigração era “uma visita do senhor Ebola”). Na Alemanha, o boi se chama Pegida. Na Espanha, grupos como Democracia Nacional, España 2000 e Plataforma per Catalunya vivem do discurso de “proteção da identidade nacional” e “Espanha para espanhóis” (ou Catalunha para catalões).

Entre as vítimas recorrentes de descriminação, destacam-se os ciganos, árabes, africanos e latinos. No caso dos primeiros, o preconceito ainda é visto oficialmente como justificado. Enquanto crimes cometidos por estas minorias são desproporcionalmente repercutidos, quando são vitimas costumam ser ignoradas e muitos ataques são “justificados” como “vingança”. Entre Dezembro de 2014 e janeiro deste ano, três mesquitas foram alvo de incêndios na Suécia. Após o ataque a revista Charlie Hebdo, no começo do ano, mesquitas foram alvo de ataques com granadas, e lojas de kebab foram explodidas. Em 2011, após uma garota declarar ter sido estuprada por ciganos, um acampamento cigano em Turim foi incendiado - pouco depois, a garota disse ter inventado a história, mas muitos ainda viram o ataque como “justo”.

É de se perguntar a que grau chega a violência contra imigrantes no Brasil, dado que não é noticiado. O que dá para saber é que nossos xenófobos não primam pelo conhecimento geográfico. No auge da histeria quanto ao Ebola, corria pelas redes sociais a “notícia” de que os imigrantes do Haiti, um país caribenho, trariam a doença para o Brasil. Doença típica do continente africano. Mais recentemente, alguns comentaristas exaltados se preocupavam com a possibilidade de militantes do Boko Haram (uma milícia extremista islâmica da África Subsaariana) estarem entre os haitianos, ignorando que o Haiti é um país de imensa maioria católica e não fica na Africa.

De forma similar, os refugiados de zonas de conflito no oriente médio e na África são acusados de serem parte dos grupos do qual estão fugindo. Enquanto isso, na África do Sul, uma onda de violência contra imigrantes vindos do Zimbábue e de Moçambique tem tomado o país e imigrantes tem sido forçados a se isolar em campos de refugiados. Para os xenófobos da África do Sul, os imigrantes do norte são “violentos, incultos, e só querem viver das benesses do estado”. Soa familiar?