quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

David, o cabeçudo de Michelangelo


POR ANA MELO

O David de Michelangelo é uma das esculturas mais famosas de todos os tempos. E uma das obras de arte mais reconhecidas de sempre, mesmo por aqueles que têm alergia aos museus. A estátua, imponentíssima nos seus 4,5 metros, tem histórias para contar.

Uma delas é que os superstars do Renascimento, o próprio Michelangelo e Leonardo Da Vinci, andaram na briga por causa da grande pedra de mármore de que é feito este David. Diz a lenda que os dois mestres cobiçaram a pedra, um magnífico mármore vindo de Carrara, uma das jazidas mais famosas de Itália. A pedra já tinha começado a ser trabalhada por outro escultor que, falhando miseravelmente em conseguir acomodar uma figura dentro de um bloco tão vertical, abandonou a obra. Michelangeloo, por seu lado, depois de medições e estudos, libertou o seu David do mármore.

Outra curiosidade é o facto da escultura, nascida das mãos de um dos maiores virtuosos do desenho e da escultura ocidental, ter proporções erradas. É uma peça muito alta e o artista sabia que as pessoas a iam observar de baixo para cima. Por isso, já a pensar no espectador, esculpiu o corpo do jovem David propositadamente desproporcional. Uma observação mais atenta da imagem faz perceber que a cabeça é muito maior do que seria a de uma pessoa normal e que as dimensões das pernas e dos pés são desproporcionadas em relação ao tronco. Com estes erros calculados em função da deformação causada pela perspectiva, o artista assegurava que a vista de baixo seria a de um corpo perfeito, na melhor tradição renascentista da harmonia e racionalidade das formas.


Ainda há outro pormenor interessante. Alguns estudiosos falam insistência do escultor de colocar a estátua na Piazza della Signora, em Florença. A obra ficava assim em frente ao Palácio Vecchio, a sede do governo de Florença da altura, e acessível a todos os cidadãos da República. A vontade de Michelangelo de democratizar o acesso à arte é uma explicação para esta insistência. Outra, referida por alguns historiadores, é que seria uma resposta à “Fogueira das Vaidades”, de Savonarola, o inquisidor que em 1498 tinha feito queimar, nessa mesma praça, livros, telas, instrumentos de música e outros “luxos” dos fiorentinos.

Ah... não sei o que o leitor já tinha conseguido fazer na vida aos 26 anos, mas Michelangelo se divertiu a fazer este David. Coisa de principiantes...

Ana Melo é licenciada pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa e mestre em Ciências da Comunicação

3 comentários:

  1. Belo texto.

    Já estudei a vida de Leonardo e li que foi ele, Leonardo, que havia iniciado os trabalhos com o grande bloco de mármore de Carrara.

    Contudo, Leonardo, como de costume, demorou (sempre demorava) demais para concluir o trabalho, e o mandatário do serviço tirou Da Vince e em seu lugar colocou Michelangelo para dar continuidade no trabalho, que ainda era praticamente a pedra bruta.

    ResponderExcluir
  2. É de facto uma escultura magnífica que já tive a oportunidade de ver ao vivo.
    Por vezes lemos muito sobre determinadas obras e vemos imensas fotografias e depois ao ver ao vivo ficamos um pouco desapontados. No caso de David foi exactamente o contrário. Fiquei imenso tempo a observá-la, e a estudá-la, pois é de facto impressionante.
    Neste momento a que está em frente ao Palácio Vecchio, é uma cópia. A original está na na Academia de Belas Artes de Florença.

    ResponderExcluir
  3. Já vi as original e a cópia, e não percebi diferença entre elas.

    Mas ao lado da cópia, (uns 50 metros) a escultura mais impressionante que vi em minha vida: O Rapto das Sabinas.

    Como leigo, não entendo como esta, ao invés de David, não é a grande obra de todas.

    http://olhares.uol.com.br/rapto_das_sabinas_foto1735127.html

    ResponderExcluir

O comentário não representa a opinião do blog; a responsabilidade é do autor da mensagem