sábado, 17 de junho de 2023

Brasileiros em Portugal: o quartinho da empregada

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Um jornal português anuncia que “mais de 250 mil brasileiros compraram casa em Portugal”. Mais do que isso, os investidores do patropi continuam a representar o principal filão estrangeiro para o mercado português do setor. E com destaque para um fator,  porque estamos a falar do mercado imobiliário de luxo.

É natural que essa tendência tenha provocado algumas mudanças, mesmo culturais, em Portugal. O dinheiro manda. Para satisfazer os brasileiros endinheirados, algumas construtoras começaram repensar as plantas dos imóveis para introduzir um espaço específico: o quartinho da empregada. A ideia tinha desaparecido em Portugal.

Há poucas expressões mais odiáveis do que “quartinho da empregada”. Porque é a extensão moderna da senzala de Gilberto Freyre. Na época colonial era um espaço de exploração e submissão, onde os escravos viviam em condições precárias. O "quartinho da empregada" parece ser uma repaginação dessa situação.

É cultural. Os escravos de ontem parecem ter sido substituídos pelos pobres e periféricos de hoje. E há que juntar o cheiro do patriarcado, uma vez que é raro (ou mesmo impossível) ouvir a expressão "quartinho do empregado". A casa grande patriarcal sempre aceitou a presença das mulheres, mas não dos homens.

Enfim, o quartinho da empregada é um espaço de segregação social e econômica, como era a senzala. É palco de desigualdades e relações de poder presentes na sociedade brasileira em diferentes momentos históricos. Afinal, para os endinheirados brasileiros a riqueza só faz sentido se houver pobres por perto.

Sociologias à parte, não resisto a um comentário em linguagem mais chã: essa gente vota Bolsonaro e foge para Portugal, um país neste momento governado por socialistas. Aliás, convém dizer que para os portugueses o Partido Socialista é de centro esquerda com algumas decaídas neoliberais. E, mesmo assim, no Brasil seriam considerados malfeitores comunistas do piorio.

Em tempo: as expressões "elevador social" e "elevador de serviço" também são abjetas na sua aplicação concreta.

É a dança da chuva.



quarta-feira, 14 de junho de 2023

Os vereadores de Joinville estão com tempo de sobra?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O melhor lugar do mundo para trabalhar deve ser a Câmara de Vereadores de Joinville. E a melhor função (tenho dúvidas se chamo “trabalho”) deve ser a de vereador. Porque, ao que parece, eles têm tempo de sobra. Afinal, é preciso "estar de varde" (expressão que aprendi em Joinville) para mandar pelo ralo o tempo que, vale lembrar, é pago pelos cidadãos.

Vejam só a utilidade desta ação. Leio, no pouco que resta da imprensa na cidade, que a Câmara de Vereadores aprovou uma moção, dirigida ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para que encaminhe a denúncia que pede a abertura do processo de impeachment do presidente Lula. E pronto. Joinville está salva. Depois desta ação, a qualidade de vida dos joinvilenses está garantida.

O documento, apresentado pelo vereador Willian Tonezi, teve onze votos favoráveis e um previsível voto contra da vereadora Ana Lucia Martins, do Partido dos Trabalhadores. Aliás, o quórum foi tão baixo porque os demais vereadores não estavam por lá. A acusação feita na moção é de ingovernabilidade e também a condenação de algumas falas do presidente.

Gênios. Depois da hecatombe que foi o governo Bolsonaro, nos últimos quatro anos, agora é que eles enxergam “ingovernabilidade”. E foi preciso esperar apenas cinco meses. Ora, as pessoas têm direito às suas opiniões, mas não aos próprios fatos. Porque a realidade está dando o drible da vaca nos sujeitos. O governo Lula acumula resultados positivos. Bola no meio das canetas dos vereadores. Olé!

E já que recorro às metáforas do futebol, tenho uma sugestão para os vereadores. Enviem uma moção para os dirigentes do Brasileirão e peçam o impedimento do Botafogo na liderança do campeonato. Afinal, o técnico Luís Castro anda meio comunista. Olhem só o que ele disse: “Para mim (...) é o trabalho com dignidade e honestidade intelectual que conta”.

Huuummm... má citação. Agora vêm esses portugas com essa conversa de trabalhar.

É a dança da chuva.






segunda-feira, 12 de junho de 2023

Free Assange: Lula e a hipocrisia da democracia dos EUA

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Em mensagem no Twitter, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse estar preocupado com a ameaça da extradição, para os EUA, do jornalista Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Há poucos dias, o Tribunal Superior de Londres rejeitou o recurso do jornalista e a extradição pode estar iminente. A preocupação não deve ser apenas de Lula, mas de todas as pessoas que defendem a democracia e a liberdade de imprensa.

"Vejo com preocupação a possibilidade iminente de extradição do jornalista Julian Assange. Assange fez um importante trabalho de denúncia de ações ilegítimas de um Estado contra outro. Sua prisão vai contra a defesa da democracia e da liberdade de imprensa. É importante que todos nos mobilizemos em sua defesa", diz a nota do presidente brasileiro.

Que imputações pesam sobre o jornalista e ativista australiano nos EUA? Assange deve responder por 18 acusações de espionagem, o que inclui a violação das leis de segurança, divulgação de informações confidenciais, cumplicidade em hacking e violação de acordos diplomáticos. As condenações podem levar a uma pena de até 175 anos. As acusações são muitas, mas Assange fez o que qualquer jornalista deveria fazer: divulgar de informações de interesse público.

Convém lembrar que o historial de espionagem dos EUA não é dos mais abonatórios. É só lembrar o caso Edward Snowden e as denúncias de interceptação de comunicações da ex-presidente Dilma Rousseff e membros do governo do Brasil. A informação não teve grande impacto na opinião pública brasileira, porque o país estava a mergulhar no período de instabilidades que resultou no impeachment da presidente.

O fato é que está em jogo mais do que a liberdade de um homem. A extradição e consequente julgamento de Julian Assange é um duro golpe contra a liberdade de imprensa. Afinal, revelar abusos governamentais, como o desrespeito pelos direitos humanos e violações das leis internacionais, é obrigação de qualquer jornalista. E o caso Assange não se coaduna com a pretensão dos EUA de serem os líderes da democracia mundial.

Não é a primeira vez que Luiz Inácio Lula da Silva é duro ao falar no caso do jornalista. Há poucas semanas, na Inglaterra - país onde Assange permanece preso - durante uma coletiva, o presidente lembrou o tema. "É uma vergonha que um jornalista que denunciou a falcatrua de um Estado contra outro esteja preso e condenado a morrer em uma cadeia", atacou Luiz Inácio Lula da Silva.

É a dança da chuva



Multar é um bom negócio

POR JORDI CASTAN

A indústria da multa voltou com toda a sanha arrecadatória. Os famosos “pardais” estão sendo instalados por toda a cidade, a maioria nos pontos de “sempre”. O objetivo é um só: multar, multar e arrecadar.

Já sei que vou escutar que “é só andar na velocidade certa que não serei multado”. Que “não há indústria da multa”, que “o bolso é o órgão mais sensível do brasileiro”. Minha resposta será sempre a mesma: “Tolos, tolos, como vocês são tolos”.  Durante anos, por incompetência supina do poder público, Joinville ficou sem radares. Licitações malfeitas, até com suspeitas de direcionamento, não permitiram que o serviço continuasse funcionando.

Resultado: o número de acidentes fatais nos pontos em que os radares foram desabilitados aumentou assustadoramente. Será? Onde estão os dados? O poder público não apresentou nenhum dado, nenhum estudo, nenhuma prova que mostre que houve aumento do número de acidentes nos pontos em que os radares foram retirados. 

Será que foi porque não houve? E essa falta de provas derrubaria a narrativa em favor dos radares. O edital de fiscalização eletrônica prevê a instalação de um total de 222 pontos de fiscalização eletrônica de trânsito. Dessas, 110 são radares de 60 km/h, 60 lombadas 40 km/h e 62 semáforos com radar 60 km/h.

O poder público teria outro argumento que tampouco apresentou: a relação de acidentes graves ou fatais por bairro, rua, ponto, para justificar a localização dos novos pontos de radar. Tampouco estes dados foram apresentados, ou não estão disponíveis ou não interessa que sejam divulgados.

Vai que alguém faz o cruzamento entre acidentes e radares e verifica que uma coisa não fecha com a outra. A única divulgação feita pelo poder público foi a localização dos radares. Sem estudos, sem provas, sem outro critério técnico que o de multar. Tanto é assim que na gestão anterior alguns radares foram desligados porque multavam pouco e não eram rentáveis.

Ora, o objetivo dos radares deve ser o de aumentar a segurança, reduzir o número de acidentes graves e fatais. É essa informação a única que derrubará o discurso de que há em Joinville uma indústria da multa.

Vamos aos fatos. Joinville precisa instrumentos para gerenciar o trânsito com mais eficiência? Precisa. É sustentável um modelo de cidade em que o uso do veículo individual cresce a taxas maiores que o crescimento populacional? Evidente que não. Há uma política pública que priorize o pedestre e o ciclista? Por enquanto, há só um discurso, que não se sustenta com ações concretas.


Mas não é só andar na linha que não haverá multas e esta logica cairá por terra? Pois veja você que não é bem assim. A instalação de radares em pontos com descidas retas, sem cruzamentos, nem passagens de pedestres próximos, lugares em que de forma natural os carros aumentam ligeiramente a velocidade, não parece que tenha outro objetivo que o de multar mais.

Até poderia discorrer sobre o papel vergonhoso e covarde dos guardas de trânsito que se escondem para multar e como o cidadão a pé, como você e como eu não temos defesa. Como provar que não estava com o celular ou sem o cinto de segurança? Seria, no melhor dos casos, a minha palavra, contra a do agente. Perdeu Playboy! Sem chance de defesa para o cidadão, a indústria da multa viceja.



domingo, 11 de junho de 2023

A “esquerda” brasileira e a nostalgia da URSS

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A invasão da Ucrânia trouxe à discussão um sentimento que andava meio adormecido: a nostalgia da URSS. É um sentimento compreensível quando estamos a falar de pessoas que viveram nos antigos países soviéticos. Mas vira um elefante atrás da orelha quando esse sentimento afeta uma certa “esquerda” brasileira. Afinal, é possível sentir nostalgia de uma coisa que não se viveu?

É uma matriosca de estupidezes. Há brasileiros a acreditar que o autocrata Putin é comunista. Tolice. Desde que assumiu, ele implementou políticas econômicas liberais que promovem o capitalismo de Estado e a consolidação do poder estatal. O surgimento de uma casta de oligarcas russos, que açambarca fortunas ultrajantes, é a demonstração de que o regime pode ser tudo menos comunista.

Há também quem o considere herdeiro da antiga URSS. Mas até uma criança de seis anos sabe que as ações de política externa de Putin têm muito de imperialismo. É só lembrar a segunda guerra da Chechênia, o conflito da Ossétia do Sul, a anexação da Crimeia ou mesmo guerra na Ucrânia. Tudo isso sem falar na intervenção militar na Síria, que ainda persiste.

Enfim, essa nostalgia é apenas um samba do crioulo doido (reproduzindo expressão da música de Sérgio Porto). É preciso olhar para a etimologia da palavra. Nostalgia vem do grego “nóstos” (reencontro) e “álgos” (dor, sofrimento). Não há reencontro ou qualquer experiência pessoal de sofrimento. E ter saudades de um regime que não se viveu é apenas esquizofrenia ideológica.

É a dança da chuva.