POR CECILIA SANTOS
Se eu tivesse que explicar a alguém não familiarizado com o jargão das redes sociais o que significa a expressão “mimimi”, eu definiria como “termo usado para expressar falta de empatia”.
Há uns dias as redes sociais debateram acaloradamente se algumas marchinhas de Carnaval são racistas, e por isso devem ser evitadas, ou não. Por exemplo:
“O seu cabelo não nega, mulata, porque és mulata na cor,
Mas como a cor não pega, mulata, mulata, eu quero o seu amor”
Nós, pessoas brancas, não vemos racismo porque não passamos por algo semelhante. Ninguém vai cantar em uma canção que pode nos amar, “apesar” de sermos brancos.
Então, apesar de algumas pessoas não verem a ofensividade (óbvia) da marchinha, não vale usar o argumento de que todo mundo cantou assim a vida inteira. A sociedade deixou de fazer um monte de coisas que hoje são claramente horríveis. Além disso, existem milhares de marchinhas, sem contar as que aparecem todo ano. Ninguém vai morrer se justamente a racista não tocar neste Carnaval, certo?
Uns dias depois, viralizou o post de uma garota branca que foi supostamente repreendida por uma mulher negra por estar usando um turbante. A garota tirou o turbante para mostrar que estava careca por conta da quimioterapia para tratar um câncer. E terminou o post com um “vai ter branca usando turbante”.
Parte da militância negra manifestou-se contra o uso do turbante como apropriação cultural e houve intensas reações contrárias. Mas é bem sintomático que isso mobilize mais as pessoas do que as denúncias de assassinatos de crianças e jovens negros nas periferias e comunidades pela PM.
Eu também não entendo muito bem a questão da apropriação cultural. Acontece que eu não tenho mesmo como entender, porque não é um símbolo da cultura dominante a que eu pertenço, essa que ao longo da história tem feito de tudo para reprimir e invisibilizar outras culturas e crenças.
Se as pessoas negras alegam que o turbante é um símbolo de resistência e/ou religião, quem sou eu para dar palpite? Até porque essa conversa não é sobre mim e meus adereços de cabeça, é sobre todo um grupo de pessoas que inclusive são frequentemente hostilizadas por usar esses mesmos símbolos.
Nós, pessoas brancas, temos sempre uma resistência muito grande a reconhecer nossos privilégios e nossas atitudes de discriminação. A discussão sobre racismo nos coloca quase sempre em posição defensiva ou de ataque, mas raramente de reconhecimento. Um exemplo: somente depois de 30 anos de formada eu me dei conta de que não havia uma única pessoa negra na minha turma de faculdade. Apontei isso no Facebook e fui criticada por duas ex-colegas, que diziam que tinham se esforçado muito para cursar uma faculdade particular. Tenho certeza de que sim. O que elas não percebem é que muitas pessoas negras se esforçaram tanto ou até mais do que elas e não conseguiram chegar lá, por mil motivos sobre os quais deveríamos refletir a fim de combater esse verdadeiro apartheid social que vivemos.
Quando ouço alguém dizer que o racismo não existe e que nós somos todos humanos, penso em fazer as seguintes perguntas:
(No caso de uma mulher) Ao visitar um edifício de classe média-alta, alguém já te perguntou se você tem dia livre para faxina?*
(No caso de um homem) Você costuma ser abordado pela polícia na rua ou seguido por funcionários em estabelecimentos comerciais?
Nós, pessoas brancas, realmente não entendemos o racismo porque não passamos cotidianamente por essas situações. Mas deveríamos ouvir o incômodo dos outros, ter empatia e respeitar. E abolir essa expressão horrorosa, “mimimi”.
(*O exemplo acima é real e aconteceu algumas vezes com uma das minhas vizinhas, de 1 das 3 únicas famílias negras no meu condomínio de classe média-alta com 92 apartamentos).