POR VALDETE DAUFEMBACK
Religião e política. Embora o ditado popular diga que são temas que não se discutem, considero, indiscutivelmente, duas de minhas paixões sempre à espera de um bom debate em qualquer espaço e tempo. Talvez esta disponibilidade esteja arraigada aos valores assimilados na infância, por viver em uma comunidade herdeira de conduta moral religiosa medieval com seus ritos, obrigações, símbolos e representações do lugar destinado à alma após a passagem nesta vida terrena.
As forças poderosas destes espaços, deus e o diabo, cada qual com suas legiões, na concepção religiosa travam uma luta constante entre o bem e o mal, constituindo-se duas condições imperativas de escolha aos humanos. Mas se são apenas duas em que uma está condicionada à outra, surge a dúvida quanto ao livre arbítrio, o que já se constitui uma transgressão, indicando a satisfação do diabo e a derrota de deus.
Neste ponto, a dúvida sinalizava a encruzilhada entre a religião e a política. A mera crença perde espaço para a reflexão e a representação destes dois poderes passa a dispor nova interpretação. Significa, portanto, que deus e o diabo formam a elite, a qual decide o destino dos humanos. Como resultado tem-se a rebeldia e o desejo de participar das decisões que conduzem a sociedade, independente de crença religiosa, raça, cor e gênero. Este é um ato político mais significativo da história humana.
Da manifestação da dúvida à participação popular e a formação do Estado laico, a política consagrou o direito de expressão e de pensamento em estado de rizoma, quebrando as verdades inquestionáveis com a multiplicidade de escolhas e de identidades. A árvore de onde se acreditava originar o bem e o mal, com suas raízes milenares, depois do encontro com a ciência, com grupos étnicos, gêneros e suas possibilidades de trânsito, não se admite mais que se constitua um único pólo soberano com suas verdades acima do bem comum, da vontade democrática da convivência humana.
Quando o poder religioso, utilizando-se de traquejo político, não respeita as decisões democraticamente dispostas pela Constituição Federal (Estado laico), proporciona a quebra de confiança nos representantes eleitos para conduzir a estabilidade e harmonia social. Ao assumir uma postura autoritária de negar à sociedade o direito de se expressar para incluir nos currículos escolares temas em favor das minorias em nome da paz social por meio da compreensão da diversidade cultural, étnica e de gênero, estes representantes eleitos jogam na lata do lixo a Constituição Federal, o seu compromisso com a população e a esperada postura ética.
É cada vez mais corrente a presença de representantes políticos que, pautados em um livro que dizem sustentar a teoria da árvore do bem o do mal (a qual classifica, condena e elege valores considerados essenciais aos escolhidos), excluem do debate temas da realidade social e preferem olhar o mundo pela ótica bipolar das relações sociais e atribuir à família a responsabilidade dos conflitos resultantes da intolerância.
Este retorno da crença religiosa sobrepondo à política dentro poder legislativo constitui-se um perigo à sociedade. Abre portas para a volta da inquisição e para legitimar as agressões contra aqueles que não se enquadram nos critérios da verdade inquestionável pregado por grupos dotados de mentes odiosas em nome deus.