sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Religião e política: um debate necessário

POR VALDETE DAUFEMBACK

Religião e política. Embora o ditado popular diga que são temas que não se discutem, considero, indiscutivelmente, duas de minhas paixões sempre à espera de um bom debate em qualquer espaço e tempo. Talvez esta disponibilidade esteja arraigada aos valores assimilados na infância, por viver em uma comunidade herdeira de conduta moral religiosa medieval com seus ritos, obrigações, símbolos e representações do lugar destinado à alma após a passagem nesta vida terrena.

As forças poderosas destes espaços, deus e o diabo, cada qual com suas legiões, na concepção religiosa travam uma luta constante entre o bem e o mal, constituindo-se duas condições imperativas de escolha aos humanos. Mas se são apenas duas em que uma está condicionada à outra, surge a dúvida quanto ao livre arbítrio, o que já se constitui uma transgressão, indicando a satisfação do diabo e a derrota de deus.

Neste ponto, a dúvida sinalizava a encruzilhada entre a religião e a política. A mera crença perde espaço para a reflexão e a representação destes dois poderes passa a dispor nova interpretação. Significa, portanto, que deus e o diabo formam a elite, a qual decide o destino dos humanos. Como resultado tem-se a rebeldia e o desejo de participar das decisões que conduzem a sociedade, independente de crença religiosa, raça, cor e gênero. Este é um ato político mais significativo da história humana.

Da manifestação da dúvida à participação popular e a formação do Estado laico, a política consagrou o direito de expressão e de pensamento em estado de rizoma, quebrando as verdades inquestionáveis com a multiplicidade de escolhas e de identidades. A árvore de onde se acreditava originar o bem e o mal, com suas raízes milenares, depois do encontro com a ciência, com grupos étnicos, gêneros e suas possibilidades de trânsito, não se admite mais que se constitua um único pólo soberano com suas verdades acima do bem comum, da vontade democrática da convivência humana.

Quando o poder religioso, utilizando-se de traquejo político, não respeita as decisões democraticamente dispostas pela Constituição Federal (Estado laico), proporciona a quebra de confiança nos representantes eleitos para conduzir a estabilidade e harmonia social. Ao assumir uma postura autoritária de negar à sociedade o direito de se expressar para incluir nos currículos escolares temas em favor das minorias em nome da paz social por meio da compreensão da diversidade cultural, étnica e de gênero, estes representantes eleitos jogam na lata do lixo a Constituição Federal, o seu compromisso com a população e a esperada postura ética.

É cada vez mais corrente a presença de representantes políticos que, pautados em um livro que dizem sustentar a teoria da árvore do bem o do mal (a qual classifica, condena e elege valores considerados essenciais aos escolhidos), excluem do debate temas da realidade social e preferem olhar o mundo pela ótica bipolar das relações sociais e atribuir à família a responsabilidade dos conflitos resultantes da intolerância.

Este retorno da crença religiosa sobrepondo à política dentro poder legislativo constitui-se um perigo à sociedade. Abre portas para a volta da inquisição e para legitimar as agressões contra aqueles que não se enquadram nos critérios da verdade inquestionável pregado por grupos dotados de mentes odiosas em nome deus.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O “16 de Agosto” é para tontinhos


















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Faz algum tempo publiquei, aqui mesmo no Chuva Ácida, um texto com 10 razões para antever o fracasso do “15 de Março”. Foi na mouche. Não vou repetir a fórmula do decálogo, mas estou muito à vontade para prever que o “16 de Agosto” será outro fracasso. E ainda pior que o anterior. Por todas as razões enumeradas em março e por algumas recentes que fazem muita diferença. O que mudou de lá para cá?

Há alterações no xadrez político. Os donos do capital saíram a campo para afirmar que esperam bom senso e equilíbrio. Uma nota conjunta assinada por Paulo Skaf, presidente da FIESP, e Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente da FIRJAN, afirma que “o momento é de responsabilidade, diálogo e ação para preservar a estabilidade institucional do Brasil”. Os empresários temem o caos e enviaram o sinal: tomem juízo.

E mais. Também parece haver uma mudança no comportamento da velha mídia, que entrou em processo mitótico. De um lado, os veículos que acreditam ter viabilidade econômica, como a Globo e a Folha, que parecem rever as suas posições*. A lógica é simples: a instabilidade política contagia a economia e ninguém ganha com isso. Outros, que estão a um passo do abismo financeiro, como a Veja, apostam no caos pois só podem sobreviver em ambientes mais lassos.

Com a posição expressa pelos empresários a favor da estabilidade política, perde-se qualquer réstia de argumento. E sem o incitamento da velha mídia – todos lembramos do esforço para levar pessoas às ruas em março – o pessoal do oba-oba não será mobilizado. Ou seja, o movimento será feito apenas pelo pessoal do ódio de classe e do “quanto pior, melhor”. Em resumo: só os tontinhos  vão sair às ruas. 


Enfim, pelas razões apontadas em março (ver aqui) somadas às apresentadas hoje, só resta uma conclusão: o “16 de Agosto” será apenas um circo de ódio, irracionalidade e tonterias. Mas com menos gente ainda.

É a dança da chuva.

* Em se tratando do Globo melhor ficar com um pé atrás.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Cidades, soluções e cidadania

Ciclistas protestam e propõem ideias para melhorar o trânsito
POR FELIPE SILVEIRA

Embora eu me identifique e seja identificado como um comunista que deseja a revolução, não a espero. Não deposito minhas fichas nesta ideia e nem acho que o advento de uma vá resolver meus problemas do dia pra noite. Pelo contrário, se acontecesse, meus problemas se multiplicariam. Por outro lado, mesmo que eu não me considere um reformista, no sentido clássico, acredito que uma grande mudança só pode ocorrer devagar, etapa por etapa, um pouquinho aqui, outro ali e mais um acolá.

Um bom exemplo é o trânsito. As pessoas só vão deixar de matar umas às outras e a deixar de se matar (por estresse, doença, acidente, brigas...) a partir de diversas mudanças que levem a humanização do ato de se locomover.

Não adianta esperar, pois não vai rolar um decreto que determine a paz no trânsito. Mas outros podem acontecer, como um decreto sobre a construção de ciclovias; e outro que diminua a velocidade para 30, 40 ou 50 km/h; ou mais um sobre melhores calçadas (que estimulem o deslocamento a pé). Outras mudanças não dependem do governo, como a instalação de bons vestiários para que trabalhadores possam ir de bicicleta ao trabalho. Mudanças em outros áreas podem influenciar, como a geração de empregos nos bairros, tornando o deslocamento mais curto.

Com a saúde e a segurança pública é a mesma coisa. Não adianta pensar que contratar médicos e policiais vai resolver os problemas. É preciso transformar (humanizar!) a formação nas duas áreas. Na saúde também é preciso mudar os hábitos alimentares da sociedade, alterar a forma de produzir alimentos, gerar interesse por atividade física que desenvolva a saúde e promover ações preventivas.

A saúde da população também melhoraria muito com mudanças no trânsito, já que todos os dias chegam muitos acidentados nos hospitais, o que sobrecarrega, e muito, a fila. Dessa forma, com apenas uma mudança - a diminuição da velocidade máxima permitida, por exemplo -, haveria diminuição da fila na saúde.

A segurança pública também não se resolve com o aumento da repressão, com instalação de equipamentos (cerca elétrica, câmeras etc.) ou prisão em massa da população negra e pobre. Já a descriminalização das drogas, proposta defendida até por FHC, tem se mostrado uma ótima forma de combater a violência gerada pelo tráfico. O Uruguai e o Colorado (estado norte-americano) são bons exemplos da mudança. Justiça social, melhor distribuição de renda e educação com oportunidades também são necessárias para diminuir a violência que é movida pela busca do lucro.

Aliás, é justamente pelo combate à violência que é importante a inclusão de temas e ações sobre minorias na educação. A população LGBT, a comunidade negra, imigrantes, pessoas com deficiência, pessoas com obesidade, mulheres e outras diversidades da sociedade sofrem uma quantidade muito maior de violência em toda a sua vida, tanto física quanto psicológica. Elas apanham, são assassinadas, são preteridas em qualquer coisa que disputem por serem o que são. Estes problemas não serão resolvidos sem a inclusão da discussão na escola, na mídia, no bar com os amigos e nas famílias. Pelo visto, a Prefeitura e os vereadores de Joinville não se importam, já que não incluíram ações e discussões sobre o assunto no Plano Municipal de Educação. Saiba mais sobre o assunto no texto de Pedro Henrique Leal.

Não se trata, aqui, de dizer que as únicas possibilidades de mudança sejam as pequenas, mas de começar a ver as pequenas como parte de algo maior. Elas servem como forma de engajamento, de puxar as pessoas para as causas. E, uma vez que alguém se torna um militante de uma, dificilmente para naquela, dificilmente fecha a cabeça novamente.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Plano de Educação: um choque ideológico.

POR PEDRO LEAL

Enquanto gênero é mantido fora do plano, uma realidade
cruel é exposta por movimentos sociais. Foto por Jéssica Michels
Aconteceu: a revelia dos movimentos sociais, que julgavam o plano incompleto e que não foram ouvidos, o Plano Municipal de Educação foi aprovado pela câmara, com apenas um voto contrário. Enquanto alguns podem ver a aprovação do plano como algo positivo e vantajoso para a cidade (afinal, é um plano de educação, e quem poderia ser contra um plano de educação, não é?), a aprovação em primeira instância é um problema significativo.

Em uma cidade com 17% de negros, e em um país que acumula casos diários de machismo, homofobia e transfobia, as minorias foram deixadas de lado. Embora o estado brasileiro seja nominalmente laico, a intromissão religiosa no poder público é cada vez mais comum. E tudo isso se faz manifesto em um plano de educação que, a revelia de recomendações da ONU e da Unesco, a revelia de legislação federal, e a revelia do princípio de laicidade, deixa de fora discussões importantes sobre raça, gênero, religião e orientação sexual.

Como notou em seu pronunciamento durante a sessão a outrora colunista do Chuva Ácida Emmanuelle Carvalho, estamos em uma cidade que ignora o ensino de história e cultura africana, determinado em lei desde 2003. Do contrário: professores tem sido impedidos de lecionar a respeito das religiões de matriz africana, ante a pressão por parte de conservadores. Coisa que não ocorre apenas em Joinville. Alunos de religiões africanas estão entre as principais vítimas de discriminação religiosa no país - e a escola é onde elas se sentem mais discriminadas.

Da mesma maneira, há um forte movimento organizado para impedir a inclusão de discussões sobre discriminação sexual e identidade de gênero nas escolas, assim como para combater a discriminação religiosa. Isso porque ao buscar a igualdade de direitos e a tolerância, as escolas estariam “passando por cima de valores familiares” e “anulando a identidade da criança”. Da mesma maneira, o reconhecimento da identidade de gênero ou da orientação sexual do jovem é vista por estes como "imposição". Sua negação, "seguir a natureza". Um paradoxo onde respeitar os desejos do indivíduo é impor, e negar sua essência é "dar liberdade". Lembrando que as tentativas de "endireitar" jovens LGBT são violentas, agressivas e muitas vezes terminam por condená-los a abandonar os estudos e o convívio familiar.

Grupos conservadores veem isso como imposição de “ideologia de gênero” e “intolerância religiosa” (sim, combater a discriminação de não cristãos é intolerância religiosas para alguns). como se a presunção tradicional quanto aos papéis de gênero e a heteronormatividade imposta não fossem também ideológicos. E como se fosse um direito impor seus preconceitos e suas opiniões sobre as crianças - argumento que nos EUA já foi usado para ditar o que pode ser ensinado em aulas de ciências e história, incluindo para tentar apagar menções ao período escravocrata.

Não há tal coisa como um discurso isento de ideologia. Como já bem dizia Bakhtin, todo signo é ideológico, seu significado dado pelo contexto e por construções sociais. E por extensão, toda linguagem o é. Dessa maneira, a ideia de um discurso, um uso deliberado da linguagem, que seja isenta de preconcepções ideológicas é um completo oximoro, tal qual “água seca” ou “gelo quente”.

A aprovação do plano de educação como está, o asco contra “ideologia de gênero” e a resistência contra o reconhecimento da laicidade estatal são provas fortes do debate ideológico que nos cerca: um embate entre um status quo vigente que se julga isento de ideologias e se vê ameaçado pelas tentativas de mudar o quadro social. E que se julga “igualitário” enquanto excluí aqueles que não se encaixam dentro de sua visão de mundo. Visão de mundo que teimosamente se diz "neutra" e "natural", isenta de preconceitos. Que se enxerga como a pura verdade, sem "corrupções'.

Vários dos tópicos que foram excluídos do plano quando este foi apresentado em junho foram justificados como formas de "evitar a intolerância religiosa contra cristãos". Pois bem: se permitirmos a discriminação para evitar a "intolerância pela discordância" (que me leva a pergunta em como reconhecer pessoas trans- por seu gênero ou reconhecer os direitos de outras crenças, por exemplo, prejudica religiosos), não estamos combatendo um preconceito. Estamos colocando este um grupo acima de todos. E isso é terrível para a democracia e para o convívio social.

Que esses problemas sejam corrigidos pela Comissão de Educação -  e que esta ouça os movimentos sociais ignorados na elaboração do plano. Eu me aprofundaria mais nos problemas em específico, mas acho que essa é uma tarefa para os membros dos movimentos sociais envolvidos - mais capacitados do que eu para falar dessas questões.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Bomba atômica: e se fosse em Joinville?



Cumprem-se, nestes dias, os 70 anos do lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki.  Um momento oportuno para refletir sobre o que representou no seu momento e, principalmente, o que representaria hoje, no mundo atual, a repetição de um acontecimento como aquele.

Estima-se que há hoje no mundo capacidade nuclear para lançar 15.000 bombas atômicas, cada uma delas com capacidade muito maior que as que arrasaram as duas cidades japonesas. Não é descabido perguntar-se qual seria hoje o impacto de uma dessas bombas em qualquer cidade atual.

Para responder a esta pergunta, o historiador nuclear Alex Wellerstein, do Instituto de Tecnologia Stevens, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, desenvolveu um programa de computador denominado Nukemap, que permite visualizar o impacto que teria hoje uma explosão nuclear, em qualquer cidade atual. É possível escolher a cidade, o ponto do impacto, o tipo e a potência da bomba e avaliar o efeito da radiação, o número de mortos e feridos, a área que destruiria entre outros parâmetros.

COMO SERIA EM JOINVILLE? - Para quem tiver interesse em avaliar o impacto em Joinville com o lançamento de uma bomba nuclear, como a “Little Boy”, com 15 quilotons (1 quiloton equivale à energia libertada na explosão de 1.000 toneladas de trinitrotolueno) de potência igual à que destruiu a cidade de Hiroshima, pode visualizar o link Hiroshima é aqui, e ainda alterar os diversos parâmetros, para poder acompanhar os números que o simulador proporciona.


Se a opção fosse por uma bomba de maior potência como a B83, a maior bomba disponível no arsenal militar norte-americano e com uma potência de 1,2 megatons, ou a Topol (SS-25), a bomba padrão do arsenal russo com uma potência de 800 quilotons, será possível acompanhar a área destruída e o número de vítimas, como mostram os quadros abaixo.


Impacto de uma bomba Nuclear "Little Boy"15 qt - Hiroshima 1945


Impacto de uma bomba nuclear "Topol" 800 qt 

Enfim, é uma simulação que a ciência nos permite fazer, como vemos nas imagens. Mas fica apenas nisso: um exercício teórico. Porque, afinal, sabemos que Joinville não corre qualquer risco de ataque nuclear. Nem precisava. No caso da cidade, o mais importante seria calcular 
o impacto negativo que mais de 20 anos de más administrações locais sobre a cidade. Porque a destruição é muito grande.