quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Festival de Bizarrices que Assola o País II


POR CLÓVIS GRUNER

Fiquei meio fora do ar a semana toda. Sem tempo até pra fuçar no Facebook, alimentei secretamente a esperança de, ao colocar de volta a cara na realidade – virtual ou não – seria gratamente presenteado com algumas boas notícias. Mas nada: o noticiário continua a produzir bizarrices em escala geométrica. Tantas que precisei de um bisturi para selecionar apenas as quatro que compõem o segundo volume do meu Febiapa – o Festival de Bizarrices que Assola o País.

DO DOMÍNIO DO FATO AO DOMÍNIO DO FRETE – Com um zelo surpreendente para uma imprensa e mídias que há até alguns dias pareciam dispostas a moralizar o país, ficamos sabendo do “helicóptero de carreira” de um deputado estadual de Minas Gerais, apreendido com inacreditáveis 400 quilos de coca. Não, você não leu errado nem eu me equivoquei: não eram 400 litros de Coca, a Cola, mas quase meia tonelada do mais puro pó, aquele que não levanta poeira. O deputado se chama Gustavo Perrella e pertence a um partido recentemente criado, o Solidariedade. Ele e o pai, o senador José Perrella (PDT), são aliados do governador e presidenciável Aécio Neves, do PSDB, o que talvez explique a solidariedade – com o perdão do trocadilho – dos meios de comunicação. O deputado tratou de responsabilizar rapidamente piloto e co-piloto, afirmando nada saber sobre a carga cheirável transportada em seu helicóptero.  Aliás, o combustível da eufórica viagem foi todinho pago pela Assembleia Legislativa de Minas. Bizarro.

DURA LEX, TUDO BEM; MAS SED LEX JÁ É VANDALISMO – Flagrado como responsável por um rombo de mais de meio bilhão de reais – estimativas falam de R$ 570 milhões, aproximadamente –, o PSDB decidiu se defender. E o fez acusando o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de manipular as investigações sobre a quadrilha que, sob o comando de tucanos de altíssima plumagem, passou os últimos anos superfaturando obras no metrô paulistano. E como o ministro teria manipulado o processo? Ora, enviando provas e demais documentos do caso à Polícia Federal. Isso mesmo. Para a alta cúpula tucana, o problema não é o superfaturamento, nem a propina paga aos políticos do PSDB ou os enormes prejuízos causados aos cofres públicos de São Paulo. O problema mesmo, de verdade, é que o Ministro da Justiça fez o que se espera de um Ministro da Justiça e encaminhou documentos e provas à PF, tudo com a clara intenção de prejudicar o PSDB e desviar a atenção para a prisão dos mensaleiros, óbvio. Não deu muito certo, porque os principais veículos de informação continuam a falar muito de Dirceu e Genoíno e muito pouco da corrupção em São Paulo, numa desproporção que seria intrigante não fosse tão reveladora. Em homenagem a FHC: très bizarre.

DIVERSIDADE, DESDE QUE BEM BRANQUINHA – Como quem manda na Copa é a FIFA, e o Brasil será sede do certame em 2014, andamos um tanto submissos aos caprichos da entidade. E eles são muitos. Nessa semana, os donos da bola decidiram que Lázaro Ramos e Camila Pitanga não era o casal apropriado para apresentar a cerimônia do sorteio da Copa do Mundo. Vetados, foram substituídos por Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert. Não se trata, claro, de racismo – afinal, não somos um país racista, nem tampouco a FIFA, não é mesmo? Tanto que Margareth Menezes e Olodum, entre outros artistas, se apresentarão na mesma cerimônia, tudo para mostrar ao mundo a diversidade étnica brasileira, segundo ainda a mesma FIFA. Trocando em miúdos: animar a plateia, tudo bem. Afinal, se temos anualmente o carnaval, não custa organizar um fora de hora para exportar via satélite nossa contagiante alegria. Mas ser mestre de cerimônia exige classe e postura, e o que pensariam plateias mundo afora ao serem confrontadas com a imagem improvável de dois negros apresentando uma cerimônia oficial? A lógica da FIFA parece ser a mesma dos comentadores anônimos de blogs: se mostramos ao mundo nossos negros e escondemos nossos talentos brancos, alguém vai pensar que somos racistas. Democracia racial se faz garantindo igualdade de oportunidades, diriam esses mesmos anônimos. Mas a responsabilidade não é da entidade maior do futebol se alguns são mais iguais que os outros. Bizarro, tudo muito bizarro: o veto e os anônimos.

“IDEOLOGIA-A, EU QUERO UMA PRA VIVER” – Quando o escreveu, Cazuza certamente não imaginou que seu verso ecoaria tanto e tão profundamente na direita conservadora brasileira. Fica difícil imaginar o que seria dela, hoje, sem ter uma ideologia para temer e ideólogos por toda parte para odiar. A bola da vez é a professora Cléo Tibiriçá, professora de Comunicação e Expressão na Fatec de Barueri . Ela virou objeto de bullying virtual levado a cabo por uma organização chamada “Escola sem partido”. A tal organização a acusou publicamente de colocar em prática um plano de ensino que objetiva criar “a maior aversão possível a tudo o que não se identifique com uma visão esquerdista ou progressista da sociedade, da cultura, da economia e da história”. Se não estivesse tão ocupado em entender como o gramscianismo adentrou o Vaticano, depois da declaração do Papa sobre a economia de mercado, Olavo de Carvalho certamente acusaria Cléo Tibiriçá de conspirar contra a Civilização Ocidental. O caso é apenas mais um em um elenco de aberrações produzido pela organização, que se diz neutra, mas trata professores como criminosos e alunos e pais como um bando de imbecis. Além disso, basta uma visita à sua página e a apregoada neutralidade cai por terra. Nela, pipocam artigos de viés de direita e conservador, assinados por um elenco de autores a quem se pode acusar de tudo, menos de não terem uma ideologia. Nada contra, há quem goste e se identifique com o estilo “I see red people”. Mas se a organização insiste em policiar e atacar a ideologia dos outros e disfarça a sua própria sob o manto de uma suposta e mentirosa neutralidade, a coisa é mais que bizarra. É desonesta.

Jeanquim Van Damme


terça-feira, 26 de novembro de 2013

As ciclofarsas e dinheiro público

POR JORDI CASTAN

Você é dos que acreditou no discurso de posse do prefeito Udo Dohler, na frase em que cuidaria de cada centavo de dinheiro público? Pois dançou. Há bons exemplos de gastança de dinheiro público nesta gestão.

Um deles é o das ciclofaixas. Não vamos aqui relembrar que o projeto elaborado pelo IPPUJ coloca ciclofaixas ligando a nada a coisa alguma. Que elas iniciam e acabam no meio do nada e que não tem a largura mínima recomendada pelo Código Brasileiro de Trânsito. Tudo isso seria chover no molhado. Alguns até com mais criatividade têm batizado as ciclofaixas em Joinville com o nome mais adequado de ciclofarsas. O resultado é que os ciclistas as evitam sempre que possível, pois a sensação de insegurança é grande para o usuário. Qual é o percentual de aumento do novos ciclistas que passam a usar a bicicleta para seus deslocamentos diários, ao trabalho, a universidade ou para realizar compras? 

O IPPUJ até agora não apresentou dados que possam servir para comprovar que as ciclofarsas de fato contribuem a aumentar o número de ciclistas e o número de deslocamentos feitos com este modal. Deixemos fora da estatística os ciclistas de final de semana, os que semanalmente em grupos atravessam Joinville de um extremo ao outro em passeios ciclísticos e outras iniciativas semelhantes. Nunca vi nenhum desses grupos usando ciclofarsas. Mas encontrei entre eles alguns dos maiores críticos dos projetos feitos pelos nossos tecnicos locais para estimular o uso da bicicleta.


As novas ciclofarsas são enfeitadas em alguns trechos, durante os primeiros 4 ou 5 meses com faixas de rolamento de cor vermelho, deixando a cidade, por pouco tempo, mais colorida. O Código Brasileiro de Transito determina a pintura vermelha para melhorar a segurança do ciclista. Ponto para o Código. Esta é inclusive uma prática na maioria dos países que encaram o tema das bicicletas com seriedade. Mas não tenho visto que se utilize este sistema de pintura de curta duração em nenhum outro pais. Em uma cidade que não consegue manter pintadas durante todo o ano as faixas de pedestres frente as escolas, hospitais e lugares de maior transito de pedestres é ilusão imaginar que as ciclofarsas receberão algum tipo de manutenção e serão repintadas com a frequência que o tipo de tinta, a má qualidade do asfalto e o alto nível de atrito dos pneus dos carros provocam nas áreas em que a pintura é necessária. 

Se o prefeito e sua equipe zelassem mesmo por cada centavo de dinheiro público, já teriam percebido que o  sistema atual é caro e ineficiente. Esqueci que essa é um pré-requisito no serviço público, comprar caro e comprar mal. Quem sabe o prefeito não olha esse tema com mais atenção e propõe aos seus técnicos que analisem outras alternativas, como o asfalto pigmentado, que é a técnica mais comum na maioria das cidades que tem um programa de ciclovias serio e bem planejado. Porque não consigo imaginar que em Joinville alguém esteja preocupado com a manutenção dessas ciclofaixas.

 Um exemplo o cruzamento das ruas Campos Sales e Benjamin Constant um show de cores quando inaugurada a ciclofarsa, quanto tempo durou a pintura? Menos de meio ano. Número de vezes que foi repintada nos últimos 4 ou 5 anos? Zero. Outro as ciclofarsas da Rua Ottokar Doerfehl, aonde anda quedam traços da pintura vermelha original? As ciclofarsas que ligariam o Centro de Joinville ao Parque José de Alencar. Ops! Quero dizer as praças da Cidade, nunca foram concluídas. Agora o conjunto de ciclofarsas do pomposo trinario que envolve as ruas XV, Max Colin e Timbó é objeto de pintura chamativa e traçado irracional. Então esta lançado o desafio, quem aposta que a pintura durara mais de 6 meses? Quem aposta que não será repintada? Façam suas apostas. Sobre o cuidado dos centavos, já esta claro que quem apostou, perdeu.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Um presente que a adolescência me deu


POR CAROLINA POMBO

Um dia o vizinho bateirista, com o qual eu costumava ralhar da janela por causa do barulho de sua “música”, bateu em minha porta com uma fita k7 em mãos. Ele me disse (ou eu criei isso em minha memória, mas me lembro mesmo de tê-lo ouvido) “é isso que você precisa ouvir”. Era a fita de Mount Moriah Mass Choir & The New Age Community Choir, ilustrada com uma mulher negra como anjo, que eu ganhei em 1997.

Eu tinha acabado de sofrer um abuso sexual (que só fui capaz de revelar pra alguém anos depois). Minha família estava economicamente falida. Eu ia deixar a escola privada onde estudava. Eu ia ter que morar na casa de uma amiga, até minha mãe acertar as coisas em outra cidade. Eu tinha quatorze anos, vivendo minha primeira grande paixão mal correspondida e sofrendo com a instabilidade das minhas amizades mais próximas. Adolescência. Tempos difíceis. Eu achava que nunca ia acabar, que aquele tempo ia durar pra sempre, que eu seria marcada definitivamente pelas experiências que estava vivendo.

Mas, aquela fita veio a calhar. Eu me senti tão profundamente tocada por aquele apelo de amor – e principalmente de amor próprio, cantado em Right On:

“There is nothing in this world could ever change the way I feel. For I know that it's real, it's truly Love. I used to think that I wouldn't never find my place no no. In a world of high society there seemed to be no place for me. I used to feel that I was born to be bound not free Living in a world of changes there seem no escape for me.

But one day love found me in chains shackled to my past, desiring to be free. I want the world to see this new meet of it in yourself is the right kind of love who changes. Right on, right on, right on to love yourself.”

O poder daquele Right on! Right on to love yourself! Como se aquilo fosse um grito de guerra, um imperativo urgente, um chamado: você deve amar a si mesma, você tem o direito de amar a si mesma! Eu mal sabia cantar em ingles, mas aprendi rapidamente a repetir essas palavras. Era exatamente o que eu precisava.

Em tempos de bullyings virtuais, de adolescentes sendo atacadas, expostas, culpabilizadas por viverem suas sexualidades ou por qualquer outro motivo, minha vontade é de compartilhar a descoberta que fiz naqueles dias. Depois que saí do prédio para viver quase um ano hospedada nas casas de amigos, nunca mais encontrei o vizinho baterista – pra ser sincera não me lembro nem o nome dele. Mas, de fato, era exatamente daquela mensagem poderosa que eu precisava: é necessário amar a si mesma. Você tem o direito de amar a si mesma. Seja forte!

Hoje, eu tenho uma filha, que ainda tem quatro anos de idade, mas já penso nas pressões e constrangimentos que ela passará ao longo de sua vida de menina e depois ao transformar-se em mulher, se assim ela desejar. E tenho me armado, cada vez mais, dessa verdade, de que ajudá-la a descobrir-se e a amar a si mesma é o melhor que eu posso fazer enquanto mãe, feminista e mulher que já viveu muitas coisas sofridas e fortes nessa vida. Eu queria pegar você no colo para sempre e protegê-la de todos os males, todos os insultos, bullyings, constrangimentos… Mas, o que posso fazer é compartilhar esse grito de guerra que recebi das mãos daquele mensageiro, da fita com aquela anja a me encarar com força e tranquilidade: vai passar, e você vai sobreviver pra contar.

Eu posso te contar que, anos depois, depois do meu feminismo e da maternidade, tive a oportunidade de testemunhar contra meu opressor, diante de uma juíza, uma promotora e uma escrivã grávida. O amor me presenteou com um destino inimaginável, e estou aqui podendo escrever sobre ele.

Portanto, Right on to love yourself!

 Carolina Pombo é doutoranda em Saúde e Bem estar social na Escola de Autos Estudos em Ciências Sociais de Paris, faz parte do coletivo FemMaterna www.femmaterna.com.br, é blogueira no Com a cabeça fora d’água www.maetempo.net e no Kaléidoscope www.carolinapombo.blogspot.com, e autora do livro A Mãe e o tempo: ensaio da maternidade transitória.