Fora a beleza do espetáculo que os brasileiros ofereceram, com bandeiras, cartazes e faixas criativas na tomada das ruas, é muito provável que nada mude, mesmo depois da prova de força destes dias. Mesmo que os R$ 0,20 ou R$ 0,10 dos descontos (dependendo da cidade) proporcionados pela redução dos impostos federais PIS-Cofins, talvez sejam reincorporados à planilha de custos que compõe a tarifa, em momento eleitoral ou político mais oportuno.
Sem lideranças e sem
objetivos claros há um risco elevado que todo o esforço tenha sido inútil. Puro
desabafo travestido de manifestação popular que, se não fosse pela presença
policial violenta, pareceria mais com uma alegre quermesse, festa junina ou a
celebração de alguma vitória esportiva, observada na ausência dos tradicionais
bêbados e de musica estridente, que sinalizavam a importância e transcendência
do momento.
É preciso muito mais
para mudar o país, mas foi um bom começo. Tirar o joinvilense da zona de
conforto numa tarde chuvosa tem muito mérito. Apesar da falta de prática. Há gerações
que não sabem o que é uma manifestação de tal dimensão. Quantos guardam na
memória o correr da polícia? Terem ido para a rua reivindicar. Ou até mesmo de
ter vivenciado tal momento? Especialmente em Joinville isso tem um significado
adicional.
A pergunta que
muitos fazemos: e agora que acontecerá? Qual é o passo seguinte? O nosso
histórico recente faz pensar em quem aposte que nada vai mudar, terá muitas
mais chances de acertar.
O único ponto claro,
e que deveria merecer análises melhores é o silêncio ensurdecedor dos políticos
que, num misto de perplexos ou amedrontados, colocaram suas barbas de molho.
Sua desaparição do cenário é prova concreta que alguma coisa mudou, inclusive a
suposição que possam ter culpa no cartório.
A maior mudança pode
ainda a vir acontecer se a mobilização se mantiver crescente. Mas político é
por natureza um animal oportunista, com enorme capacidade de adaptação. Não
deverá demorar muito para que alguns tentem capitalizar este movimento, cujo
maior mérito reside, justamente, na sua aparente anarquia, falta de liderança e
no amalgama de vários setores da sociedade e a variedade de reivindicações que
aglutina. É bom lembrar que a classe media não tem muita prática, é nova nisso.
Justamente a turma do MPL, com mais experiência e mais calejados, estava
nadando de braçada,
O curioso será se
for justamente essa nova classe media que surgiu nos últimos anos no país, que
acabe por promover, com a sua ida as ruas, as reformas que o Brasil tanto
precisa e que demoram. Seria irônico que a classe média criada a partir do seu
acesso ao consumo insista em querer, além de tela plana, carro e viagem ao
exterior. Indica um novo “arranjo hierárquico das necessidades humanas e vêm à
tona impulsos mais elevados”, como o fim da corrupção, serviços públicos de
qualidade, uma reforma política entre outras reivindicações. Justamente essa
classe média que está, aos poucos, descobrindo que além de ser uma força econômica
pelo seu peso no mercado é também uma força política.
Se fosse político
teria muito medo. Porque se a sociedade descobrir a força que tem de verdade,
muita coisa poderia mudar rapidamente e os políticos poderiam ser transformados
no inimigo público número um. Representam, salvo honrosas exceções, “o pior do
pior”. Aquilo contra o que as pessoas estão dispostas a ir à luta.
Diverti-me nestes dias de ruas ocupadas a imaginar o que diriam nossa mídia e formadores de opinião dos 150 colonos que, numa noite de dezembro de 1773, disfarçados de índios, lançaram ao mar quilos de chá trazidos da Inglaterra, depois que um decreto real tornou obrigatório seu consumo e proibiu a produção interna. A maioria os acusaria de vândalos: nossos veículos reclamariam os privilégios da coroa inglesa, e como fazem mal jornalismo, acusariam logo os índios; Arnaldo Jabor enfatizaria, teatralmente, que se tratavam apenas de “saquinhos de chá”, para depois pedir desculpas pelo erro: os baderneiros, afinal, não eram índios. E não faltariam os comentários anônimos no Chuva Ácida, a defender furiosamente que os militares britânicos acertassem tiros na testa dos bárbaros, fossem índios ou colonos.