domingo, 8 de outubro de 2023

A Armênia pode desaparecer enquanto estado soberano?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

As relações entre Rússia e Armênia passam por um período de tensão, devido à guerra na Ucrânia e à perda do território de Nagorno-Karabakh para o Azerbaijão em 2020. A Rússia tem sido um aliado tradicional da Armênia, fornecendo apoio militar, econômico e diplomático, mas deixou o país à míngua nos episódios mais recentes. Há a percepção de que Vladimir Putin não tem feito o suficiente e isso levou a um aumento do sentimento anti-russo. As relações entre Rússia e Armênia devem continuar tensas no futuro próximo, o que levou o país a buscar uma maior aproximação com a União Europeia e os EUA. E não existe vazio em política

Há poucos dias, a União Europeia decidiu ampliar a ajuda humanitária à Armênia. A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, voltou a condenar a ação militar do Azerbaijão no enclave separatista de Nagorno-Karabakh. O alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, disse que não é possível ficar indiferente ao fato de que mais de 100 mil pessoas tenham sido obrigadas a abandonar as suas casas. No entanto, a posição da União Europeia tem ambiguidades, por causa da dependência do petróleo e, sobretudo, do gás natural do Azerbaijão, cujos gasodutos não passam pela Rússia.

A situação da Armênia é complexa e há quem sustente a ideia de que, no limite, o país corre o risco de desaparecer enquanto estado autônomo. Há muitos os argumentos a apontar nesse sentido. A Arménia é do tamanho de Santa Catarina e tem uma população de apenas três milhões de pessoas. Isso torna o país mais vulnerável a pressões externas. A geografia também é um aspecto a ter em conta, uma vez que o país está cercado por países pouco amigos, como o Azerbaijão, a Turquia e o Irã. Do ponto de vista econômico, a Arménia é um país pobre e sem recursos naturais, o que torna mais difícil ter uma “moeda de troca” para se defender de agressões externas.

Os acontecimentos recentes parecem confirmar esses argumentos. Em 2020, o Azerbaijão, com o apoio da Turquia, lançou uma ofensiva contra o Nagorno Karabakh, um enclave armênio em solo azeri. A ofensiva foi bem-sucedida e o Azerbaijão recuperou o controle de grande parte do território do Nagorno Karabakh. A Rússia, aliada da Arménia, nada fez para impedir a ofensiva do Azerbaijão. Um player importante nesse conflito é a Turquia, uma vez que Taip Erdogan está a negociar a construção de um oleoduto em território azeri, mas que passa pela Arménia. É um importante avanço estratégico para a Turquia que vem aumentando a sua influência na região. Por questões históricas, Taip Erdogan é hostil à Arménia e a sua interferência aumenta o risco de que o país seja forçado a ceder territórios ou a se tornar um estado vassalo da Turquia. O passado entre os dois povos é marcado por muita complexidade.

Em 1915, o Império Otomano prendeu e executou líderes armênios. A partir daí, o governo otomano deportou e massacrou sistematicamente a população armênia. Cerca de 1,5 milhão de armênios foram mortos. A Turquia nega o genocídio – e até tenta um branqueamento desse passado – mas a maioria dos historiadores concorda que o genocídio aconteceu. Não é seguro afirmar que a Armênia vai desaparecer enquanto estado autónomo, porque isso não acontece do nada e há os equilíbrios internacionais. Mas os acontecimentos recentes mostram que o país está a enfrentar sérios desafios e que seu futuro é incerto. É importante olhar para alguns depoimentos sobre a questão:

- O ex-presidente armênio Robert Kocharyan disse, em 2021, que o país está em perigo de "desaparecer do mapa".

- O ex-primeiro-ministro Nikol Pashinyan disse, em 2022, que a Armênia precisa "reavaliar sua estratégia de segurança" para lidar com os novos desafios.

- O analista político armênio Ruben Safrastyan disse, ainda este ano, que a Armênia está "em uma situação muito difícil" e que o país precisa "tomar medidas urgentes" para se proteger.




sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Em merenda que está ganhando não se mexe

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há uma frase do futebol que funciona quase como um mandamento: "em time que ganha não se mexe". O problema é que a regra não vale para a atual administração da Prefeitura de Joinville, com os seus frêmitos novidadeiros. É o caso das mudanças no sistema da merenda escolar da rede municipal. Mantendo a semântica futebolística, podemos dizer que o técnico mudou, o time marcou um gol contra e a torcida não perdoou.

Nos últimos dias, as redes sociais foram invadidas de reclamações de pais, alunos ou mesmo funcionários. E, claro, dos políticos. “Por que terceirizar? Governo Federal aumentou o repasse para alimentação escolar. Joinville já foi referência na qualidade da merenda, ganhando prêmios! As cozinheiras se sentem prejudicadas com essas mudanças e as crianças também com filas e porções menores”, questionou a vereadora Ana Lúcia Martins, na sua conta na rede social X (ex-Twitter).

É preciso reavivar a história recente. Em 2010, Carlito Merss, então prefeito de Joinville, recebeu o prêmio de melhor gestor da merenda escolar do Brasil, na categoria Grandes Cidades e Capitais. O prêmio foi concedido pelo Ministério da Educação, em parceria com a Associação Brasileira de Municípios, num reconhecimento ao trabalho da gestão municipal de Joinville na área da merenda escolar.

Quais foram as razões para a distinção? A prefeitura implementou uma série de ações para melhorar a qualidade da alimentação oferecida aos alunos da rede pública municipal, incluindo a aquisição de alimentos de qualidade, produzidos localmente, o desenvolvimento de cardápios saudáveis e nutritivos, a implementação de um sistema de controle de qualidade e a capacitação dos profissionais da área de alimentação escolar. 

O problema é que a moçada do Novo, partido que hoje ocupa a Hermann Lepper, é muito chegada em modernices. E vai que decidiram implantar um sistema que exige até o uso de QR Codes. OK... vamos contemporizar. Toda vez que um novo sistema é implantado existe o risco de haver confusão. Só que as reclamações não param. É menos comida, dizem uns. Não pode repetir, reclamam muitos. Não pode perder o cartão de controle, alertam outros.  Até houve alguém a dizer que chegou a faltar comida. 

Por que essas coisas acontecem? Vamos voltar à linguagem do futebol, com uma frase de Nelson Rodrigues: “o escritor brasileiro não sabe bater um escanteio". O que ele quis dizer com isso? Que muitas vezes as elites estão desconectadas da realidade do povo. Neste caso, alguém acredita que o atual prefeito já esteve numa fila de merenda de escola pública? Nem por sonho. É uma questão de classes sociais. Pois como diziam os mais antigos,  “quem nunca fez um bolo, não sabe como se cozinha".

É a dança da chuva.



quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Bolsonaro, Osair e a cultura do estupro

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Duas notícias destes dias que estão muito ligadas. 1. A primeira diz que Bolsonaro virou réu na Justiça por incitação ao crime de estupro. Estamos a falar do conhecido caso da deputada Maria do Rosário, quando o bonitão disse que ela "não merecia ser estuprada" por ser "muito feia". 2. Em segundo lugar a notícia, publicada por alguma imprensa alternativa, de que Osair Antonio Souza, secretário municipal de São João do Itaperiú (tão pertinho, né?) teria afirmado que a ministra Rosa Weber, do TSF, merece "ser eternamente estuprada".

O que há de comum entre os dois episódios? A "cultura do estupro", claro. É um produto da sociedade patriarcal, que ao longo da história foi causando assimetrias entre homens e mulheres. E o pior: ainda hoje é a moldura do quadro mental de homens com a cabeça no século XVIII. O caso é sério no Brasil, onde a cultura do estupro é um problema real e silencioso. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revelam que uma em cada cinco mulheres já foi vítima de violência sexual. E apenas um em cada 10 estupros é denunciado.

Para muitos homens as mulheres ainda são simples objetos sexuais. A violência de gênero – física e simbólica – é usada como mecanismo de controle e dominação. É o que torna comum a aceitação da violência sexual, a culpabilização das vítimas e a normalização do estupro. Daí o discurso carcomido do patriarcado: as mulheres são responsáveis pelo estupro, os homens não podem controlar seus impulsos sexuais ou que é normal agir de forma sexista.

Quando uma pessoa tem a atenção da mídia, como é o caso de um presidente da República, esse comportamento acaba virando referência para muitos. Jair diz uma anormalidade lá em Brasília e Osair se sente à vontade para repetir aqui em São João do Itaperiú. E assim a cultura do estupro vai se reproduzindo e tarda em desaparecer. Menos mal que a lei pode atuar nesses casos. Jair é réu. É esperar que Osair também venha a ser.

É a dança da chuva.



sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Bolsonaristas estão feito baratas tontas

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O governo Lula vai bem e recomenda-se. O Brasil vem colhendo uma série de bons resultados, tanto no plano interno quanto externo. Fui de férias na semana passada e fiquei uns dias na Espanha. Deu para ver que o noticiário dos nuestros hermanos vem abrindo espaços para o presidente Lula, apesar de não haver uma unanimidade. Em alguns casos, fica evidente o papel relevante do líder brasileiro no plano internacional, mas em outras situações o tom é mais crítico – os europeus não perdoam as ambiguidades do presidente no caso da invasão da Ucrânia.

Fazendo a ponte para o plano interno, as coisas também são favoráveis. Apesar de algumas resistências provocadas pelo “criptoprimeiro-ministro” Arthur Lira (que usa o seu poder de influência para barganhar e tirar vantagens), há motivos para otimismo. A economia cresce acima das expectativas, a inflação fica abaixo das previsões, o arcabouço fiscal dá garantias de estabilidade econômica, as exportações mantêm a tendência de alta. E, imaginem, a reforma fiscal pode acontecer depois de décadas de tentativas frustradas.

Mas o sucesso do governo, tanto no plano externo e interno, tem outras consequências. A oposição bolsonarista está numa tremenda enrascada. Os malucos estavam na torcida para tudo falhar e deram com os burros n´água. Dá um certo prazer constatar o fracasso da profecia de Paulo Guedes. Lembram? O iluminado ex-ministro previu que o Brasil ia virar “uma Argentina em seis meses e chegar a uma Venezuela apenas um ano e meio”. O mais hilário é ver que o tipo agora diz que o sucesso é resultado do trabalho dele. Ipiranga vai na canga.

Que fazer? Sem ideias e sem um projeto de governo, os bolsonaristas estão feito baratas tontas. E ficam agarrados à lógica da mentira. É mentir, mentir, mentir. O problema é que na maioria dos casos as mentiras tendem para o absurdo. O meu bolsonarista predileto, por exemplo, agora ataca o governo Lula com publicações sobre “orçamento secreto, cartão corporativo, queimadas da Amazónia, viagens para o exterior, vacinas (dengue), BNDES e gastos em publicidade”. É puro suco de bolsonarismo. Tudo o que Bolsonaro fez é assacado ao atual governo.

Todo governo precisa de uma oposição decente para estar alerta e corrigir cursos. Mas decência é tudo o que não se pode esperar do bolsonarismo. Sem discurso nem ideias, o que resta aos bolsonaristas é o espetáculo deprimente, como os protagonizados por gente inútil do calibre de Nikolas Ferreira, Gustavo Gayer ou o "jornalista" Alexandre Garcia. É bom ver o bolsonarismo definhar, mas também é importante ter em mente que o Brasil precisa de uma oposição séria e a sério.

É a dança da chuva.



quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Sérgio Moro cidadão honorário de Joinville. Podem rir. Ou chorar...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Joinville nunca engana. Quando você pensa que a coisa não pode piorar... ela despenca para um buraco ainda mais fundo. E não é que a Câmara de Vereadores quer atribuir o título de cidadão honorário ao atual senador Sérgio Moro, ex-juiz incompetente da Operação Lava-Jato? O projeto foi apresentado por um vereador que atende pelo nome de Nado (PROS). É como diz a expressão popular: de onde você nada espera, daí é que nado sai.

A explicação é o fato de Moro ter atuado na comarca de Joinville, entre 1999 e 2002, com “elevada atuação técnica”. Parece brincadeira? Não é. “Em Joinville, sua atuação foi marcada a ferro na tez local e é reconhecida pelo engajamento na efetivação do Estado de Direito, com atuação lapidar, exemplar, íntegra, dotada de elevada atuação técnica, coerência, e, sobretudo, coragem para atuar com profundo respeito às leis e à Constituição”, pontuou a justificativa.

“Marcada a ferro na tez local”? Quem escreve uma tonteria destas? A coisa pretende ser uma frase de efeito, mas o único efeito que provoca é uma convulsão estilística da tão maltratada língua portuguesa. Mas até faz algum sentido, porque isso de “marcar a ferro” é coisa de gado. O problema é que o gado de Jair Bolsonaro, maioritário de Joinville, já não se alimenta do mesmo capim que os seguidores de Sérgio Moro. Os dois brigam para conquistar a invernada da extrema direita e andam às cabeçadas. 

A argumentação diz que o ex-juiz atua com “profundo respeito às leis e à Constituição”. Onde estava essa gente quando surgiu o consórcio da Vaza-Jato, liderado pelo Intercept? Lembram? Foi aquela série de reportagens que revelaram as ações muito controversas da força-tarefa da Lava Jato. Foi quando ficou escancarado o conluio entre Sérgio Moro e o promotor Deltan Dallagnol. O ex-juiz é o que podemos chamar um “depedrador” do Estado de Direito.

Por que Joinville gosta de Moro? É simples. Porque o ex-juiz fez o favor de prender Lula pouco antes das eleições de 2018 e, desta forma, estendeu o tapete para a eleição de Jair Bolsonaro. A gente pode reclamar e dizer que o “quociente intelectual” da cidade é muito baixo, mas a sua gratidão é férrea. Aliás, mesmo depois da desgraça que foi o governo de Jair Bolsonaro, a cidade resiste como um dos bastiões do bolsonarismo mais obtuso (passe a redundância).

A imprensa diz que a homenagem acontece no dia 6 de setembro, na Câmara de Vereadores de Joinville. É bom ter pressa, porque o futuro do homenageado parece turbulento. Em linguagem pouco jurídica, podemos dizer que o ex-juiz “está mais sujo do que pau de galinheiro”. Muito boa gente acredita que, ainda em 2023, o atual senador Sérgio Moro vai se tornar o ex-senador Sérgio Moro, porque a possibilidade de cassação surge forte no horizonte. E nada garante que a coisa fique por aqui.

Para finalizar, deixo aqui a minha sugestão. O vereador que propôs a distinção a Sérgio Moro também devia ser homenageado. E de forma exemplar. Ouvir umas 10 horas ininterruptas de discursos de Sérgio Moro, com a sua inconfundível voz de marreco, dicção atrapalhada e dificuldade em lidar com a língua portuguesa. Depois disso ele iria pensar duas vez antes de propor esse tipo de besteira.