segunda-feira, 26 de junho de 2017

Os amautas modernos: inventam, manipulam e detratam os adversários


POR JORDI CASTAN
Os amautas (palavra quechua) eram, na sociedade inca, filósofos-oradores profissionais que tinham como missão utilizar a sua sabedoria e conhecimento para manipular a história do soberano. A ideia, claro, era criar para ele um passado cheio de proezas e de gestas. E para completar o seu trabalho e obter um impacto ainda maior, se dedicavam com o mesmo entusiasmo a criar histórias constrangedoras sobre os adversários do seu senhor.

Neste momento turbulento da historia moderna do nosso país, os amautas estão trabalhando a todo vapor. A impressão que se consolida é a que, desta vez, as condições estão postas para termos uma situação mais sangrenta e impiedosa que as anteriores. Uns não querem perder o poder a nenhum custo e os outros querem voltar a recuperá-lo . 

Reforça esta teoria o nível da imensa maioria dos poíiticos e, principalmente, os muitos interesses envolvidos. Não devem faltar recursos para que os melhores amautas tenham à disposição todos os meios humanos e materiais para fazer um bom trabalho. Os amautas modernos contam com meios tecnológicos que não existiam quinhentos anos atrás. Poder utilizar vídeos, fotos, recortes de jornais, entrevistas e material disponível na internet torna o trabalho mais fácil.

Como resultado, a historia é reescrita mil e uma vezes ao sabor e de acordo com os interesses de cada um dos “monarcas” de plantão. Na cabeça de cada um de nós se cria tal confusão que poucos são capazes de lembrar com exatidão do que cada um fez. Uns destacam os milhões roubados por outros, outros falam das obras e logros dos primeiros.

Algumas obras foram iniciadas numa gestão e se alastraram, sem ser concluídas, por várias outras. Outras foram inauguradas uma meia dúzia de vezes e revitalizadas, requalificadas ou reinauguradas outras tantas que é difícil precisar com exatidão a quem deve ser atribuída. A memória trai os que têm mais idade e até alguns mais jovens têm dificuldade em lembrar com precisão.

Os amautas já tergiversavam a história há séculos, mas o nível de perfeição que alcançamos hoje, tanto em enaltecer e em tecer loas aos políticos em exercício, só fica ofuscado pela nossa competência e habilidade em contar histórias, com o único objetivo de detrair os demais políticos. Melhor ainda se a história é espalhada como um murmúrio, à boca pequena. Um furo aqui, uma gravação ali, uma foto acolá. É aí que ela faz mais efeito. Nisso somos campeões, superamos os melhores amautas.

(*)Publiquei este texto, aqui no Chuva Ácida, faz alguns anos, e o momento atual me pareceu oportuno para revisá-lo e republicá-lo.


sexta-feira, 23 de junho de 2017

Desenvolvimento sustentável: dá para acreditar? (parte 2)


POR MICHEL LATOUCHE
Ontem falamos sobre o desenvolvimento sustentável a partir do conceito de progresso de Walter Benjamin. Hoje falamos de um autor mais recente, o francês Michel Serres, que usa o quadro “Luta com Clavas”, da fase negra de Francisco Goya, para falar de um embate onde não há vencedores. Esse embate é entre o homem e a natureza. O pensador francês descreve a cena que podemos ver no quadro (abaixo).

“Dois inimigos brandido bastões lutam, em areias movediças. Atento às táticas do outro, cada um responde golpe a golpe e dá a sua réplica à esquiva. Fora da moldura do quadro, nós, espectadores, observamos a simetria dos gestos no decorrer do tempo: que espetáculo magnífico e banal”, analisa o pensador.

Michel Serres, autor do livro “O Contrato Natural”, também publicado no Brasil, faz uma descrição vigorosa da cena e, a seu modo, lança a sorte. “O pintor enfiou os duelistas até os joelhos na lama. Quem vai morrer, nos perguntamos? Quem vai ganhar, pensam eles e nos perguntamos mais ainda? Apostemos”, ironiza o pensador, para quem o ser humano é um voyeurista doentio.

“Mas, numa terceira posição, exterior à contenda, percebemos um terceiro lugar, o pântano, onde a luta se enterra. Aqui, na mesma dúvida acerca dos duelistas, os apostadores arriscam perder juntos, como os lutadores, já que é mais provável que a terra absorva os últimos antes que eles próprios e os jogadores tenham liquidado a sua conta”, completa Serres.

Há uma evidência. Num sistema capitalista nada pode parar ou questionar o progresso. Quem questiona ou é filósofo ou tomado por tolo. O mito do progresso é, provavelmente, a mais forte linha de orientação da economia capitalista. O quotidiano das sociedades é fundado em pressupostos ideológicos que pregam o crescimento ininterrupto. É a ditadura do PIB.

O discurso do progresso é axiomático e, como é próprio dos mitos, dispensa qualquer demonstração. Tudo o que ganha estatuto de natural não precisa ser comprovado. O fato é que e ao longo de toda a história da sociedade capitalista, a discussão sobre o tema progresso tem sido residual e o seu questionamento quase inexistente.

A sustentabilidade é importante? Claro. Mas não se a palavra for falseada, posta a serviço de um conceito que mantém uma exploração insaciável dos recursos naturais. O ponto de retorno das mudanças climáticas já foi ultrapassado e truques linguísticos não permitem voltar atrás.


quinta-feira, 22 de junho de 2017

Desenvolvimento sustentável: dá para acreditar? (parte 1)


POR MICHEL LATOUCHE
Desenvolvimento sustentável. Eis uma expressão para olhar com muita desconfiança. Porque não passa apenas do branqueamento linguístico de uma coisa nefasta: o processo de destruição dos recursos naturais continua, mas com um argumento – sustentado por uma palavra – que serve de álibi. A palavra é “sustentável”.

Dizem os especialistas que o desenvolvimento sustentável é uma forma de conciliar o progresso com a preservação da natureza. Mas o que acontece na prática nunca é uma conciliação. Porque a gula do progresso é insaciável e a natureza acaba sempre por perder. Não vamos esquecer que os cientistas há muito falam do “ponto de não retorno”.

A intenção deste artigo é apresentar dois autores que falam da questão a partir de obras de arte. O primeiro é o pensador frankfurtiano Walter Benjamin, que faz uma leitura de um quadro de Paul Klee. O segundo, de autoria do filósofo francês Michel Serres, descreve essa luta (a natureza e o progresso) a partir de um quadro de Goya.

O primeiro está centrado na ideia que as pessoas têm do conceito de progresso. A imagem de progressista faz parte do “vestuário” de qualquer político ou administrador nos dias de hoje. Ou seja, quanto mais progressista melhor. O verdadeiro problema está no conceito de “progresso”. Temos uma descrição pungente em Walter Benjamin.

Ao elaborar suas teses sobre o conceito de história, o pensador alemão, que se suicidou para não cair nas mãos dos nazistas, fala de um retrato catastrófico do progresso. É um texto que merece ser lido muitas vezes. Benjamin afirma que história e progresso estão muito intrincados, ao ponto de quase não poderem ser dissociados.

Diz o pensador alemão: “Há um quadro de Klee que se chama ‘Angelus Novus’. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés”.

E continua: “Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso".

O quadro é o que vemos abaixo.

*(o artigo está dividido em duas partes, uma hoje e a outra amanhã).





quarta-feira, 21 de junho de 2017

Gente que se mete onde não foi chamada

POR FELIPE SILVEIRA
Em primeiro lugar, rodeios têm que acabar. Já começo com isso para marcar minha posição sobre o assunto. Se a galera da vaquejada quiser me tirar pra Cristo como faz com o pessoal da causa animal, os comentários são serventia da casa.

E já digo isso porque aqui eles são bem-vindos a comentar, estão sendo "consultados".  Não é o caso do Projeto de Lei Complementar 53/2017, discutido na noite de terça-feira (20) na Câmara de Vereadores. O PLC, de autoria da vereadora Ana Rita Hermes, eleita com a bandeira da causa animal, propõe o abandono gradativo do uso de tração animal no perímetro urbano.

A ideia principal do projeto é impedir o uso de animais para puxar as carroças de catadores, situação que leva os bichos à exaustão, que não permite o tratamento adequado de doenças, que leva ao abandono e ao sacrifício quando os animais ficam velhos, que, por falta de condições, não permite os cuidados básicos com os bichos de grande porte.

O projeto, portanto, pode levar a um conflito entre catadores que usam tração animal e defensores dos animais. A discussão, no entanto, contou com a participação de um grupo inusitado, o pessoal ligado à vaquejada. O que estavam fazendo lá?

Um deles, em entrevista à TV, reclamou que sua associação não foi consultada. Pelo sobrenome do sujeito, acho que ele pensa que o legislativo deve lhe consultar sobre os temas polêmicos.

Nunca vi esse pessoal da vaquejada catar uma latinha pra vender no ferro-velho. Será que eles estavam mesmo preocupados com os catadores? O que o projeto lhes diz respeito? Há alguma mágoa com a galera da causa animal? Ou a ideia é minar a força desses movimentos antes que cheguem até eles?

O projeto voltou às comissões parlamentares para ser melhor discutido. Olhando os sobrenomes envolvidos  a gente pode começar a entender a má vontade de alguns vereadores para votar o projeto.

Os animais que puxam as carroças são presos, em geral, pelo pescoço. Acho que outros são presos pelo rabo.

Recepção.