sexta-feira, 22 de julho de 2016

A igreja que desconhece sua história, e as aberrações fundamentalistas

POR FILIPE FERRARI

São inegáveis as discussões atuais sobre os processos que envolvem religião e Estado no Brasil. Desde as aberrações da Bancada Evangélica aos candidatos que flertam continuamente com os pastores dos megatemplos, as relações entre essas duas esferas andam extremamente confusas e conflituosas. Obviamente que aqui não se propõe a extinção ou a saída da(s) igreja(s) da vida política. Fazer isso seria negar uma parte importante da história brasileira, principalmente no tocante ao atendimento aos mais pobres e necessitados.

Não dá para esquecer a importância fundamental das Comunidades Eclesiais de Base na reabertura democrática brasileira, ou as diversas pastorais, como a da mulher, carcerária, da criança, entre outras. Ainda hoje, em diversos espaços e comunidades, a Igreja é um espaço que promove cidadania, inclusão e empresta dignidade a milhares de brasileiros à margem da sociedade.

A questão principal aqui é que a Igreja sempre buscou ocupar espaços em que o Estado estava ausente. Já os representantes desses nichos fundamentalistas brasileiros querem encampar Estado e governo em prol de sua sanha moralista. Um dos carros chefes dessas tentativas proselitistas é o projeto Escola sem Partido, encabeçado em Joinville pela vereadora “pastora” Léia, e apoiado por outros líderes religiosos das mais diversas denominações, pastores surfistas e afins.

O grande problema dessas relações de denominações ditas “evangélicas” com o Estado é que estas ignoram sua própria história teológica. É notório o desconhecimento da trajetória política da Igreja Cristã de raiz protestante por parte do pastorado joinvilense, cego em seu fundamentalismo. Se observarmos a trajetória da Igreja a partir da Reforma (tronco ao qual pertencem inegavelmente a maioria esmagadora das igrejas não-católicas), Lutero desde o princípio trata de estabelecer a distinção entre aquilo que ele chamava de “Dois Reinos”: o reino de Deus e o reino dos homens.

O próprio projeto Escola sem Partido é uma grande falácia por si só. Não vou entrar no âmbito pedagógico e político, pois muitos já o fizeram de maneira espetacular. Entretanto, o projeto vai também contra as diretrizes educacionais da própria Reforma. Os reformadores defendiam a fundação de escolas por parte dos príncipes, para os camponeses aprenderem a ler e a interpretar a Bíblia e o mundo. Ainda hoje, na Alemanha, o Estado subvenciona faculdades de Teologia, enquanto nos Estados Unidos, John Harvard foi pastor calvinista, assim como Stanford e Yale também começaram como escolas teológicas.


É sempre importante lembrar que o problema não é a religião. O problema é a falta de conhecimento, estudo e falta de, além de tudo, humildade e respeito à diversidade. Entretanto, como diz o escritor curitibano Paulo Brabo, “o movimento evangélico é já resultado de uma privatização”. E, no Brasil, sabemos muito bem o que as privatizações fazem.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Entelijênsia


Ainda a conciliação?





POR CLÓVIS GRUNER

O presidente interino e ilegítimo Michel Temer não tem vivido bons momentos. Desde o afastamento de Dilma Rousseff, uma sequência de eventos infelizes reforçou a impressão de que, no fim das contas, a chicana constitucional a que deram o nome de impeachment foi uma articulação, na melhor das hipóteses, mal intencionada. Não sem surpresa, a constatação de que o governo Temer é fruto de uma maracutaia jurídica e política não mobilizou as multidões indignadas. Antes pelo contrário, das ruas só chega um silêncio constrangedor e constrangido. 

Mas esse silêncio, por outro lado, tem suas próprias nuances. Ontem (20) veio a público os resultados de pesquisa feita pelo Datafolha no final da primeira quinzena de julho, mas que a Folha de São Paulo preferiu esconder de seus leitores, manipulando os resultados publicados. De acordo com o levantamento, 62% dos entrevistados apoiam a tese da renúncia de Dilma e Temer e a convocação de novas eleições como uma saída à crise. Sobre o impeachment, 49% o consideram legal, contra 37% que veem irregularidades no processo. O índice de aprovação do governo é de 14%.

Os números são coerentes com pesquisas anteriores, que já revelavam, entre outras coisas, que um número expressivo de eleitores não acreditava que a corrupção diminuiria com Temer (46,6% em junho). Um índice ainda maior (54,8%) não via diferenças significativas entre Temer e Dilma, nem percebia mudanças substantivas no país. A aprovação pessoal ao presidente interino variou, passando de 11% em maio, para 13% em junho e chegando aos 14% na pesquisa do Datafolha. Subiu três pontos percentuais no período, o que não é muita coisa: ainda mal ultrapassa os dois dígitos e é menor que a de Dilma quando foi afastada (18% em maio). 

Mórbida semelhança – Essas pesquisas mostram pelo menos duas coisas. A primeira: para um número expressivo de brasileiros, a administração Temer tem se mostrado incapaz de responder às expectativas de quem foi às ruas “contra tudo o que está aí” mas, principal e fundamentalmente, contra o PT. Não apenas os escândalos de corrupção não cessaram, como envolvem gente graúda de dentro do próprio governo. Além disso, os vazamentos das conversas entre Jucá, Calheiros e Sarney revelaram que o governo interino foi parido por corruptos para barrar as investigações e assegurar a impunidade. E quem esperava um aquecimento da economia sabe, agora, que vai ter de pagar o pato.

Mas o outro dado revelado pelas sondagens é ainda mais significativo. Ao se confrontar os números de Dilma Rousseff no período imediatamente anterior ao seu afastamento, e os de Michel Temer nesses meses de interinidade, se percebe que há, entre eles, uma curiosa simetria. Entre outras coisas, me parece que essa aproximação estatística é também a representação numérica da percepção, cada vez mais clara, de que as diferenças entre os dois governos são menores do que parecem e do que seus respectivos defensores e detratores querem nos fazer crer. 

Não há nada muito estranho nisso. Afinal, durante mais de uma década, PT e PMDB compuseram uma única e mesma administração, o segundo fornecendo, além da base aliada no Congresso, um vice-presidente (Michel Temer!) para o primeiro que, em troca, soube agraciar o aliado com generosos espaços no governo. Se minha intuição está correta, ou seja, se realmente as pesquisas mostram que tal percepção existe e informa as leituras do atual momento político, é o PT, mais que o PMDB, quem arca com um enorme prejuízo em sua imagem e capital políticos, já bastante comprometidos. Entre outras coisas, porque a consciência dessa proximidade torna mais difícil sustentar a versão segundo a qual estamos a assistir um golpe de Estado, tendo o PT e o governo Dilma como vítimas.

É verdade que a essa versão traz inúmeras vantagens, a começar pelo fato de que não é necessário um exame crítico das próprias condutas: um governo e um partido vítimas de um golpe, afinal, não precisam prestar contas de seus erros. E eles foram muitos, a começar pela forma como o PT manteve e reproduziu as práticas fisiologistas de coalizão, incluindo a aliança com o PMDB. Além disso, durante todo o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, o governo e suas lideranças passaram meses tentando construir alternativas ao afastamento, incluindo negociações com os mesmos agentes políticos que hoje chamam de “golpistas”. 

O “golpe” e a conciliação – Negociações que prosseguiram mesmo depois de consolidado o “golpe”, como ficou claro na eleição para a presidência da Câmara, na semana passada. Primeiro, o PT ensaiou apoio a Rodrigo Maia, do DEM, um dos principais articuladores do impeachment de Dilma. Pressionado, recuou. Alegando que um apoio a Luiza Erundina, do PSOL, podia repercutir nas eleições de São Paulo, onde ela disputa com Haddad, o PT apoiou no primeiro turno Marcelo Castro, do “golpista” PMDB, partido de Temer, sob a justificativa de que se trata de ex-ministro de Dilma e um peemedebista “dissidente”, que votou contra seu afastamento. No segundo turno, supostamente para fragilizar Eduardo Cunha, apoiou e votou em Rodrigo Maia, eleito com ampla maioria. 

Historiador ainda subestimado, José Honório Rodrigues defende, em “Conciliação e reforma no Brasil”, que a defesa dos interesses dos grupos dominantes legitimou, historicamente, a exclusão das minorias e o divórcio entre a política e a sociedade. Tal processo foi mais violento porque aquilo que denominou “história cruenta” – a violência estatal, as resistências e conflitos sociais sufocados militarmente, etc... – se fez sempre sob o apelo à conciliação, um mecanismo que serviu, principalmente, para frear processos e movimentos que visavam a ampliação dos direitos e da participação política e democrática. 

Por um breve período acreditamos que poderia ser diferente, mas estávamos enganados: no governo, o PT se valeu das mesmas estratégias conciliatórias, ainda que, em alguns momentos, os resultados dessa política tenham efetivamente favorecido parcelas mais carentes da população. Agora, fora dele, é novamente a ela que recorre, e não ao enfrentamento democrático, como condição de permanecer no jogo político. A conciliação, parece, é o limite imposto à nossa democracia pelas forças institucionais. A renúncia e convocação de novas eleições pode ser uma resposta a ela. Ou mais uma forma de reafirmá-la.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O engodo perigoso


POR RAQUEL MIGLIORINI

Um engodo em três fases:

1- Um lindo nome: Vale Verde Encanto.
2- Objetivo: Transformar a área rural em urbana e, nessa extensão, construir condomínios de alto padrão, com lotes mínimos de 5000 m2 .
3- Justificativa: A região conta com propriedades rurais não produtivas e a venda e parcelamento dessas propriedades geraria riqueza para a região sem estar atrelado à atividades agrossilvopastorils. Ademais, existem ocupações irregulares e a expansão urbana permitiria a regularização fundiária. O parcelamento e a ocupação dessa área permitiria a “proteção da paisagem e a sustentabilidade social, econômica e ambiental”, segundo o site www.valeverdeencanto.eco.br .

Caso o leitor ainda não saiba do que tratamos aqui, é sobre um projeto de “iniciativa popular” que foi protocolado na Câmara de Vereadores para integrar a LOT.  A ideia é expandir a área urbana para a Zona Norte, desde o início da Estrada da Ilha até às margens do Rio Cubatão, passando pela Estrada Timbé e o final do Jardim Paraíso.

Naquela região, principalmente na Estrada Timbé, existem muitas ocupações irregulares. Vamos começar por esse ponto: ampliar a área urbana nunca garantiu o fim das invasões em APP (área de preservação permanente) nem tampouco a regularização das áreas invadidas.
A outra justificativa para transformar aquela área em condomínios urbanos é permitir atividades não ligadas à agricultura e pecuária, que seriam mais rentáveis aos proprietários.

Está claro como a água do Rio Cubatão que isso é especulação imobiliária. Ao ampliarmos a área urbana, ampliamos também todos os problemas ambientais e sociais que ela tem. Essa região é cheia de manguezais e APPs de rios. Como permitir o loteamento dessas áreas? Pior que isso, como impedir novas invasões nessas áreas?

A cidade é cheia de lotes desocupados, que criminosamente foram bosqueados* ao longo dos anos até a retirada total da mata. Calçadas e uma mureta de 40cm de altura delimitando o terreno deixam claro a intenção dos proprietários para esses locais. Por que não apresentam projetos para ocupação desses espaços que já contam com infraestrutura completa?

A área rural de Joinville é improdutiva? Torne-a produtiva, oras. Olhem para os exemplos já existentes mundo afora. Olhem para os exemplos brasileiros. A demanda por produtos orgânicos não é suprida por falta de incentivos do governo municipal e estadual e quem quer alimentação saudável precisa pagar caro e trazer de longe, aumentando a pegada ecológica. Temos terra de excelente qualidade, água abundante e a proposta que aparece é impermeabilizar tudo isso.

O engodo tem cheiro, sabor e aspecto agradável. Pena que mate o peixe.

*bosqueamento: técnica ilegal que retira a vegetação rasteira e arbustiva da Mata Atlântica, diminuindo a biodiversidade e tornando o solo mais pobre.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Vereadores: não eleja energúmenos

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Longe vão os tempos do jornalismo diário, em que vez por outra cobria os trabalhos da Câmara de Vereadores de Joinville. Era sempre desinteressante, pouco educativo. E hoje, tentando puxar pela memória, são raras as lembranças de um vereador capaz de merecer respeito. Admiração, então, nem pensar. E projetos a pensar a cidade sob uma perspectiva macro? Tão comuns quanto ursos brancos nas florestas tropicais.

A intenção dos eleitos é amarrar o burro à sombra. É um lugar pouco recomendável. Os episódios negativos se sucedem. A audiência pública solicitada pelo Fórum de Mulheres de Joinville, que teve a participação de apenas um vereador. Vergonhoso e desrespeitoso. E a vereadora-pastora, que insiste no projeto da escola sem partido, mesmo sabendo que as pessoas com dois dedinhos de testa são contra? Ora, vamos na contramão...

Os caras se superam na questão da LOT. A luz vermelha acendeu faz tempo, mas eles assobiam e olham para o lado. Fico pelo jornalista Claudio Loetz: “Joinville está no limiar de um novo momento histórico. O da preparação para o que se tornará daqui a 20, 30 anos. A sociedade, como um todo, não sabe disso. Nem imagina as consequências de decisões que estão na iminência de serem tomadas pelos nossos 19 vereadores”. Quem avisa...

O quociente de inteligência coletiva da CVJ namora o escárnio. É preciso mudar. Nada contra a reeleição, porque quem é bom merece ser reeleito. Mas é hora de oxigenar o sistema. Não é difícil. Eu próprio tenho amigos – muitos – que estão a lançar as suas candidaturas. De uma coisa tenho certeza. Se metade deles se eleger, o quociente de inteligência da CVJ aumenta e a cidade passa a andar para a frente.

Aliás, aproveito para lançar o meu panfleto: não vote em candidatos ligados a religiões fundamentalistas. É certo que em democracia cada cidadão tem liberdade para escolher em quem vota e o meu proselitismo pode parecer fora de foco. Mas se depender do meu esforço, não vamos ter nenhum desses religiosos eleitos. Porque os caras representam o atraso e a negação da própria democracia. Política e religião nunca deram boa coisa.

E antes de continuar a expor o raciocínio, que fique claro: nada contra as pessoas que seguem uma religião. Cada um come o que gosta. Mas havemos de convir que o estado laico está sob risco no Brasil, em todos os níveis de poder. O país está a se transformar numa espécie de cripto-teocracia, na qual esses fundamentalistas sem turbante têm demasiado poder. E, também a partir das cidades, estão a arrastar o país para o atraso.


As próximas eleições são o tempo de fazer subir o quociente de inteligência da CVJ. E isso significa não reeleger os energúmenos que fizeram do cargo um emprego vitalício. Fora com eles. E também é a altura para expurgar essa canalha religiosa que tomou conta da política.

É a dança da chuva.