segunda-feira, 23 de maio de 2016

Um governo austeritário e de pangarés

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É cedo para analisar o governo interino de Michel Temer? Talvez. Mas os indícios até agora permitem uma previsão: vêm aí tempos muito difíceis. Passou despercebido – e foi um erro – um aviso do senador Roberto Requião sobre o documento “Uma Ponte para o Futuro”, que orienta o governo interino. Diz o político paranaense que o programa tem uma linha que “beneficia o capital especulativo e prejudica duramente o trabalho. É pior do que o que se propôs para Grécia, Itália, Portugal e Espanha”.

Por que a Europa serve como referência? Porque há um elemento comum às duas situações: a aposta na austeridade. Quem viveu os últimos anos no velho continente – em especial depois de 2008 – conhece a destruição provocada pela obsessão austeritária (o autoritarismo da austeridade). As políticas neoliberais de Bruxelas levaram muitos países ao esgotamento e há mesmo quem fale no esboroamento da União Europeia. Os cidadãos europeus estão exaustos com tanta austeridade.

Ontem foi a Europa, hoje pode ser o Brasil. A própria formação do ministério do governo interino mostra a aposta numa clara subalternização das áreas sociais. O foco de Michel Temer é a economia. E a batata quente ficou nas mãos de Henrique Meirelles, nome com alguns créditos no mercado. De bate-pronto, o novo ministro anunciou cortes na própria carne. Em bom economês, é o aviso de cortes nos investimentos públicos, em especial nas áreas sociais (o que, de resto, já começa a acontecer).

Henrique Meirelles, que é um cavalo de corrida num governo de pangarés, vai impor a lógica austeritária e isso implica em medidas impopulares. Mas é importante saber até onde vai o fôlego do novo ministro, porque haverá pelo menos três pontos de tensão a contornar: a reação das ruas, os rumos da economia mundial e a fidelidade dos aliados do governo interino. Meirelles pode até dar algumas garantias no plano da economia, mas política não parece ser a sua praia. E este será um fator decisivo. 

1. As pressões das ruas já começaram, com os movimentos sociais e sindicais a promover protestos contra a perda de direitos e os retrocessos sociais. A opinião pública é uma peça importante nesse xadrez, como demonstrou o imbróglio do Ministério da Cultura. Apesar da militância da velha imprensa na defesa do governo interino, o efeito do “eu avisei” vai ser sentido. É possível adivinhar um momento em que a maioria silenciosa também sentirá os efeitos das mudanças. A austeridade é pouco popular.

2. Nos últimos tempos, a mídia que apoia o golpe fez questão de esconder a crise mundial. É como se não houvesse ligação entre os problemas internos e os externos. Mas nem os mais otimistas podem acreditar que o Brasil possa ser uma ilha de prosperidade em meio à tempestade econômica internacional. A equipe econômica de Michel Temer vai ter que impor medidas dolorosas e nada populares. Isso prenuncia dias difíceis para um governo considerado ilegítimo tanto no plano nacional quanto internacional.

3. O maior foco de resistência, no entanto, pode vir dos políticos que apoiam o presidente interino. As políticas neoliberais e a austeridade são um remédio amargo capaz de mudar o humor dos brasileiros, mesmo os que queriam a queda de Dilma Roussef. Até que ponto a base de apoio do governo interino vai apoiar medidas impopulares? Ora, todos conhecemos a qualidade dos políticos que formam o Congresso Nacional. Uma vez golpistas, sempre golpistas. É fácil prever que vão roer a corda e deixar Michel Temer na mão.


O resultado das políticas austeritárias são desemprego, pobreza, exclusão, perda de direitos, desassistência, desagregação social. A fórmula é tão falível que as próprias autoridades europeias – que têm imposto a austeridade – já começam a pôr os próprios métodos em causa. Mas no Brasil tem gente disposta a ir por esse caminho. É um daqueles jogos onde todos perdem. Menos os canalhas entreguistas, claro.

É a dança da chuva.

domingo, 22 de maio de 2016

Cultura pra que?


Um Ministério da Cultura é necessário

POR LIBER PAZ

Quando trabalhei com ilustração, muitos anos atrás, a coisa que mais ouvia era: “faz um desenho bem simples, faz bem rapidinho”, que era um jeito de dizer “faça barato”. Na época, em 2001, eu era sócio de um estúdio e a gente tinha basicamente dois tipos de clientes: agências de publicidade e editoras de livros didáticos.

O trabalho de ilustrar livros didáticos era muito exaustivo e mecânico. Uma vez, fizemos uma ilustração de crianças brincando num pátio para uma grande editora. Recebemos um pedido para corrigir a ilustração: “clareiem essas crianças”. Ficamos chocados, mas você não discute com patrão, porque ele tem o poder na negociação. Então, transformamos as crianças negras em loirinhas.

Muitos trabalhos de publicidade pediam para copiarmos estilos de ilustração de sujeitos que cobravam caro demais. O “diretor de arte” chegava com a amostra e dizia: “ó, faz assim, só que diferente”. Diferente o suficiente pra não ser processado. Claro que teve vezes em que conseguimos emplacar nosso próprio estilo, mas no geral apenas obedecíamos a ordens e orientações do contratante.

Vale citar aqui a conversa que tive com um publicitário que me falou que não via diferença nenhuma entre um ilustrador e um vendedor de detergente: éramos todos fornecedores e facilmente substituíveis. Vale lembrar também o hábito das concorrências, no qual basicamente temos um cliente que chama cinco ou seis estúdios pra resolver um trabalho e paga apenas ao que escolher. Isto é, você faz todo o trabalho e se o cliente gostar mais do trabalho do seu concorrente, ele não lhe paga. Nesse sistema, de cinco estúdios, quatro trabalhavam absolutamente de graça. As justificativas eram: 1) é assim que as coisas funcionam; 2) ninguém obriga a participar; 3) se reclamar, nunca mais lhe damos serviço.

Esse é um resumo da minha percepção da atividade de ilustrador. Em todas as conversas com editoras de livros didáticos, publicitários e marqueteiros, o trabalho de ilustração era desmerecido e desvalorizado ao máximo. Orçamentos feitos em cima do tempo necessário, dos custos operacionais, do esforço e da nossa habilidade eram considerados absurdos. Pessoas que não sabiam segurar um lápis vinham nos dizer que cobrávamos caro demais, e propunham valores ridiculamente baixos seguidos de um “se quer, quer. Se não, tá cheio de gente que sabe desenhar por aí”.

Essa descrição toda que estou dando aqui é a de “trabalho”. O ato de desenhar entendido não como “arte”, mas como uma habilidade disponível pra ser vendida e cumprir uma função específica e objetiva. “O mundo é assim”. Essa é a justificativa.

Quando eu escuto pessoas falando que, agora que o Ministério da Cultura acabou, “vagabundos vão parar de mamar nas tetas do governo e começar a trabalhar”, eu penso que são as mesmas pessoas com quem eu tinha que tratar na época do estúdio. Gente que não enxerga nada além do seu próprio interesse, gente que não tem nenhum objetivo além do próprio lucro e, pior, gente que tem a certeza absoluta de que o mundo é exatamente do jeito que ela pensa e limitado ao que ela conhece. Nesse caso, o valor de todas as coisas está também limitado ao valor de dinheiro que elas podem oferecer e nada mais.

AS RAZÕES DE UM MINISTÉRIO DA CULTURA - Um ministério é um setor do governo que ajuda a administrar um país, e a administração de um país é algo muito complexo, que exige mais reflexão e informação do que o “negociador” padrão possui. Ainda mais um país continental como o Brasil. O entendimento do Ministério da Cultura como um canal pra “dar” dinheiro público a artistas “vagabundos” é tão equivocado, tão ignóbil, que me dá um nó no estômago.

Sim, é verdade que há absurdos. Incentivos para Circos de Soleil e artistas tão bem posicionados que não precisariam desses apoios. Por outro lado, lembro das isenções fiscais dadas às montadoras automobilísticas aqui no Paraná. O objetivo era facilitar pra essas empresas (que não precisavam de nenhuma facilitação) porque a presença delas supostamente iria aquecer a economia do estado.

Pensar algo como a Cultura do ponto de vista de investimento econômico é entendê-la de forma limitada, mas ainda assim não é incorreto. Porque a produção cultural pode ser capitalizada, pode gerar empregos, pode gerar riquezas. Nesse sentido, políticas públicas como divulgação, verbas e projetos de incentivo são fundamentais para o desenvolvimento do setor.

Consideramos como indústria a produção de automóveis. Mas é uma produção que não tem mais como expandir. É absurdo querer colocar mais carros nas ruas. Daí faz muito sentido deslocar a relevância das indústrias automotivas para outras áreas, como a Cultura. Lógico que isso não interessa às grandes montadoras, aos grandes empresários, aos donos de TV e agências de publicidade, que faturam alto com a propaganda dos carrinhos.

Mas pensa. É só uma questão de valorizar, de incentivar, e podemos ter produção de cinema, jogos, livros, quadrinhos, peças de teatro, uma porrada de produtos. O consumo pode ser ampliado, podemos ter produção local, podemos ter mais empregos, podemos criar uma atividade econômica estável em cima de produtos simbólicos. Podemos ter um mundo mais feliz. Trata-se de uma mudança de percepções, de paradigmas, que poderia implicar uma economia mais saudável, sustentável, digna e humana.

E para isso precisamos de um Ministério da Cultura, precisamos de uma compreensão e um interesse da Cultura como uma alternativa econômica extremamente viável e atraente. Mas não temos isso. Temos pessoas que acham que a Cultura é mais uma bobagem, que não é trabalho de “verdade”. Temos pessoas que realmente não veem diferença nenhuma entre uma música, um filme, um livro ou um frasco de detergente. Aliás, elas veem sim: para elas, o frasco de detergente serve pra alguma coisa.

São essas pessoas que acham que “nenhum direito é absoluto”, que pensam que onerar a maioria da população com impostos e cortes em direitos à saúde e educação é contribuir para o crescimento do Brasil. Para essas pessoas, o enriquecimento indecente daqueles que já tem muito mais do que merecem é a mesma coisa que o crescimento do Brasil. E esse pensamento não é exclusivo de certos brasileiros. Há muita gente em outros países que pensa da mesma forma. É um pensamento empedrado, perverso, egoísta, que atende somente aos interesses dos muito ricos.

Mas também é um erro considerar que Cultura é só uma possibilidade de novas formas de mercado e economia. Cultura também é festa, festas populares, festivais, museus, atividades comunitárias, bibliotecas, espaços para circular e trocar ideias e crescer como ser humano. Nenhum interesse privado vai investir em bibliotecas ou museus a não ser para servir de marketing ou para afagar o ego do mega empresário que se vê como um bem-feitor da sociedade da qual toma todas as riquezas. Por isso é importante o Ministério da Cultura. Ainda que tenha seus problemas, vale a pena corrigi-los. Vale a pena lutar por essa Cultura.

Esse textão dificilmente vai ser lido por muita gente. E muita gente não vai mudar de ideia, se lê-lo. Vai continuar achando que Cultura é coisa de vagabundo e que detergente é melhor do que livro. Essas pessoas são as que mais precisavam desse ministério. É triste.

Aos que estão aí e compreendem tudo isso, faço o convite de resistir como puder. Resistir nas conversas, resistir no diálogo, resistir na paciência de ser a água mole em pedra dura. Porque essas pessoas que tem pedras no lugar dos cérebros e do coração, talvez possam ser despertas, talvez possam entender que o mundo tem espaço pra muitos outros jeitos de pensar além do delas.

E porque nós simplesmente não podemos desistir nunca de tentar tornar esse mundo um lugar um pouco menos miserável.



* Liber Paz é professor da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR) e autor de quadrinhos. Além de participações em obras coletivas, publicou “As coisas que Cecília fez” (2013) e “Dias interessantes” (2015)

sábado, 21 de maio de 2016

Políticos e politiquices #3

POR ET BARTHES

É um pássaro? É um avião? É um lutador de wrestling? Não. É o super-vereador Maurício Peixer pronto para para voar... ou distribuir voadeiras. 


sexta-feira, 20 de maio de 2016

Para falar de saúde, gestão, vereadores e papa















POR SALVADOR NETO

O tema golpe contra o governo Dilma Rousseff eleito pelo voto popular, e apeado do poder pelo grupo de Ali Babá uns 370 meliantes e um vice de lambuja, tem sido objeto de textos meus e de meus colegas do Chuva Ácida. Por isso decidi falar de política, mas ligando o planalto central à planície joinvilense. E vamos de saúde novamente. Afinal, por enquanto está fácil ao governo Udo Döhler do PMDB escapar do grito do povão. Ainda estão todos de olho na mudança feita em Brasília, para nada mudar. Ou melhor, mudar para pior.

Em 2012 Udo Döhler dizia: “De saúde eu entendo” ou ainda sobre o setor, “não falta dinheiro, falta gestão”. Da primeira frase até dá para aceitar o que afirmava o empresário da saúde e das fiações, porque de lucros na saúde ele entende mesmo. Mas de gestão da saúde pública, definitivamente não entende nada. A lista de falta de medicamentos essenciais continua, as filas de especialidades também, falta de leitos nem precisa falar pois o noticiário conta. Assim como em Brasília onde colocaram outro do PMDB, Michel Temer, para tudo mudar, e piorou, aqui também nada mudou.

Esta semana participei da Semana de Luta Antimanicomial em Joinville (SC). Esta batalha travada há quase 30 anos, e com marco oficial da Reforma Psiquiátrica Brasileira no ano 2000 com a promulgação da Lei 10.216. Assisti, e ouvi, as denúncias e lamentações dos servidores da saúde ligados à saúde mental. No plenário da Câmara de Vereadores sem nenhum dos nobres vereadores presentes para prestigiar, ouvir o grito dos bravos servidores, o luto pela luta foi representado por camisetas pretas, e por discurso de líder da associação dos pacientes do sistema.

Este serviço de saúde mental em Joinville já foi modelo de assistência em saúde mental para SC, e as ações ainda hoje possuem destaque junto às articulações no Ministério da Saúde. Hoje há um claro movimento de abandono do serviço, lento e gradual. Servidores que se aposentam não são repostos nos cargos vagos. Os locais de atendimento estão sem manutenções básicas, os recursos estão reduzidos ano após ano especialmente nesta gestão, e até, pasmem, passes de ônibus para os pacientes carentes se deslocarem de casa e que eram garantidos, estão cortados. Isso tudo prova que a saúde da população não é prioridade. Apenas números da saúde são prioritários.

Duas coisas impressionaram positivamente: a presença e a garra dos servidores na organização e realização da Semana de Luta Antimanicomial em vários locais, inclusive nas praças centrais da cidade, mostrando o carinho e amor que tem pelo serviço que prestam à essa população estigmatizada, e a coragem de denunciar o processo de sucateamento de mais uma área da saúde na maior cidade catarinense. Talvez na ótica do governo atual, essas pessoas não importem mais para os “números” que precisam ser mostrados logo ali em outubro.

E mais uma vez, além da certeza que o governo Udo Döhler é um vexame também na saúde, os nobres vereadores mostram a quem servem, e a quem não servem, na atual legislatura. Um dia depois em sessão de homenagem a proeminente empresário ligado à uma grande empresa de auditoria e do direito e ex-dirigente do Jec, estavam todos lá, perfilados para fotos e abraços ao executivo. Para os trabalhadores e familiares da saúde mental, nenhum deles esteve lá para dar seu apoio. Sintomático.

Em programa televisivo nesta mesma semana, um nobre vereador se comparou ao Papa Francisco como “autoridade”, e como tal, com todo o direito de viajar ao exterior com polpudas diárias pagas com nosso dinheiro. E outro, veteraníssimo, ao ser questionado sobre o clamor das ruas pela renovação total da Câmara nas eleições deste ano, saiu com a pérola que não concordava, pois sem gente “experiente” por lá, os servidores do Poder ficariam com poder suficiente para “levar” os novos vereadores para um “lado” não interessante.

Assim segue Joinville, um governo pífio, atrasado, e um legislativo subserviente, caro e improdutivo. O remédio é o voto este ano, para deixar a cidade mais saudável na área pública.

É assim, nas teias do poder...