quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Dilemas militantes

POR FELIPE SILVEIRA

Dias atrás eu assistia a um programa de debate esportivo que falou brevemente sobre Rogério Ceni, o goleiro do São Paulo FC. Eu nem gosto do RC e nunca o achei um excelente arqueiro, mas uma opinião sobre ele me chamou a atenção. O jornalista inglês Tim Vickery, correspondente da BBC, ao comentar a longa carreira de Ceni em um só clube, no Brasil, comentou o quanto é, digamos, injusto, que não possamos ter duas vidas, imaginando o quanto o próprio goleiro gostaria de ter tido uma carreira internacional, em grandes clubes europeus, disputando títulos nas principais ligas do mundo.

Fiquei pensando, então, em quantas vidas nos são negadas ao longo da nossa. Quantas possibilidades de profissões, militâncias, carreiras esportivas e artísticas. Quantos de nós não sonharam em ser jogador de futebol, artista de cinema, ter uma banda ou ser escritor?

À medida que a idade vai chegando, vamos diminuindo um pouco as expectativas. Mas o dilema persiste. Você não sabe se se dedica à carreira acadêmica, ao mercado ou à militância política. Nesta última, você também não sabe se se preocupa mais com a macroeconomia, com os problemas nacionais e internacionais, ou com os buracos de rua do seu bairro que não deixam você chegar em casa sem comprometer a suspensão do carro.

Enquanto militante de esquerda, outro problema se apresenta: lutar contra o capitalismo ou contra outras opressões que nos limitam, como os preconceitos de raça, gênero e sexualidade? Uma parte da esquerda tem isso bem resolvido. Acreditam que uma revolução socialista acabaria com os preconceitos, já que eles são fruto justamente da desigualdade gerada pelo sistema capitalista.

Não creio que seja suficiente. Primeiro porque a revolução não tem data marcada e nem sabemos se vai acontecer. Particularmente, não aposto minhas fichas. Segundo porque não imagino que ela resolveria essas questões.

Minha opção é casar as coisas. A luta de negros e negras é anticapitalista, porque ataca aqueles que lucram sobre esta desigualdade imposta. A das mulheres e da população lgbt, idem, entre várias outras. Se o sistema usa a desigualdade para ganhar dinheiro, nós temos que fazer o sentido inverso.

Portanto, se os buracos na rua te irritam, e os juros do banco fazem sumir o seu salário antes da metade do mês, não se omita por não saber o que fazer. Tudo faz parte do mesmo sistema, e lutar contra ele, em qualquer uma das frentes, é de suma importância.

Quatro anos de Chuva Ácida

Há duas semanas o blog comemorou o quarto ano de existência. São inúmeros textos desde então que tentam, muitas vezes com sucesso, promover o debate político em Joinville. Em uma cidade dominada pelo poder econômico, de vida fácil para os dominantes, com a história perseguição daqueles que se opõem, sem um curso de Ciências Sociais e com apenas duas universidades públicas completamente voltadas para gerar mão de obra qualificada para o mercado, manter o projeto, publicando diariamente, é um desafio imenso. Como co-fundador, quero somente agradecer a todos os escritores e leitores do blog, das pessoas que fazem dele uma pequena ilhota de resistência, com suas qualidade e defeitos, cercada de um mar tão revolto.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Tá serto!


Petista bom é petista morto




POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A barbárie é aqui. É em Minas Gerais. O velório de José Eduardo Dutra, ex-dirigente do Partido dos Trabalhadores, foi marcado por dois episódios bárbaros. No primeiro, um desconhecido atirou panfletos com o texto “petista bom é petista morto”. Mais tarde, apareceram três pessoas a portar cartazes que, entre outras coisas, desejavam a morte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O pequeno número de intervenientes poderia indicar apenas uma sequência de fatos infelizes. Mas não. Os episódios revelam uma cultura do ódio forte ao ponto de tornar irrelevante o valor da vida. É a rejeição da civilização. É a invalidação do imperativo categórico de Kant (aquele que fala em só querer para os outros o que queremos para nós – a vida é bem universal) e a negação do contrato social.

Os dois episódios, somados a tantos outros que se sucedem, revelam mentes em estado de putrefação. O ódio fez perder as referências da vida em sociedade. A decência, a tolerância e o respeito pelo ser humano – e pela vida – tornaram-se moeda podre. Fica escancarada a corrosão do carácter. E o pior: a intolerância atinge níveis que apontam, de forma assustadora, para o fracasso da democracia.

Sigmund Freud escreveu que o ódio é um processo do ego que projeta a destruição do ser odiado. O alvo dessa projeção? É todo aquele que se mostra irredutível à minha própria imagem. Ou seja, se o Outro é diferente e não se converte à minha imagem, odiá-lo é o caminho quase inevitável. Daí surge a negação desse Outro e, em situações mais extremas, o desejo de destruição (a pulsão de morte).

O processo faz surgirem as fobias, ódios irracionais pelo Outro. Há muitos exemplos. O racismo, porque a cor é irredutível. A homofobia, porque representa a negação do meu sexo “normal”.  Ou a xenofobia, porque a outra cultura do Outro me é estranha. Eis o problema: essas fobias têm como pano de fundo o ódio de classe, a negação do Outro que pensa diferente.

Há quem rejeite a expressão “ódio de classe” (os odiadores são os primeiros), mas ela é uma evidência no Brasil. E a origem está quase sempre nos conservadores. Há um discurso do ódio no dia a dia dessas pessoas. Quando se chama a presidente de vaca ou puta. Quando um deputado acha que a polícia mata pouco. Quando até um papa é execrado e chamado de comunista.

E sabem o que é mais lamentável, leitor a leitora? É o papel da velha mídia, que atua como incubadora dessa cultura de ódio. Na falta de ideias dos partidos de oposição, a imprensa ocupou esse vazio e tornou-se, ela própria, num forte partido de oposição. É um processo sui generis. A velha mídia instila o ideário fascista (cuja seiva é o ódio) e os reacionários transformam-no em prática quotidiana.

Viver pelo ódio produz uma estranha forma de vida. É bom lembrar Bernard Shaw, para quem o ódio é a vingança do covarde. Nem mais.


É a dança da chuva.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Rachando o bico.


Quem tem medo do voto impresso?


POR JORDI CASTAN
O veto da Presidente Dilma à impressão do voto é um retrocesso preocupante. Confesso que não passa um único dia sem que me decepcione um pouco mais, mas deixei de me surpreender já faz tempo. Os princípios mais elementares de transparência exigem que não paire dúvida sobre a lisura do processo eleitoral. E hoje há cada vez mais dúvidas.

Passado o encantamento com o brinquedo tecnológico, surgiram as primeiras dúvidas. Aqui e acola surgiram denúncias, muito antes da eleição de Lula, de que as urnas eram passíveis de violação. Professores de algumas universidades públicas e especialistas em informática alertaram sobre a fragilidade do sistema - que, é bom lembrar, já tem mais de 20 anos, uma eternidade no mundo da informática.

As eleições de 2010 já foram motivo de questionamentos. Menos pelo resultado, porque não houve, naquele momento, dúvidas sobre a legitimidade da eleição da candidata do PT, mas sim sobre a segurança e vulnerabilidade do sistema. Em tempo hábil se iniciou um movimento que solicitava a adoção do voto impresso, para ser utilizado, como contraprova, em caso de dúvida, questionamento ou de falha nas urnas, como, aliás, acontece em todas as seções.

Hoje se uma urna estraga durante o dia da votação, aqueles votos não são contabilizados e são perdidos. O TSE tem se negado sistematicamente a considerar a possibilidade de adotar o voto impresso. A sua recalcitrante posição contraria sempre me pareceu estranha. Hoje me parece suspeita.

Novamente antes das eleições de 2014 houve várias iniciativas em favor do voto impresso. O presidente do TSE, o juiz Dias Toffoli, curiosamente, tem sido absolutamente contrário à sua adoção. Curiosamente ele. A proposta do voto impresso como contraprova é simples, barata e fácil de implantar. Quando o eleitor vota na urna eletrônica, um terminal imprime o voto, num equipamento equivalente a uma impressora de cartão de credito. O eleitor confere a papeleta e verifica que corresponde ao que ele votou. Feito isto coloca o impresso numa urna lacrada frente a mesa eleitoral.

Ao encerrar a eleição um número de urnas é sorteado para ser “auditado”. Os resultados da urna são conferidos com os das papeletas impressas. Sem erro, 100% devem ser idênticas. Feita a conferência não há duvidas e o sistema se prova confiável. As outras papeletas são destruídas. Final da historia.

Sem deixar de usar as urnas eletrônicas e se beneficiar de um sistema que permite uma apuração rápida. O voto impresso segue os principios mais elementares de contabilidade, permitindo a produção de uma contraprova que possibilite um controle. Hoje não há nenhuma prova. A adoção do voto impresso não representa nenhum retrocesso, como se os seus defensores propusessem a volta da máquina de escrever ou ao Brasil anterior ao descobrimento, como alguns querem fazer nos fazer acreditar. 

Há perguntas que não querem calar. Quem tem medo da contraprova? Porque se opor ao voto impresso? Há outras alternativas que garantam a transparência e a segurança? A quem interessa alimentar a teoria da conspiração? Se a tecnologia das urnas brasileiras é tão boa e tão segura, por que não tem sido adotada por nenhum outro país?