POR SALVADOR NETO
Paris, 7 de janeiro de 2015. Um
atentado contra o semanário Charlie Hebdo, publicação conhecida na Europa pelo
sarcasmo, críticas ácidas, inteligentes e corajosas, e também pela irreverência
com que tratava a sua política
editorial, não poupando nada e ninguém, deixa 12 mortos. Segundo a policia,
três homens encapuzados e armados com fuzis entraram na redação e executaram os
principais nomes do jornal, entre eles os principais cartunistas do país. Segundo
a polícia, seriam jihadistas, muçulmanos, a vingar o profeta Maomé pelos
ataques feitos pelo jornal francês.
Pouquíssimos
por aqui conheciam a publicação, e tampouco os cartunistas mortos. Desde a
publicação de uma charge de Maomé, em 2011, os diretores do Charlie viviam sob
cuidados policiais, já que foram ameaçados de morte, e a sede do jornal sofreu
atentados. Falamos de um país do primeiro mundo, onde a longevidade de sua
civilização e cultura deveria demonstrar, exatamente, mais civilidade. O que
vemos é que no quesito ódio e intolerância, estamos no mesmo andar. E o que
isso pode significar? De onde observo, vejo que estamos a descer os andares, e
logo chegaremos ao subsolo do subsolo da violência.
Este
ano completam-se 70 anos do massacre promovido pelos EUA contra a população das
cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki, bem como do final da II Guerra Mundial,
a mais sangrenta da história. A partir dali imaginou-se um mundo livre das
guerras, com paz e civilidade. Criou-se a ONU, hoje um órgão que fala para o
deserto em que se transformaram as relações entre as nações. Sucederam-se
massacres pelo mundo, desde a URSS com Stalin, Israel contra palestinos,
Sarajevo, Kosovo, bombas em metrôs de Madrid, Londres, bombas humanas a
explodir em mercados. Sete de setembro nos EUA. E tantos outros.
Em
todos esses e tantos outros momentos, a liberdade de expressão sempre foi
sufocada por ambos os lados envolvidos em conflitos. Jornalistas, cartunistas,
artistas, todos que se manifestem por A ou B, critiquem, denunciem, viraram e
viram alvos de quem busca o poder hegemônico, ou de quem deseja se defender das
imposições desse poder. No Brasil da ditadura, centenas de pessoas foram mortas
por querer a liberdade e denunciar as arbitrariedades. Nós jornalistas fomos,
somos e seremos alvos permanentes de quem detém poder. Essa intolerância com a
opinião e os desejos dos outros não morre nunca. Quem morre a cada atentado é a
liberdade.
Venho
do horrendo atentado em Paris até o nosso país para dizer que aqui também as
coisas não andam bem. Pouco se divulga, mas a intolerância religiosa cresce
muito ano a ano. Terreiros de candomblé sofrem atentados. Somos o país campeão
do mundo em assassinatos de homossexuais. Na última campanha eleitoral vimos
diariamente nas redes sociais o ódio na via da política, contra nordestinos,
contra pobres, negros, minorias. Pessoas que agora falam, compartilham notícias
sobre o atentado contra a Charlie Hebdo, muitas delas são as mesmas que defendem
a volta da ditadura no país por não aceitarem o resultado das urnas. Estamos
gerando um novo ovo da serpente.
Essa
barbárie contra profissionais livres, homens e mulheres que lutam diariamente
pela liberdade, e liberdade de expressão, deve servir não para amedrontar os
que continuam na batalha denunciando o ódio e a intolerância. Porque esse é o
desejo de quem financia, planeja e promove tais atos de morte e ódio, empurrar
a sociedade para guetos do medo. Há mais escondido sobre esse ato contra a liberdade
do que podemos enxergar, muito mais do que a falsa questão religiosa que visa
manter e ampliar uma pretensa guerra santa entre ocidente e oriente. Cabe a nós
continuar a luta pela liberdade, por mais humanidade, pela cultura da paz. Em
nome dos 12 mortos em Paris.

