segunda-feira, 19 de maio de 2014
O que é ruim a gente esconde
POR JORDI CASTAN
Quem lembra ainda da frase que custou o posto de ministro a Rubens Ricupero, no governo do falecido Itamar Franco? O Brasil mudou muito e hoje ninguém mais perderia o
cargo por isso. Em Joinville, o MPSC
investigava uma denúncia contra quatro secretários municipais pelo acúmulo de
vencimentos, que recebiam, de forma cumulativa, o vencimento de Secretário e
jetons da CAJ de R$ 3.000,00 - o que é vedado pela lei Orgânica do Município. A
notícia divulgada pela imprensa foi que a ação foi arquivada.
A primeira leitura para o leitor desavisado é que nada havia
de errado, que tudo não passou de mais um caso de “denuncismo” e que os
secretários cujos nomes foram citados não cometeram nenhum ato ilícito. É bom
pesquisar um pouco mais. Quem estiver interessado em conhecer a verdade dos
fatos pode achar no site do MPSC as informações que são todas públicas. Até este momento somente os secretários Miguel Angelo
Bertolini e Romualdo França devolveram o valor recebido irregularmente.
O ÓBVIO ULULANTE - Parece que a recorrente concessão de liminares e
intervenções da Justiça em seu governo - eufemisticamente denominadas pelo prefeito como acidentes de percurso - tornou-se o carimbo do cotidiano,
envolvendo até os mais competentes e preparados auxiliares que fazem as vezes
de dublê de secretários municipais e conselheiros do Conselho de Administração
da Companhia Águas de Joinville. Nesta última semana, veio a público o
resultado de uma investigação iniciada pela Promotoria no ano passado, concluindo
o óbvio ululante: os secretários Nelson Corona, Miguel Angelo Bertolini,
Romulado França e Braulio Barbosa não podem acumular os seus vencimentos de
Secretários com os generosos jetons de R$ 3000,00 pagos por cada reunião com
duração de uma hora do Conselho de Administração da CAJ- Companhia Águas de
Joinville.
Inquiridos pela Justiça, dois secretários se apressaram em enviar um ofício (em anexo) para a Promotoria da Justiça e ao Presidente do Conselho da Administração da CAJ - um empresário indicado pelo prefeito Udo - dizendo que não podem mais receber o jeton de R$ 3000,00 devido à proibição existente na Lei Orgânica do Município. Imagino com deve ter sido doloroso aos eminentes secretários Miguel Angelo Bertolini e Romualdo França a devolução dos jetons percebidos nos últimos 10(dez) meses, cada qual a insignificância de R$ 42.052,14.
Inquiridos pela Justiça, dois secretários se apressaram em enviar um ofício (em anexo) para a Promotoria da Justiça e ao Presidente do Conselho da Administração da CAJ - um empresário indicado pelo prefeito Udo - dizendo que não podem mais receber o jeton de R$ 3000,00 devido à proibição existente na Lei Orgânica do Município. Imagino com deve ter sido doloroso aos eminentes secretários Miguel Angelo Bertolini e Romualdo França a devolução dos jetons percebidos nos últimos 10(dez) meses, cada qual a insignificância de R$ 42.052,14.
Ainda não se tem notícia que Nelson Corona e Braulio Barbosa
devolveram a parte deles, mas acreditamos que isto deva ocorrer em breve. Pesou
na decisão republicana do prefeito a eficiência administrativa, a preocupação
com a gastança dos recursos públicos e a tolerância zero com as cifras
douradas. Pena que isto só aconteceu por medo do pau comer na Justiça.
Acidentes de percurso acontecem nas melhores famílias e ainda assistiremos
muitos exemplos nesta (in)-eficiente gestão.
OBS: cifras douradas - é um conceito sociológico criminal que
se refere as infrações contra o Estado praticados pela elite política e
econômica que não são investigados pelos órgãos oficiais.
ACIDENTES DE PERCURSO - O prefeito tem se especializado em acidentes de percurso (é quase um campeão). Desde que assumiu a gestão do município de Joinville, Udo Dohler tem recitado o mantra da eficiência, da economicidade e da gestão profissionalizada. Acredito que ele seja fã do ex-prefeito de Nova Iorque, Rudolf Giuliani, famoso por criar a doutrina da Tolerância Zero, prima-irmã da Teoria das Janelas Quebradas de Chicago. Mas como o pensamento sem reflexão é como a água no pântano, a experiência obtida na iniciativa privada não tem surtido efeito esperado no trato com a coisa pública. O resultado é sintomático: falta de planejamento, inépcia dos serviços públicos e avaliação em queda livre.
Nesta última semana, o toque de Midas (inverso) do prefeito foi ofuscado por duas ações na Justiça. Uma delas impediu temporariamente que o prefeito terceirizasse o serviço de saúde, contratando uma instituição privada para desafogar a grande pedra do sapato em sua gestão: o caos que se tornou a saúde pública na cidade, com falta de leitos, ausência de medicamentos, falta de médicos e represamento de 200.000 consultas à população carente de Joinville atendida pelo SUS.
Depois da Justiça afastar o ex-secretário da Saúde, dono de um perfil cooperfildiano, pela sua capacidade em fazer desaparecer nomes das longas listas de espera por uma consulta, agora entendeu que a terceirização da saúde, uma atividade-fim do Estado, configura indícios de malversação de recursos públicos e atenta contra as regras da boa administração pública. Assim, os míseros 10 milhões de reais depositados na conta do Fundo Municipal de Saúde predestinados a sangrar, por ora ficarão em paz em berço esplêndido.
sexta-feira, 16 de maio de 2014
TV Revolta, rede de ódio e a alternativa
POR FELIPE SILVEIRA
A modinha da semana é a tal TV Revolta. Uma porcaria de página no Facebook que publica montagens com teor de direita e principalmente antipetista, além de algumas mensagens de auto-ajuda e outras supostamente engraçadas. É apenas mais uma neste mar de lixo, na rede de ódio que cria a cada dia um novo ponto distribuidor.
O sucesso, imagino, se deve ao modo meio disfarçado de ser de direita e à simplicidade das publicações, que não exigem reflexão alguma dos leitores. Também é diferente de páginas assumidamente fascistas, que exigem dos leitores que assumam preconceitos e o gosto pela violência.
Mas a TV Revolta não é o problema. Como já disse, ela é só mais um nó na rede de ódio que cresce a cada dia, pois odiar é fácil e fomos criados em um sistema que o estimula. O problema é que não conseguimos propor uma alternativa a isso.
O que podemos fazer para mudar os rumos dessa discussão? Investir maciçamente e promover o acesso de todos à educação? Criar vínculos e ações comunitárias que envolvam as pessoas de maneira que elas sejam protagonistas na sociedade? Ir em massas às ruas? Criar e exigir uma imprensa alternativa e transformadora? Criar e cobrar leis que promovam a emancipação e garantam direitos à sociedade?
Parece-me que tudo isso é extremamente importante, mas também muito lento. Enquanto isso a TV Revolta chega a milhões de pessoas, assim como as igrejas, certos radialistas locais, o Cidade Alerta, o Jornal Nacional...
O cenário é tão desolador quanto o sistema de abastecimento de água de São Paulo, mas, assim como a chuva pode cair a qualquer momento, uma ideia nova pode aparecer. E, se não aparecer, sigamos em frente, construindo nossos laços, nossa rede.
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Vai ter Copa! E...?
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Não é preciso entender alemão |
POR CLÓVIS GRUNER
Desde criança me sinto um peixe fora d’água: nascido e
criado em um país que fez do futebol uma espécie de patrimônio, passei a
esmagadora maioria de meus anos sem entender, gostar, jogar ou acompanhar futebol.
E mesmo tendo descoberto, só recentemente, que realmente pode ser divertido “jogar
uma pelada” com os amigos, minha inaptidão para o esporte permanece inalterada:
eu não apenas jogo mal sempre que entro em campo, como meu contato com o
futebol se limita aos encontros de sábado à tarde com alguns camaradas e alunos.
Embora agora jogue, eu continuo sem entender, gostar ou acompanhar futebol.
Por isso me causou certo estranhamento quando comecei a ver
pipocar, nas ruas e demais redes sociais, o “Não vai ter Copa”. Indaguei-me
algumas vezes acerca do por que em um país que sempre amou o futebol, e que
amargou décadas esperando sediar novamente uma Copa do Mundo – sim, acreditem,
já houve um tempo em que reclamávamos do descaso da FIFA –, muitos entre nós
tratamos o evento não apenas com desdém, mas com sincero repúdio?
Não existe uma resposta única, nem tampouco óbvia, para a
questão; da mesma maneira como não são unívocos os motivos que levam tanta
gente a compartilhar a palavra de ordem #nãovaitercopa. Há muito oportunismo,
sem dúvida, especialmente porque o evento coincide com o ano eleitoral e a
oposição, desprovida de projetos e programas, aposta suas fichas no fracasso da
Copa do Mundo para desestabilizar o governo e faturar uma casquinha eleitoral.
Mas até aí nenhuma novidade. Faz parte do jogo, e o PT não faria diferente se
fosse o contrário.
Há, igualmente, muita ingenuidade, um bom quinhão de desinformação
e porções generosas de má fé. É ingênuo acreditar, mesmo vagamente, que os
investimentos em educação e saúde, por exemplo, seriam maiores e melhores sem a
Copa do Mundo ou que nossos problemas, estruturais alguns deles, estariam
magicamente resolvidos não fosse o evento. Falta informação a quem insiste em afirmar
que os investimentos feitos sangram os cofres públicos e contribuem para fragilizar
ainda mais a economia; nossas incertezas econômicas não começaram com a Copa e não
se encerrarão depois dela. Mas, principalmente, compartilhar uma notícia velha e
descontextualizada, elogiando a decisão do ditador João Batista Figueiredo ao recusar, em 1983, sediar a Copa de 1986, como se isso o tornasse algo
mais do que ele realmente foi, um presidente autoritário e truculento, se não é
má fé, só pode ser estupidez.
COPA E DEMOCRACIA – Mas não acho que se possa ver a questão
apenas sob esse prisma. Porque se há um pouco de quase tudo no movimento “Não vai
ter copa”, há demandas legítimas que nos obrigam a avaliar a porção de
responsabilidade principalmente do governo federal nas crescentes demonstrações
de descontamento. Faltou, falta, transparência onde sobra truculência, e a recente
declaração da presidente Dilma Rousseff, de “quem quiser manifestar, pode! Mas
quem quiser manifestar não pode prejudicar a Copa”, não ajuda a amenizar a
sensação de que o custo social e político da Copa, já alto, não cessa de subir.
Impressão reforçada com a matéria publicada na mais recente edição
da revista alemã Der Spiegel. O texto ressalta a maneira enviesada
como muitas das decisões foram tomadas e a herança violenta do campeonato: os
operários mortos na execução das obras, conduzidas com pressa irresponsável; a
ação higienizadora da polícia e do exército que, à bala de borracha e gás
lacrimogêneo, expulsam das ruas os manifestantes, principalmente nas
cidades-sede; os milhares de cidadãos brasileiros removidos à força em função
das obras. Nesse sentido, o grito “Não vai ter copa!” tem também uma conotação
simbólica fundamental. Porque não se trata, óbvio, de barrar um evento mundial –
ninguém, acho, é ingênuo a esse ponto –, mas de confrontar o discurso estatal,
sempre monumental e laudatório; de escová-lo a contrapelo para fazer aparecer, além
da superfície lisa das imagens oficiais, as muitas asperezas que ele encobre.
Por isso me parece equivocado atribuir um caráter exclusivamente
conservador às movimentações contra a Copa. Que oportunistas estejam a erguer uma
bandeira, preocupados em simplesmente desestabilizar o governo; que uma
oposição à deriva esteja a fazer dela um uso eleitoreiro; que setores
principalmente das camadas médias estejam a aproveitar o ensejo para reiterar
seu conservadorismo tacanho e ressentido, nada disso retira sua legitimidade.
Porque junto a estes há também aqueles que vislumbram, nos protestos, a
possibilidade de ampliar nossa experiência democrática e, a exemplo do que
ocorreu em junho do ano passado, usam as ruas e as redes para construir alternativas de
participação e ocupação do espaço público que não exclusivamente as que passam
pelos mecanismos institucionais da política.
Quase sem querer, o “Não vai ter Copa” revela uma faceta fundamental de nossas três décadas de retomada democrática, depois de duas de ditadura. Uma sociedade não vai às ruas questionar sua democracia, sem ter a segurança de que ela está suficientemente consolidada em seus aspectos formais para ser criticada e tensionada. E somente uma geração felizmente desacostumada à ditadura e, por isso, mais atenta às fragilidades e contradições da democracia, bem como à necessidade de fazê-la avançar, é capaz de fazer isso. Porque ela sabe que a democracia não pode limitar-se às formalidades institucionais, ainda que elas sejam importantes: ela precisa deslizar para o cotidiano e ser um pressuposto fundamental de uma cultura política e de experiências de vida efetivamente pluralistas. E talvez seja esse o principal legado da Copa.
Quase sem querer, o “Não vai ter Copa” revela uma faceta fundamental de nossas três décadas de retomada democrática, depois de duas de ditadura. Uma sociedade não vai às ruas questionar sua democracia, sem ter a segurança de que ela está suficientemente consolidada em seus aspectos formais para ser criticada e tensionada. E somente uma geração felizmente desacostumada à ditadura e, por isso, mais atenta às fragilidades e contradições da democracia, bem como à necessidade de fazê-la avançar, é capaz de fazer isso. Porque ela sabe que a democracia não pode limitar-se às formalidades institucionais, ainda que elas sejam importantes: ela precisa deslizar para o cotidiano e ser um pressuposto fundamental de uma cultura política e de experiências de vida efetivamente pluralistas. E talvez seja esse o principal legado da Copa.
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