sábado, 12 de outubro de 2013

As datas e a idiotice

POR FERNANDA M. POMPERMAIER

O dia das crianças está se aproximando e essa é mais uma data que eu só lembro porque tenho muitos amigos brasileiros no facebook. Assim como dia dos pais, das mães, dos namorados, da secretária, do engenheiro, da árvore, do ônibus, da calçada, enfim,...  a lista segue on and on.... 

A pressão comercial nessas datas na Suécia é tão insignificante que chega a ser desprezível, quase inexistente. Não vejo propagandas, não existem outdoors, não se vê cartazes nas lojas... nada que lembre que alguma data importante para o comércio esteja próxima, durante o ano todo. É claro que isso também faz parte de uma política ferrenha do governo de não permitir propaganda de qualquer forma e em qualquer lugar porque enfim, o capitalismo não venceu no mundo todo. Existe além disso, uma influência cultural forte de não consumir o que não é necessário. 

Nas escolas nenhum cartão para os pais e lógico, nenhum apresentação cultural com esse tema. As pouquíssimas datas comemoradas nos centros de educação infantis estão relacionadas: às mudanças de estações: uma festa no verão, outra no outono, o natal, a páscoa e o dia de Santa Luzia (tradição é tradição, não dá de fugir de tudo). Mas de qualquer maneira, o apelo comercial é muito menor e sou grata por isso.

Sentia que no Brasil, eu passava o ano todo comprando presente pra alguém por alguma data que se aproximava, uma idiotice. Fazemos mesmo um big deal desses momentos afirmando que são uma desculpa para lembrar-se de alguém e fazer algo legal para essa pessoa, quando na verdade isso acaba sendo uma grande encheção de linguiça.

A verdade é que como mãe eu não quero nada de flor, chocolate ou perfume, muito menos um dia por ano para ser lembrada. Eu quero licença maternidade de 1 ano. Quero o direito de acompanhar meu filho ao médico sem encarar cara feia de chefe. Quero salário igual ao de um homem na mesma função. Quero vaga num centro de educação infantil público e de qualidade. Quero o direito de amamentar em público sem nenhum marmanjo com síndrome de punheteiro achar que tô usando a mama para o ofício errado. Resumindo, quero respeito e reconhecimento genuíno, que não dura um dia mas o ano todo e atinge à todas da mesma forma.

O mesmo acontece com a infância. Quem precisa de dia da criança quando em Joinville mesmo existem crianças em condições desumanas de vida? Quando os ceis tem listas de espera quilométricas porque não tem vaga para todos? Quando nossos espaços públicos, de parques a calçadas não acolhem a criança? Nossos espaços não são pensados para a vivência da infância. Em boa parte da cidade é impossível ir à escola de bicicleta ou à pé em segurança. É impossível correr num grande gramado, soltar pipa, conhecer diferentes árvores, dormir nas suas sombras,...... a não ser que seu pai trabalhe numa empresa que ofereça uma boa associação, aí a criança pode ter ALGUM direito. Mas essa prática segrega, oferece à criança uma convivência selecionada e isola uma parte da cidade com a qual ela não terá contato, a não ser que seja obrigada. E isso é viver à margem da realidade. Dá quase de processar a prefeitura por negligência. Por deixar de oportunizar aos seus pequenos moradores experiências verdadeiramente participativas e prazeirosas na cidade.
Sem comentar as  restritas oportunidades que terão os pequenos das periferias que se contentarão com os presentes que ganharem nos programas de fim de ano dos funcionários de empresas, uma hipocrisia.

A mudança cultural começa conosco.
Começa em casa tirando o foco do material e oferecendo outras vivências.
Mas continua com o mais importante: envolvendo-se de verdade nos movimentos sociais que podem definitivamente mudar o destino de crianças, mães e mulheres à longo prazo. Nas associações de moradores, nas decisões da política local, nas lutas por vagas, nas denúncias de maus tratos,... inúmeras são as formas de ajudar e eu sei que muita gente já faz muito, mas sempre é bom engrossar o coro e exigir direitos de verdade. Se nós, mulheres e mães não o fizermos, ninguém fará por nós.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Entidades...


Um avanço histórico, com óbvia e lamentável resistência da ACIJ

Escravidão no Brasil, Jean-Baptiste Debret (1768-1848)
POR FELIPE SILVEIRA

Apesar do nariz torcido da elite econômica da cidade, que se reúne publicamente num clubinho chamado ACIJ, foi aprovado na câmara, nessa quinta-feira, 10 de outubro, o projeto de lei que declara o Dia da Consciência Negra como feriado municipal. Um raro ponto para os parlamentares, principalmente para o vereador Dorval Pretti (PPS), autor da proposta.

Há de se comemorar esse avanço, mas sem deixar de ficar chocado com a resistência de quem detém o poder econômico e político, e que acaba influenciando das milhares de pessoas com as mesmas (falta de) ideias. Mesmo que não surpreenda vindo de quem vem, choca.

Não surpreende que isso aconteça numa cidade que esconde seu passado de escravidão, já que raramente fala da presença de escravos que estavam aqui antes mesmo dos imigrantes alemães, suíços e noruegueses desembarcarem na Lagoa do Saguaçu. Aliás, foram os escravos cedidos pelo coronel da região que fizeram a maior parte do trabalho pesado nos primeiros dias da colônia.

Uma escravidão que continuou e aumentou por muitos anos, pelo menos até a abolição, como conta Carlos Ficker, em História de Joinville - Crônica da Colônia Dona Francisca: “Veio, a 13 de maio de 1888, a Lei de abolição dos Escravos. Na noite do dia 15, sob chuvisco e tempo nebuloso, percorreram a cidade de Joinville os negros e mulatos, moradores da redondeza, soltando foguetes e bombas, manifestando assim a sua alegria e dando vivas à Princesa Isabel e ao Conselheiro Antonio Prado.”

Acabou a escravidão, mas a exploração e a marginalização da população negra nunca cessou. No desenvolvimento da cidade, que empurrou os negros para as áreas periféricas e pobres. No trabalho, ao dar o emprego e as promoções para o funcionário branco. Na mídia, na escola, na família, na rua, em toda a sociedade. Uma marginalização que talvez viva seus dias mais intensos, com o extermínio da população negra e jovem, tanto pela polícia quanto pela criminalidade. E isso tudo aqui, em Joinville mesmo, onde jogadores do JEC são abordados como suspeitos apenas por causa da cor da pele.

É importante refletir sobre nossa história e sobre de onde parte essa resistência às ações que buscam assumir e reparar o erro histórico. Qual é a causa? Qual é o efeito? Qual é a intenção? Uma desculpa tosca tenta associar o feriado com um possível atraso na produção industrial do país. Há quem vá comprar essa, pois sempre há o cego que não quer ver. Mas e você, vai acreditar?

Em maio deste ano, o jornal Notícias do Dia publicou uma matéria sobre a escravidão em Joinville. É um bom começo para quem quiser saber mais sobre o tema, que é um dos mais devastadores, pelo menos pra mim, emocionalmente, da história da humanidade.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Recordar é viver

POR ET BARTHES
Diga lá se você não está sentindo saudades do estilão Paulo Coelho do prefeito lá no Twitting in the Rain?


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Carta ao espectro de Marx


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Meu caro Karl Marx.
É provável que já tenha notado, mas, de qualquer forma, vou repetir: você morreu. Ah… e o marxismo também. É triste, eu sei, mas você tem que aceitar o fato. E é pouco simpático que o seu espectro insista em voltar ao planeta.

Não volte. Ainda um dia destes um estudante de Itajaí jogou mais uma pá de cal sobre o seu nome. É claro que o tal guri nunca leu um texto seu. Chateado? Não é preciso, porque ele parece ser um daqueles que sequer conseguem ler o menu para pedir um x-burguer.

Mas a coisa virou notícia na imprensa e o pessoal trouxe o seu espectro de volta. Já imaginou os problemas que isso causa? Se o seu fantasma continua a rondar por aí, as pessoas - os tais trabalhadores - podem começar a acreditar nos teus poderes e o caldo entorna.

Ora, isso não seria justo para os banqueiros, os multimilionários, os megaempresários ou os especuladores da bolsa. Você tem que reconhecer, caro filósofo, que esses sujeitos têm feito a lição deles direitinho. Veja o mundo que eles construíram. Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Os países do hemisfério Norte detêm quase 85% dos recursos econômicos do planeta.

O Estado está a ser desmontado, tudo a ser privatizado. Os políticos pensam que mandam, mas já não mandam nadinha - são apenas títeres. Os trabalhadores perdem direitos e o desemprego aumenta e aumenta e aumenta. Acho que no futuro não vai haver mais essa coisa chamada emprego. Portanto, não precisamos das suas ideias.

Ah... e a tal globalização criou um monstrengo chamado "pensamento único". É que depois da queda do Muro de Berlim, o marxismo foi mais uma vez enterrado e o modelo neoliberal foi considerado vencedor. Hoje existe um neoliberalismo, mas não um neomarxismo. Perdeu, velhinho. Aliás, ali na Univali o cara inventou o “único pensamento”: é proibida a inteligência.

De qualquer forma, velho filósofo, fica sossegado, porque sei de fonte segura. O cara só não escreveu o texto porque não sabia quem era Marx. Se tu, se o Groucho, se o Harpo ou se o Chico. E também tinha o Burle, mas esse ele pensou que fosse para fazer café.