POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
No tempo em que era criança não havia bullying. É que a palavra não exisitia (nunca ouvi alguém falar) e então a gente não
sabia se sofria disso ou não. Como podem ver, o problema da minha geração era apenas sofrer de déficit
semântico, porque ninguém tinha dado o nome à coisa. Aliás, se fosse pelos padrões de hoje acho que não tinha sobrevivido à minha
infância e pré-adolescência.
Gente, aquilo era o reino do bullying. O Baleia era
gordo. O Tiziu era um preto pequenininho. O Bode era japonês. O Mijão mijava na
cama (mas era boato). O Frangão tinha um parafuso a menos. O Portuga, filho de
portugueses, era burro. O Pamonha era molóide. O Barranqueiro nem me atrevo a
dizer. O Pelé, nem preciso dizer. E eu era o Linguiça, por ser muito magro e alto.
É claro que a gente fazia piada e sacaneava com essas
características mais marcantes dos outros. Aliás, se não houvesse motivo para
pôr apelido, a gente inventava. Criança sabe ser amiga, mas também tem um certo
prazer em sacanear os outros. Mas às vezes o caldo entornava e tinha gente que saía
no braço. Só que ao final do dia a coisa passava e o pessoal acabava sempre amigo. Era normal para a molecada da minha geração.
Hoje é diferente. Vem especialista e diz:
- O que parece ser um apelido inofensivo pode afetar
emocional e fisicamente o alvo da ofensa.
Claro que pode. Mas que culpa a gente tinha? A minha geração cresceu de
outro jeito, com mais autonomia. Naquela época a gente tinha a rua, o campinho de futebol e o córrego para nadar nos dias de calor (e de frio também que criança não sofre com essas coisas). E garanto que não há maneira melhor para
cimentar as amizades. Ah... e tinha o lado legal de que os pais e os professores nunca estavam nesses lugares.
Aliás, não sei que caminhos tomaram todos os meus
amigos, apenas alguns. O Baleia ficou magro. O Frangão trabalha com
investigação em agricultura. O Bode virou um pro dos computadores. O Portuga é
engenheiro. O Tiziu tentou fazer carreira no futebol mas se deu mal. Eu fiz
voto de pobreza e fui para o jornalismo. Mas sobrevivemos.
E hoje, quando vejo tanta gente a repetir essa palavra
– e o tantão de gente que parece saber tudo sobre o assunto – só penso numa coisa: ainda bem que eu não sabia
inglês e nunca aprendi aprendi essa palavra bullying. Porque a minha infância podia ter sido muito chata. E viva o déficit semântico.