domingo, 11 de agosto de 2013

O que aprendemos na última eleição?

POR IRIO CORREA

O que o governo Udo faz até agora?

Mercado Público, Expoville, Juquiá, Zoobotânico, Abel Shultz, reformas e construção de escolas, novos postos de saúde, Minha Casa, Minha Vida, mirante do Boa Vista.  Todas essas obras foram iniciadas, planejadas ou estavam prontas para licitação desde o governo Carlito.

Tá bom, vamos reconhecer que o programa Um Computador por Aluno, em negociação pela Secretaria de Educação, foi substituído pela novidade do tablet. Algumas obras em andamento, como a Casa de Cultura, o auditório da Fundação 25 de Julho e a rua Timbó, já esbarravam e continuam esbarrando em problemas com contratos ou empreiteiras. Poderiam estar concluídas, mas não foram.

O próprio Restaurante Popular II estava com as obras físicas concluídas e faltava apenas a licitação de equipamentos. Mesmo as obras de saneamento foram contratadas e projetadas pelo governo anterior, incluindo a nova estação da Jarivatuba, a adutora do Piraí, a estação de lodo e as obras de abastecimento e fabricação de água.

SAÚDE - E a saúde, Carlito construiu a casamata, policlínicas, almoxarifado de medicamentos, aumentou salários de médicos e enfermeiros, captou recursos para postos e UPAS.  O São José recebeu sistemas eletrônicos de prontuário, o quarto andar, climatização de unidades e controle patrimonial. Agora, pintaram as paredes, instalaram o ponto digital, que já estava contratado, e o governo Colombo aparece novamente com ajudinhas pontuais e ao que parece, novos investimentos no Regional.  O que mais além do cancelamento da UPA da Vila Nova?

Talvez a grande diferença atual seja mesmo o protecionismo do governo Colombo que, diferentemente da discriminação hostil com o governo petista, frequenta Joinville, destravou e acelerou politicamente as obras do BNDES III e do BADESC, contratos assinados pelo Prefeito Carlito. A própria duplicação da Santos Dumont era um projeto da campanha de Carlito em 2008 e que o Estado agora banca com o apoio entusiasmado dos empresários. Sobre isso, ainda acho que o binário com a Tenente Antônio João era um projeto de mobilidade que humanizaria mais a região norte, mais seguro do que um grande corredor duplo de alta velocidade no meio do povo.

Falando nisso, os projetos de mobilidade urbana do PAC cantados como conquista pela atual gestão nas fotos com a Presidenta Dilma, também foram apresentados pelo governo anterior.

CHOQUE DE GESTÃO? Ou seja, é bom, correto e saudável que haja continuidade dos projetos, mas há um continuísmo piorado na atual gestão. Piorado porque a alternância no poder suspendeu ou atrasou inúmeras obras estratégicas para a cidade. São oito meses em que o propalado choque de gestão não aconteceu. Pelo contrário, um governo que enxuga cargos estratégicos e negocia a conta gotas uma composição fisiológica com a Câmara de Vereadores só pode andar lentamente. O governo importou muitos estrangeiros que também precisam de tempo para conhecer a rotina administrativa e a cidade. A demissão linear dos cargos comissionados de carreira também atrapalhou. Muitos tiveram que voltar para evitar o apagão gerencial.

Mesmo com maioria política, midiática e parlamentar, o Executivo parece que entendeu tardiamente que fazer gestão não é só fazer gestão, é fazer política também, ou seja, dialogar permanentemente com os partidos e a sociedade os rumos do governo. É compor, negociar, ceder mas sem abdicar de decidir, o que não está acontecendo.

Algum sinal de uma grande transformação administrativa? Um governo de resultados? Indicadores de eficiência e controle de metas? Nada. Pode ser que ainda apareça algo por aí e vai ser ótimo. Mas o governo é de uma timidez política que atemoriza o futuro. A não ser que esteja em algum laboratório secreto, não se vislumbra um traço sequer do projeto de preparar a cidade para os próximos 30 anos. A própria mudança das Secretarias Regionais foi uma cópia grosseira e empobrecida do projeto que Carlito mandou para a Câmara e que foi olimpicamente arquivado pela maioria oposicionista da época. Há, esqueci, vamos ter guardas municipais, mas quem vai pagar a conta da ineficiência da Polícia Militar?

DISCURSO E MARQUETEIROS - Quando Carlito falava que não tinha dinheiro diziam que era apenas falta de gestão. Mas o PT, enfrentando calamidades, enchentes e não parando em nenhum dia o trabalho das Regionais, diminuiu proporcionalmente as dívidas e aumentou exponencialmente a arrecadação. Agora dizem que não tem dinheiro. Penalizam fornecedores, endurecem com servidores e jogam o contribuinte na cobrança judicial. Alguma diferença com o passado?

Enfim, o que acontece com o governo Udo é o mesmo que acontece com qualquer governo. O discurso eleitoral produzido por competentes marqueteiros, um financiamento eleitoral polpudo e os artifícios dublados nos estúdios de gravação, não ressoa na vida mesma da prefeitura. Vende-se ilusões para conquistar o voto, aniquila-se com os adversários com todas as armas e a sedução eleitoral está pronta. Logo, o que foi prometido não se realiza e o eleitor se frustra.

Mas alguma coisa aconteceu e o novo governo cancelou o aluguel da nova sede administrativa que iria racionalizar e reduzir gastos com a dispersão de unidades da prefeitura; foi cancelado o programa da internet livre , já com 14 antenas pela cidade; saiu do ar o site do IPTU eletrônico, que automatizava o atendimento e evitava corridas desnecessárias ao paço;  a conquista da realização dos jogos abertos foi solenemente desprezada e cancelada pelo governo eleito, com prejuízos para o esporte local; voltou o Museu da Bicicleta não se sabe como, pois o acervo é privado; o Orçamento Participativo, que era promessa, virou lembrança e ferramentas de transparência, como os cargos comissionados na internet, sumiram. Mas a proposta do Carlito da Ponte do Adhemar Garcia, já com estudos arquitetônicos em andamento no IPPUJ, e da fiação subterrânea, negociada em 2010 com a Celesc e recursos liberados em 2011, parece que irão se viabilizar com o novo e incondicional apoio do governo estadual. Inclusive o que foi proibido para o PT agora é possível com Udo como a duplicidade de um novo investimento do BADESC para obras de pavimentação.

OUTROS TEMPOS? Realmente, os tempos de Udo são outros. A hegemonia conservadora que sempre dominou os negócios e a vida política da cidade está novamente sedimentada e a imprensa feliz da vida, cordata e faceira, com o novo governo. 

Para aqueles que sabem que Joinville não é uma bolha de excelência no mundo, que estamos devendo anos de atraso em investimentos estruturais na qualidade de vida e na inclusão social, que temos problemas permanentes na saúde, na segurança, na falta de alternativas para juventude, na mobilidade urbana e que temos um déficit de democracia e controle social na cidade, dentro do moderno conceito de participação e decisão popular, cabe resistir e insistir para que tenhamos uma sociedade com opinião verdadeiramente livre e com vontade, com energia criativa para evitar o aprisionamento da liberdade pelo poder político.

Em cada eleição aprendemos um pouco. O que aprendemos na última?           

sábado, 10 de agosto de 2013

Comemorar uma derrota?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Para que fique claro, eu acho o tal Marcos Feliciano um anormal. E sob esse aspecto acho que quase todo mundo concorda comigo. Mas neste fim de semana vi um pessoal de esquerda a comemorar algo que considero questionável, para não dizer deplorável.

Era a reprodução de um vídeo em que um grupo de rapazes que viajava no mesmo voo que o deputado, de Brasília para São Paulo, decidiu dançar e cantar a música “Robocop Gay”.  É claro que, por não gostar do sujeito, fui ver o filme. Mas...

Foi decepcionante. E confesso ter visto às cenas só até o momento em que um dos rapazes passa a mão na cabeça do deputado. Porque pareceu que aí uma barreira de dignidade tinha sido ultrapassada.

O cara pode dançar, cantar ou saracotear. Mas quando toca na pessoa, como se ela fosse um objeto sem qualquer valor, então está a incorrer em algo tão feio quanto as coisas que quer combater. É indigno.

Se os caras querem fazer a festa, então que façam. Eu próprio defendo, no meu trabalho, que ações em aviões são a coisa mais fácil do mundo. Porque é uma daquelas situações em que o público não pode ir embora.

E agora tem esse lado chato. Aposto que, neste momento, muitas pessoas que, como eu, acham Marcos Feliciano um boçal, estão a sentir alguma simpatia por ele. Porque a dignidade do ser humano (seja um idiota ou não) foi pisoteada. Não é isso que queremos.

Aliás, não tenho dúvidas de que amanhã surgirão notícias a dizer quem são os dançarinos e não tenho dúvidas de que as ligações serão um problema para muitos políticos. Não comemorem uma derrota.

A coisa foi intolerante. A coisa foi fascista.





sexta-feira, 9 de agosto de 2013

É um baratão!


Sobre a Mídia Ninja, mídia alternativa e os novos tempos da comunicação

POR FELIPE SILVEIRA

Os protestos de junho sacudiram o Brasil e mesmo que algumas cornetas insistam em dizer que o tal do gigante já botou o pijaminha para dormir novamente fica claro que foram fincadas bases para uma grande mudança política e social que ainda virá. Isso pode ser observado mais claramente em alguns ambientes, como o da política partidária e o da comunicação, mais especificamente do jornalismo.

Este último já é um universo em constante ebulição e que há anos discute uma crise econômica e ética (tá, a questão ética não é assim tão discutida quanto a econômica), além de não saber o que fazer com a tal da internet. E, enquanto empresas e profissionais se debatem para achar soluções lucrativas, mais e mais informação passa a circular livremente em novos e criativos espaços criados por gente que não quer repetir as velhas fórmulas.

Nesse sentido, junto e por causa dos protestos de junho emergiu a Mídia Ninja, a rede de informação que cobre os protestos das ruas, dentro das manifestações, publicando informação na hora com quase nada de edição (lembrando que o lado para o qual você aponta a câmera já é uma edição). Além do imediatismo e do local privilegiado de transmissão, a Mídia Ninja também se diferencia pelo claro posicionamento que toma - sempre ao lado dos manifestantes. É importante ressaltar que, apesar do trocadilho óbvio, o nome Ninja é uma sigla para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação.

Mas, como tudo que ganha fama e importância, a Mídia Ninja logo ganhou críticas. A maior parte delas ligadas ao Fora do Eixo, uma organização política e cultural a qual a Mídia Ninja é ligada. E elas (as críticas) aumentaram significamente a partir de segunda-feira, 5 de agosto, quando o principal articulador do Fora do Eixo, Pablo Capilé, e um dos principais articuladores do Mídia Ninja, Bruno Torturra, estiveram no programa Roda Viva, da TV Cultura, entrevistados por tradicionais jornalistas do país. O programa pode ser visto aqui e eu recomendo para quem se interessa por esse debate. Assim como recomendo a leitura deste relato sobre o Fora do Eixo (aqui), que é apenas uma das críticas contundentes ao Fora do Eixo.

Dito tudo isto posso enfim dar a minha opinião sobre o tema, que é quase uma não opinião. Apesar de ser um entusiasta da mídia alternativa e da revolução que vem sendo causada pela internet, não cheguei a me encantar pela Mídia Ninja em junho e julho (lembrando que os protestos seguem acontecendo ainda hoje, principalmente no Rio de Janeiro). Assim como, mesmo sendo um entusiasta do crowdfunding (financiamento coletivo), nunca me encantei pelo Fora do Eixo. E, apesar de não saber formular direito a razão da minha antipatia pelas duas coisas, aos poucos começam a aparecer fatos que a justificam. O que acho lamentável.

No entanto, minha preocupação é que as falhas da Mídia Ninja e do Fora do Eixo se tornem munição no debate sobre novas formas de fazer jornalismo e também de trabalhar com a produção artística e cultural fora do sistema tradicional da indústria. Mais ou menos como criticar a ideia de comunismo a partir das experiências na Rússia e na China.

É evidente que o resultado da experiência é um rico material a ser usado pela crítica, mas também é um rico material de aprendizado. A Mídia Ninja não é a primeira e não vai ser a última experiência de democratização da informação. Assim como o Fora do Eixo não vai ser a experiência definitiva em relação a uma forma diferenciada de produção e distribuição cultural.

Acredito que neste momento é importante refletir sobre a Mídia Ninja e sobre o Fora do Eixo, mas também ter em mente que os novos tempos da comunicação e do jornalismo já chegaram. Que esse debate seja rico e qualificado.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

É o contexto, estúpido!


POR CLÓVIS GRUNER

Começo com uma pergunta: quando foi a última vez que você leu um texto de autor branco reivindicando respeito e visibilidade ao seu grupo ou etnia? Eu nunca li e não me espantaria se você também não. Porque se trata de algo desnecessário. Social e historicamente, aquilo que convencionalmente chamamos de “realidade” foi construído com o propósito de reafirmar, constante e veementemente, a superioridade e a naturalidade de ser branco. Da linguagem cotidiana aos meios de comunicação; da ideia de beleza aos currículos escolares; tudo ou quase tudo a nossa volta contribuiu e contribui para forjar um imaginário onde o natural é ser alvo e europeu. É cômodo e fácil. E se você for também homem e heterossexual, aí é mel na chupeta.

Não é preciso ir longe. Cidade dos muitos monumentos étnicos - há praças e parques para tudo e para todos em Curitiba -, a Praça Zumbi dos Palmares, homenagem à “contribuição africana” na construção do estado e da capital, fica em um bairro periférico e nem mesmo é parte do roteiro turístico. Aliás, muitos curitibanos sequer sabem da sua existência. Muito diferente das praças, parques e monumentos dedicados aos japoneses, alemães, italianos, ucranianos, poloneses, etc..., localizados em bairros ou regiões abastados e parte do roteiro oficial da cidade.

Em Joinville não é diferente. Procurem nos livros canônicos da história local – as centenas de páginas escritas por Apolinário Ternes, por exemplo –, e os negros são uma incômoda ausência. Há até pouco tempo se acreditava que não havia escravos na Colônia Dona Francisca, baseando-se tal afirmação no fato de que os colonos que para cá vieram eram proibidos por contrato de possuí-los. Foi preciso esperar o século XXI e o trabalho minucioso e ousado de Denize Aparecida da Silva para nos darmos conta que não possuir e não usar o trabalho escravo eram, afinal, coisas bem distintas.

E como é cômodo ser branco, é sempre desconfortável alguém ou algo desestabilizar nossa condição. Foi o que aconteceu no final de semana com o texto do Felipe Cardoso. O número de acessos e a enxurrada de comentários falam por si. Bem como as inúmeras tentativas de desqualificar sua argumentação: um leitor considerou a discussão “enfadonha”. Outros tentaram diminuir seu argumento limitando o tema a algo regional e demográfico. Exaltado, alguém chegou a afirmar que tal discussão só existe porque os negros são “moda”, reproduzindo talvez inconscientemente (concedo-lhe o benefício da ignorância) o mesmo discurso dos senhores de escravos. De mercadoria à moda, a mentalidade mediana segue a mesma: os brancos continuam a negar, do alto de sua arrogante supremacia, qualquer outro direito ao negro que não o de resignar-se à sua condição de “coisa”.

O PRECONCEITO NOSSO DE CADA DIA – Os argumentos se sustentaram principalmente em duas premissas. A primeira, de que no Sul negros não são valorizados porque em menor número, diferente de estados como a Bahia, por exemplo, caiu por terra quando constatado que, mesmo lá, onde são maioria, eles continuam a ser, por paradoxal que pareça, minoria. A segunda não é mais consistente. Trata-se de construções sociais e midiáticas fortemente assentadas em nosso imaginário e em nossas percepções de mundo: acostumamo-nos a perceber como bonito e bom o que é branco, e como feio e mal o negro, disseram. Não discordo. Mas justamente porque se trata de construtos sociais e históricos é que tais percepções devem ser denunciadas, combatidas e transformadas. Agarrar-se a elas como se fossem naturais e imutáveis é, na melhor das hipóteses, estupidez. Afinal, no passado também aceitávamos a escravidão como algo “natural”. E talvez ainda a aceitássemos não fosse a coragem de alguns homens e mulheres, negros e brancos, que acreditaram ser necessário e possível mudar isso.

Há algo fundamental nesta discussão que escapou ao debate provocado pelo texto do Felipe. A noção de “minoria” não é apenas numérica – nunca é demais lembrar que na África do Sul os negros eram em muito maior número, o que não impediu o apartheid. Ela está ligada a um conjunto de fatores que condicionam nossa maneira de ver, interpretar e estar no mundo. Exemplos abundam: piadas ofensivas; comentários e atitudes estigmatizantes; salários diferenciados; humilhações públicas; anúncios de emprego a pedir “pessoas de boa aparência”; olhares oblíquos...

Há quem insista que “não somos racistas” apegando-se às falácias de que negros não são a única minoria, e é a pobreza o grande mal a ser combatido, como se fosse equivalente ser um imigrante europeu ou seu descendente e negro, em um país aonde os últimos chegaram, em sua esmagadora maioria, como escravos. Ou que basta reduzir os níveis de desigualdade econômica para banir os preconceitos étnicos e raciais, quando insistimos em reproduzi-los sempre que afirmamos que “os negros no Estado [de Santa Catarina] são minoria e não tiveram a mesma importância dos europeus. Ponto!”. O que define e sustenta o preconceito e, por consequência, justifica e legitima as minorias – negros, mulheres, gays, etc... – afirmarem cotidianamente o direito de serem vistos e gritarem seu orgulho, não são as estatísticas demográficas ou as condições econômicas.

É o contexto, estúpido!