terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Existe uma lógica, sim!

POR CHARLES HENRIQUE

Qualquer pessoa sabe planejar a sua vida, a sua casa, o seu trabalho, o seu deslocamento diário, e outras várias responsabilidades do cotidiano. O problema é o planejamento ser executado de forma errada. Com as nossas cidades, mais especificamente Joinville, o problema é o mesmo: existe planejamento, mas historicamente as pessoas responsáveis o executaram com interesses, debruçados em ideologias e especulações.

Existe na cidade o discurso de que o espaço urbano foi ocupado de maneira desordenada por causa da industrialização acelerada, combinada com o êxodo rural e a migração. Para isso invadiram-se mangues, morros, e houve um grande espraiamento urbano, tornando assim ineficiente o provimento por parte do poder público da infra-estrutura urbana e social. Esta ideologia inclusive foi absorvida por urbanistas, historiadores, geógrafos e demais estudiosos da área, que difundiram para toda a sociedade.

O grande erro que cometemos nisto tudo, é que não conseguimos perceber os porquês da (re)produção da cidade. A ocupação urbana foi – e sempre será – um reflexo de toda uma dinâmica socioespacial, onde interesses sempre estarão em jogo pela melhor localização, ou seja, pelo melhor “ponto” para se habitar, negociar ou, apenas, especular. Assim, quem consegue controlar as intervenções públicas, vai ditar as regras, pois ocupará a cidade de uma maneira tal, que propicie a realização de todas as suas necessidades no menor espaço de tempo, devido a um menor deslocamento possível.

Como Joinville teve em suas origens um dinamismo econômico muito forte, era natural que as classes comerciais sempre fossem vinculadas a setores da política, e ocupantes de posições de tomada de decisões. O poder e o capital são os principais vilões da história de nossa cidade. Eles, articuladamente, intervieram para que a ocupação urbana acontecesse de forma que os privilegiassem, em detrimento da classe trabalhadora.

Ao analisar a cidade como um todo, veremos que os trabalhadores foram “empurrados” ao longo dos anos para bairros com péssimas estruturas (aterros de manguezais ou distantes das regiões centrais), o mais longe possível do trabalho e do cotidiano em si. Consequentemente, tudo ficou mais difícil para quem não tem o controle sobre a ocupação urbana. As ARTs são exemplo dessa instrumentalização. Querem tornar o que é rural numa “área urbana com uso controlado”. Transição para quê? Um perímetro urbano maior? Estamos cometendo os mesmos erros da década de 60?

Será então que a cidade de Joinville foi ocupada desordenadamente? Ou, cada bairro, cada loteamento, cada avenida foram um “quebra-cabeça”, onde as peças seriam calculadas a fim de reproduzir os interesses de setores da sociedade? Podemos estar evidenciando uma ideologia que esconde todos os erros cometidos até hoje.

Anúncio classificado

POR ET BARTHES

Até poderia parecer uma coisa machista postar este filme. Mas como a dica foi de uma feminista, então liberou. O filme mostra a ideia “genial” de uma moçoila que diz estar de partida para Paris (na França, faz questão de esclarecer), mas não tem o dinheiro para a passagem. A solução é vender o seu carro, um Ka. O anúncio classificado é algo um tanto inusitado. Pode ser algum hoax (Mercado Livre), mas mesmo assim devemos considerar que a moça tem um ponto de vista. Ou melhor, dois. É a democratização da criatividade publicitária.


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Aumento da tarifa precisa ser discutido a sério


POR FELIPE SILVEIRA

Não lembro quando comecei a me interessar por política. Desde muito pequeno eu já gostava disso. Mas, certamente, minha primeira atitude política pública foi em um protesto contra o aumento da tarifa do transporte coletivo há cerca de dez anos. Eu estudava no colégio Plácido Olímpio de Oliveira, no bairro Bom Retiro, e nós fizemos um protesto no terminal norte. Se não me engano, foi nos mesmos protestos em que uma galera foi presa no centro, que reuniram cerca de 3 mil pessoas. Nunca vou esquecer como descobri o gosto de spray de pimenta. Se você não sabe, não queira saber. Detalhe: éramos um monte de crianças e adolescentes, não passávamos de 50, e um pessoal simpático do GRT deve ter se divertido espirrando o spray desbaratinadamente.
Desde então, sempre estive ligado e quase sempre participando das manifestações contra o aumento. E confesso que foram algumas das minhas melhores experiências da juventude. Muita gente chamou a gente de baderneiro, mas quem diz isso não tem ideia de como é bonito ver a juventude se mobilizando politicamente desse jeito. Quem nos chama de baderneiro, geralmente, não tem a menor ideia do que é consciência política. E são esses, principalmente, que reclamam da falta de politização da juventude. Cornetagem forte mesmo.
E é justamente esse ponto que eu quero tratar aqui no Chuva Ácida. Nesta segunda, o jornalista João Kamradt, do jornal A Notícia, deu a informação de que Carlito Merss disse que haverá reajuste da tarifa de acordo com a inflação. Liguei na Prefeitura e a assessoria disse que essa informação ainda não é oficial, mas que o assunto está sendo discutido e aos cuidados da Seinfra.
Mais do que nunca é hora de debatermos mobilidade urbana. E essa discussão, em Joinville, não se trata de vias, viadutos, trens, VLP, VLT, bicicleta ou pula-pula. Essa discussão, em Joinville e em qualquer lugar do mundo, é sobre o transporte coletivo.
Em sua coluna domingueira, no AN, o Zé Antônio Baço fala sobre o mesmo tema. Andar de bicicleta na Europa é uma coisa. Em Joinville, é outra. Na Europa eu não sei como é, mas em Joinville eu ando há 15 anos e tenho uma vaga ideia de quando é viável e quando não é. E, por mais que eu seja um defensor da “zica”, é impossível usá-la para tudo na vida. Claro, dá pra ser usada muito mais, e isso depende muito de vontade, das pessoas e dos políticos.
Voltando ao tema transporte coletivo, as duas propostas mais sérias que eu conheço sobre mobilidade urbana em Joinville são a do Movimento Passe Livre (MPL) e uma do Ivan Rocha (vídeo abaixo). Claro, há outras, como a do Kennedy Nunes nas eleições, com subsídio, e a das empresas, que querem menos impostos só para elas. Dessas aí eu nem digo nada.
O MPL (nunca fiz parte, que fique claro) discute a questão com muito afinco, com debates, exibição de filmes, blog atualizado, facebook e plano com propostas concretas. E parte de um princípio muito simples, de que a atual política de transportes é excludente e que a tarifa zero iria garantir o direito de ir e vir (a interpretação é minha). Já o Ivan defende um modelo de mensalidades (baixas) e circulação livre, baseado no sistema português.
O problema, no entanto, é que essas propostas são ignoradas pelos políticos e por boa parte da sociedade, que só enxerga “baderneiros”. Pelo políticos, a razão é óbvia. Boas propostas avacalhariam com a relação entre os empresários e os gestores. E, caso alguém queira enfrentar o poder imposto pelo dinheiro, certamente iria se incomodar. Claro, o poder do povo, do cidadão, poderia bater de frente com o poder do dinheiro. Mas como o cidadão está bem confortável em seu carro com ar-condicionado, a omissão é o caminho mais tranquilo. E a cidadania se resume a reclamar dos buracos de rua. E a chamar quem discute de baderneiro.
Por favor, vamos fazer diferente dessa vez.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Uma cidade, várias histórias


POR CLÓVIS GRUNER

Se caminhar pela cidade é articular lugares e personagens, tornar-se artífice de novos e inusitados mapas, para um historiador esta ambulação tem um sentido outro: movendo-se em um universo de símbolos, ele persegue não a cidade que é, mas a que foi, a que um dia houve. Sua escrita a finge ao dar forma a uma ausência, faz aparecer o que já não mais existe, substituindo, no presente, o passado vivido pela sua representação. Historiadores são, a sua maneira, inventores de cidades.

Penso nisso por conta do lançamento de “Pelas tramas de uma cidade migrante”, da historiadora Ilanil Coelho, de quem fui aluno na graduação. O livro se insere em uma onda renovadora da produção historiográfica joinvilense, que eu divido em três fases. A primeira remonta ao inicio dos anos de 1990, destacando-se as dissertações de Iara Andrade Costa, Bellini Meurer e Ilanil Coelho. A estes se seguiram trabalhos principalmente marcados pela diversidade de interesses e abordagens. Na produção mais atual, à permanência de alguns nomes outros surgiram, em um movimento saudável e necessário de constância e renovação.

Chama a atenção nessas pesquisas o uso de novas fontes, que lançaram luz sobre aspectos da história de Joinville pouco explorados e conhecidos. Há ainda a insistência de muitos deles em se debruçar criticamente sobre a historiografia mais tradicional, notadamente a produção profissional – e não necessariamente acadêmica – de Apolinário Ternes. Festejados em alguns círculos, nem metodológica nem teoricamente seus livros deram à historiografia local contribuição relevante. Em ambos os critérios trata-se de uma obra frágil, desprovida de profundidade e originalidade. O mérito de Ternes – a meu ver, único – foi ter sido um dos primeiros a sistematizar certo número de fontes, disponibilizando-as em uma escrita que, nem sempre fluente, acabou por se revelar ao menos útil a pesquisadores futuros.

Mais do mesmo

Um terceiro e último aspecto é a presença da figura do outro, especialmente do migrante, de reconhecer um traço fundamental às cidades contemporâneas: sua heterogeneidade cultural, a inviabilizar ideais de unidade e coesão. O que estes trabalhos mostram é que Joinville deixou de ser uma cidade “germânica” e que o migrante, além de contribuir para o desenvolvimento econômico, embaralhou irremediavelmente uma identidade tida como estável e homogênea.

A ironia é que a produção acadêmica contrasta com uma irritante insistência à conservação. Vivendo fora há 12 anos, retorno a Joinville frequentemente e constato que pouca coisa mudou: de suas lideranças políticas e empresariais, a alguns hábitos e preconceitos arraigados na “cultura” local, ela continua provinciana não porque seja incapaz de, mas porque insiste em não mudar. Ela é o exemplo por excelência de uma “modernização conservadora”: cidade de porte médio, é pequena e tacanha se a lermos pelos critérios que não os mensuráveis, em que pese iniciativas a tentar, quase heroicamente, romper o silêncio e a calmaria que a caracterizam.

Ela aumentou sua população, cresceu economicamente, ampliou sua frota de veículos, verticalizou-se, possui uma classe média ativa e consumidora a frequentar seus shopping centers, e agora, inclusive, conta com um parque público. Mas continua pouco afeita a outra face da vida moderna: as mudanças que afetam comportamentos, valores, percepções e visões de mundo. Acadêmico, não poucas vezes ouvi que a universidade vive em descompasso com a “realidade”. Ao menos em Joinville isso parece ser verdade. Entre o discurso historiográfico, a ressaltar a diferença, e o cotidiano da cidade, a reafirmar o mesmo, há uma incômoda discrepância. Talvez seja hora da academia gritar à cidade o que ela insiste em não ouvir.

PS.: Jornalista que já foi mais influente na imprensa local twittou perguntando onde está o dinheiro para oito parques deixado pela ex-administração como legado à atual. Sobre isso, um comentário breve: Marco Tebaldi foi prefeito em duas gestões e vice em uma terceira. Se não foi capaz de construir um único parque, apesar de ter verba para oito, há de se reconhecer que, ao menos neste quesito, fracassou retumbantemente.
Clóvis Gruner, historiador e professor universitário em Curitiba. Autor de “Leituras matutinas: utopias e heterotopias da modernidade na imprensa joinvilense (1951-1980)” e co-organizador de “Nas tramas da ficção: história, literatura e leitura”.

Twitter calmo esta semana