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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A sociedade deve tolerar os intolerantes?


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
E se fosse você, leitor e leitora, a apontar os “caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”, como propôs o tema da redação do Enem? Fico a imaginar a molecada a bater cabeça, porque a questão  não é de simples resolução. Pelo contrário. Aliás, imagino que a maioria tenda a focar a discussão na religião, quando o cerne do problema está na tolerância (apesar de haver entrecruzamentos).

O Brasil é um país com déficit democrático e isso abre caminho para a intolerância. Mas qual o perfil do intolerante? É a pessoa que, na relação social, vê as suas posições como "naturais". Portanto,  justas. E erra feio. A intolerância só vivifica num ambiente onde há uma concepção errada da história - ou onde a história for uma abstração completa. A intolerância faz a história evaporar-se, deixando apenas o “natural”, expresso num rastilho de frases feitas e certezas unívocas.

O intolerante é incapaz de reconhecer o Outro. Ele é, o Outro não é. Para o intolerante, o Outro atenta contra a essência do ser humano. A sociedade só faz sentido quando todos acabarem por se tornar o mesmo. Ou seja, quando a sociedade for a corporificação das suas projeções. O intolerante reconhece apenas um lugar na sociedade: o que julga ser seu e, por isso, natural. E esse lugar só pode ser ocupado pelo Outro quando o Outro se converter ao seu credo, seu sexo, sua cor. Mas há coisas inconvertíveis...

Eis a questão: devemos tolerar os intolerantes? O Brasil é um caso de estudo. Protegidos pela tolerância, muitos grupos religiosos não disfarçam a sua intolerância. É um fato que remete para aquilo que Karl Popper chamou “paradoxo da tolerância”. O que é? Diz Popper: “se formos de uma tolerância absoluta, mesmo para com os intolerantes, e se não defendermos a sociedade tolerante contra seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados, e com eles a tolerância”. Parece ser uma aporia.

Em que pese a minha rejeição a Popper (por outras razões), acho que esse aviso merece ser levado em conta. Tolerar os intolerantes é um risco. Mas o Brasil está incubar uma espécie de cripto-teocracia, onde as igrejas adquiriram um peso político que nenhum partido do arco do poder ousa enfrentar. Pelo contrário, nenhum projeto de poder passa ao largo da bênção desses religiosos. 

É exagero? Claro que não. Há poucos dias uma pesquisadora lançou o aviso de que a estratégia evangélica é ocupar o Executivo para chegar ao Judiciário. Há dúvidas? Melhor não dormir de touca. Porque esses movimentos religiosos estão a tomar posse dos aparelhos de Estado e inauguraram um novo modo de produção: o teocapitalismo selvagem, onde a sacanagem é feita em nome de Deus. E nem é preciso falar de nomes, porque todos sabemos quem são e os métodos que usam.

O crescimento da presença dessa gente na política nacional está a dar-lhes poder e a transformar a sociedade numa espécie de cripto-teocracia. E já se vê, aqui e acolá, muita gente a tentar talibanizar a vida dos brasileiros. O que esperar desse fenômeno? Coisas boas não serão, com certeza. Afinal, para onde os fundamentalistas podem levar a sociedade? Para o fundo, claro. Melhor não esquecer, em hipótese alguma, que a intolerância é parteira do ódio.

É a dança da chuva.