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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O que faz Bob? Bobices...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
“Sapateiro, não vás além dos sapatos” (sutor, ne ultra crepidam). Acho que a maioria das pessoas conhece esta expressão, que, segundo a lenda, surgiu de um episódio a envolver Apeles, pintor grego da Antiguidade, e um sapateiro. O artista tinha o hábito se esconder para ouvir a opinião das pessoas sobre as suas obras. Depois fazia as alterações que julgava apropriadas.

Certa vez ouviu um sapateiro a elogiar um quadro, mas com a ressalva de que as sandálias podiam ser mais caprichadas. Como era uma opinião de profissional, Apeles fez as mudanças e tornou a expor o quadro. O sapateiro voltou a ver a obra e desta vez o veredicto foi de que a sandália ficou melhor, mas que o vestido na pintura deixava muito a desejar.

O pintor, indignado por achar que o sapateiro estava a extrapolar as suas capacidades, saiu de onde se escondera e soltou: “sapateiro, não vás além dos sapatos”. Sempre tive alguma reserva em relação à frase, porque pode parecer um tanto castradora. Mas o fato é que faz sentido, porque as pessoas também devem conhecer os seus limites. Seria como dizer: “golpista, não vá além do golpe”.

Sim. Trago esta historinha para falar do ministro da Cultura, Bob Freire. É que a sua performance na entrega do Prémio Camões, na semana passada, foi um momento da mais brutal vergonha alheia. Uma vergonha em escala transcontinental, indo de São Paulo a Dili, mas passando por Lisboa ou Maputo. Afinal, estamos a falar do maior prêmio de língua portuguesa e o ministro foi uma figura muito pequena. E foi além dos sapatos.

Ok... é até lógico que a cultura do Brasil esteja entregue a uma alma penada política como Bob Freire. O ministro é a cara do governo Temer, recheado de incompententes, dilapidadores e gente de caráter mais que duvidoso. Bob Freire não se aquietou na truculência e atacou: “esse histrionismo oposicionista evidentemente tem os seus dias contados”. É a suprema ironia: o histrião atribui o histrionismo aos outros.

Todos sabem o que se passou na entrega do Prémio Camões, mas não custa repetir. Raduan Nassar, o escritor agraciado, disse que o Brasil vive tempos sombrios e denunciou a tramoia que apeou Dilma Rousseff do poder. A posição do escritor nem chegou a ser novidade, uma vez que ele foi muito crítico do impeachment, que considera golpe (aliás, como qualquer pessoa com dois dedinhos de testa).

A reação virulenta de Bob Freire é o caso típico do sapateiro que foi além dos sapatos. O ministro desembestou (é o que fazem os abestados) num chorrilho de aselhices e chegou mesmo a realçar o momento democrático vivido pelo Brasil. Risos. Pobre democracia. O que faz um Bob? Bobices. Então, vamos ver quais foram as bobices deste “homem de cultura”. Eis:

- “É um adversário recebendo um prémio de um governo que ele considera ilegítimo, mas não é ilegítimo para o prémio que ele recebeu”.
- Errado. Não foi o governo Temer que deu o prêmio.
“Quem dá prémios a adversário político não é a ditadura”.
- Bob Freire insiste no erro. Errar uma vez é humano, persistir no erro é bobice.
“Que os jovens façam isso já seria preocupante, mas não causaria esta perplexidade”.
- Errado. Bob Freire está a ser edaísta. Mas esperem: aposto que ele, um homem de cultura, não sabe o significado da palavra.
“Ele desrespeitou todos nós!”
- Errado. Se houve algum desrespeito foi o de Bob Freire. Afinal, o homenageado era Raduan Nassar.
“[o prêmio] é dado pelo governo democrático brasileiro e não foi rejeitado”.
- Errado. O prémio é dados pelos estados de Portugal e Brasil. Bob Freire parece não saber a diferença entre estado e governo.

E para fechar a ridicularia com chave de ouro, depois o ministro foi dizer à imprensa: “acho que até fui brando”. Errado novamente. Não houve qualquer brandura nesse tremendo tiro no pé. Foi um suicídio moral. Bob Freire fez bobice atrás de bobice e detonou os próprios sapatos.

É a dança da chuva.