POR LUIZ EDUARDO DE CARVALHO SILVA
Mais um ano chega ao fim e Santa Catarina continua sendo a única unidade da federação que ainda não constituiu uma Defensoria Pública, conforme determina o artigo 134 da Constituição. Está lá: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º. LXXIV”. Em outras palavras, é garantia fundamental a “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Como alternativa, o Estado de Santa Catarina instituiu a Defensoria Dativa e a Assistência Judiciária Gratuita, através da Lei Complementar Estadual nº. 155, de 15 de abril de 1997 (http://www.oab-sc.org.br/setores/defensoria/lei%20155-1997.pdf). A Defensoria Dativa e a Assistência Judiciária Gratuita são prestadas por advogados inscritos na Seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil, os quais são organizados em listas para o atendimento da população carente. Atualmente, tanto a OAB/SC quanto o Estado de Santa Catarina reputam a Defensoria Dativa como sendo “modelo” de prestação de atendimento jurídico à população carente, tendo em vista o maior número de advogados inscritos no sistema, bem como o menor custo, se comparado à instituição de uma Defensoria Pública propriamente dita, com defensores públicos e servidores administrativos concursados. Conforme dados divulgados na Revista Digital Ad Vocatus, da OAB/SC (http://bit.ly/ADVOCATUS, p. 32/34), Santa Catarina conta com 7.914 advogados atendendo pela Defensoria Dativa, contra 5.191 Defensores Públicos, estaduais e federais, atendendo no restante do país.
Pois bem, à primeira vista, o sistema catarinense realmente parece ser um verdadeiro “modelo” que deveria ser seguido em todo o país. Mas, não é bem assim. Esse sistema interessa principalmente à OAB/SC e ao governo estadual, em detrimento da população carente e dos advogados que prestam o serviço. Nesse sentido, consoante o artigo 5º, da Lei Complementar Estadual nº. 155/97, a OAB/SC tem direito à 10% (dez por cento) do total de repasses efetuados pelo Estado de Santa Catarina à Defensoria Dativa. Em números, isso correspondeu a cerca de R$ 9 milhões, entre os anos de 2007 e 2011, e outros R$ 4,2 milhões entre 1999 e 2006 (vide http://bit.ly/ADVOCATUS, p. 34). Como se vê, não restam dúvidas de que esse sistema é interessante à OAB/SC. Da mesma forma, ainda na seara financeira, também é interessantíssimo ao governo estadual, haja vista que, de 1999 à 2011, despendeu pouco mais de R$ 130 milhões com o atendimento jurídico à população carente, ou seja, aproximadamente R$ 11 milhões por ano, valor este insuficiente para manter uma verdadeira Defensoria Pública por um mês.
Esses baixos valores são facilmente explicáveis e constituem uma das principais deficiências do sistema. Para se ter ideia, em 2011, considerando o número de certidões emitidas (documento que autoriza o pagamento dos honorários pelo estado aos advogados), 82.984, e o valor repassado pelo estado à Defensoria Dativa, cerca de R$ 14,5 milhões (vide http://bit.ly/ADVOCATUS, p. 33/34), cada advogado recebeu, em média, R$ 175,00 (cento e setenta e cinco reais) por processo em que atuou! Além disso, a “Tabela de Honorários” da Lei Complementar Estadual nº. 155/97 é totalmente “surreal” se comparada com a tabela da OAB/SC para atendimento particular (http://www.oab-sc.org.br/documentos/tesouraria/tab_honorarios.pdf). Para exemplificar, pela tabela da Defensoria Dativa, um advogado receberia 10 URH's pela atuação em um inventário (1 URH = R$ 55,00), ou seja, R$ 550,00, contra, no mínimo, R$ 2.984,91 pela tabela da OAB/SC. Em outras palavras, o advogado literalmente paga do próprio bolso para atender pela Defensoria Dativa. É esse valor irrisório que cobre despesas com deslocamentos ao fórum, papel para impressão de petições, energia, telefone, etc.! É um verdadeiro trabalho voluntário! E imaginar que nossos “nobres” deputados estaduais recebem “míseros” R$ 670,00 por diária, e alguns chegam a gastar R$ 6,2 mil em correspondência e R$ 12,4 mil em telefonemas em um único mês!
Para finalizar, há de se considerar toda a burocracia do sistema, desde a triagem dos beneficiários ao efetivo pagamento dos honorários aos advogados pelo estado. Sem entrar em detalhes, a triagem é deveras deficiente, haja vista que muitas vezes seleciona pessoas que não teriam direito ao benefício, tomando tempo (e dinheiro) do advogado nomeado para o encargo. Já o pagamento dos honorários é uma verdadeira via crucis, haja vista que após o término da atuação o advogado espera meses para receber os seus honorários. A propósito, a Defensoria Dativa também é considerada “modelo” porque os repasses não são feitos com regularidade pelo estado. Ou seja, o Estado de Santa Catarina paga quando lhe interessa e quando quer, geralmente após muita reclamação da OAB/SC (que tem interesse nos 10% do bolo). Em 2011 foram feitos não mais que 3 ou 4 repasses pelo estado à OAB/SC. Esse é o “modelo” de atendimento jurídico à população carente em Santa Catrina.
Luiz Eduardo de Carvalho Silva, advogado.