CAROLINA PETERS
Terça-feira, 15
de julho. Horas após o anúncio da criação do banco dos BRICS na minha
ensolarada Fortaleza, eu morria de frio no centro de São Paulo. No Salão Nobre
da Faculdade de Direito da USP, o presidente equatoriano Rafael Correa fala por
quase duas horas sobre a chamada “revolução cidadã” em curso no país. Ao final,
entre as perguntas, alguém levanta a bola: como fica a tal integração
latino-americana diante do fortalecimento do bloco dos BRICS?
“A integração
não é somente um sonho dos nossos libertadores, mas uma necessidade de nossas
economias”, respondeu, criticando a falta de iniciativas do Brasil como país economicamente
mais forte da região. Destaco dois pontos de sua fala: a necessidade de
investir em obras de integração física entre os países latino-americanos e de
tirar do papel o Banco do Sul.
A bem da
verdade, é preciso dizer que se o novo banco, sediado em Xangai, é a menina dos
olhos do governo e da mídia. O Banco do Sul, que não passou de vaga menção,
está mais para o patinho feio. Aos desavisados, vale lembrar que é para a
América Latina que exportamos cerca de metade de nossos manufaturados, 30% dos
quais para o Mercosul. Não é a dita “fronteira linguística”, senão uma forte
campanha político-midiática que nos afasta política e economicamente de nossos hermanos.
A investida ideológica que nos fez sequer curar a ressaca dos 7x1 e torcer entusiasmados
para os alemães, não porque merecessem a vitória pela campanha irrepreensível
nessa Copa, mas por puro ódio aos argentinos.
Concordo com os
que distanciam o futebol e a política na medida em que, para a infelicidade de
alguns, não será o pífio desempenho da seleção brasileira que logrará uma
derrota eleitoral a Dilma. Talvez algum problema grave na organização e
estrutura do evento fosse capaz de alguma ranhura na popularidade da
presidenta, mas como o viaduto em BH desabou em cima da cabeça de pobre brasileiro,
em território tucano. Mesmo a imprensa de patente mas não declarada oposição a
Dilma tratou de por panos quentes.
Mas este
fenômeno nacionalista, que se expressa de maneiras tão diversificadas durante
os mundiais de futebol (ao menos nos masculinos), merece um olhar reflexivo.
Porque a seleção argentina, que entra com faixas defendendo sua soberania sobre
as ilhas Malvinas; os movimentos sociais da Colômbia que escrevem carta ao
artilheiro James Rodrigues, demonstrando que o bom desempenho inesperado da
seleção enche de esperança aquelas e aqueles que lutam por paz e terra nesse
país sitiado; a solidariedade dos uruguaios a Soarez, não pela mordida absurda
mas pela punição desproporcional deferida pela FIFA; a recusa de Benzema, o
filho de imigrantes, a entoar a “Marseillaise”, estão bastante distantes de
cantar nosso hino abraçadinhos.
Este
nacionalismo ocasional, que é “brasileiro com muito orgulho e muito amor”
quando a seleção ganha, sem perceber que vamos aos trancos e barrancos também
no futebol, é conveniente e conivente com o Estado de Exceção que se abriu por
exigência da FIFA, uma empresa internacional. Mas não é capaz de se mostrar uma
identificação legítima com uma cultura, um território, e a resistência de um
povo aos arbítrios daqueles com maior poder econômico.
Da fala de
Correa, me peguei pensando que talvez não compartilhemos enquanto brasileiros
dessa premissa de “sonho de nossos libertadores”. Nossa história de
independência é um quadro estático do imperador em seu cavalo, no qual não
cabem todas as lutas populares que agitaram e continuam agitando o país a
despeito do que nos fizeram acreditar, que somos um povo dócil; um gigante que
acordou em junho de 2013 e voltou subitamente a dormir.
Essa história
de libertação ainda precisa se construir no nosso imaginário, e isso passa por
perceber que, mesmo que a gente não queira, os farofeiros argentinos que
tomaram Copacabana sem ingressos, pra apoiar sua seleção, são muito mais
parecidos conosco, e com quem foram os alemães que colonizaram o Sul do país, do
que Angela Merkel.