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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Amizades e brigas de irmãos


CAROLINA PETERS

Terça-feira, 15 de julho. Horas após o anúncio da criação do banco dos BRICS na minha ensolarada Fortaleza, eu morria de frio no centro de São Paulo. No Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, o presidente equatoriano Rafael Correa fala por quase duas horas sobre a chamada “revolução cidadã” em curso no país. Ao final, entre as perguntas, alguém levanta a bola: como fica a tal integração latino-americana diante do fortalecimento do bloco dos BRICS?

“A integração não é somente um sonho dos nossos libertadores, mas uma necessidade de nossas economias”, respondeu, criticando a falta de iniciativas do Brasil como país economicamente mais forte da região. Destaco dois pontos de sua fala: a necessidade de investir em obras de integração física entre os países latino-americanos e de tirar do papel o Banco do Sul.

A bem da verdade, é preciso dizer que se o novo banco, sediado em Xangai, é a menina dos olhos do governo e da mídia. O Banco do Sul, que não passou de vaga menção, está mais para o patinho feio. Aos desavisados, vale lembrar que é para a América Latina que exportamos cerca de metade de nossos manufaturados, 30% dos quais para o Mercosul. Não é a dita “fronteira linguística”, senão uma forte campanha político-midiática que nos afasta política e economicamente de nossos hermanos. A investida ideológica que nos fez sequer curar a ressaca dos 7x1 e torcer entusiasmados para os alemães, não porque merecessem a vitória pela campanha irrepreensível nessa Copa, mas por puro ódio aos argentinos.

Concordo com os que distanciam o futebol e a política na medida em que, para a infelicidade de alguns, não será o pífio desempenho da seleção brasileira que logrará uma derrota eleitoral a Dilma. Talvez algum problema grave na organização e estrutura do evento fosse capaz de alguma ranhura na popularidade da presidenta, mas como o viaduto em BH desabou em cima da cabeça de pobre brasileiro, em território tucano. Mesmo a imprensa de patente mas não declarada oposição a Dilma tratou de por panos quentes.

Mas este fenômeno nacionalista, que se expressa de maneiras tão diversificadas durante os mundiais de futebol (ao menos nos masculinos), merece um olhar reflexivo. Porque a seleção argentina, que entra com faixas defendendo sua soberania sobre as ilhas Malvinas; os movimentos sociais da Colômbia que escrevem carta ao artilheiro James Rodrigues, demonstrando que o bom desempenho inesperado da seleção enche de esperança aquelas e aqueles que lutam por paz e terra nesse país sitiado; a solidariedade dos uruguaios a Soarez, não pela mordida absurda mas pela punição desproporcional deferida pela FIFA; a recusa de Benzema, o filho de imigrantes, a entoar a “Marseillaise”, estão bastante distantes de cantar nosso hino abraçadinhos.

Este nacionalismo ocasional, que é “brasileiro com muito orgulho e muito amor” quando a seleção ganha, sem perceber que vamos aos trancos e barrancos também no futebol, é conveniente e conivente com o Estado de Exceção que se abriu por exigência da FIFA, uma empresa internacional. Mas não é capaz de se mostrar uma identificação legítima com uma cultura, um território, e a resistência de um povo aos arbítrios daqueles com maior poder econômico.

Da fala de Correa, me peguei pensando que talvez não compartilhemos enquanto brasileiros dessa premissa de “sonho de nossos libertadores”. Nossa história de independência é um quadro estático do imperador em seu cavalo, no qual não cabem todas as lutas populares que agitaram e continuam agitando o país a despeito do que nos fizeram acreditar, que somos um povo dócil; um gigante que acordou em junho de 2013 e voltou subitamente a dormir.

Essa história de libertação ainda precisa se construir no nosso imaginário, e isso passa por perceber que, mesmo que a gente não queira, os farofeiros argentinos que tomaram Copacabana sem ingressos, pra apoiar sua seleção, são muito mais parecidos conosco, e com quem foram os alemães que colonizaram o Sul do país, do que Angela Merkel.