quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A quem serve o Estado (2ª parte)



POR GIANE SOUZA
Por que há um interesse privado explícito dentro do comando da política pública?  Por que os políticos enriquecem assumindo cargos públicos? Por que as questões da vida privada são tratadas com benevolência dentro das esferas públicas para aqueles que estão a favor do poder e de forma perversa para aqueles que estão fora da órbita dos interesses privados corporativistas?

A ideologia desses gestores quer fazer crer que o Estado não funciona e coloca a administração privada como exemplo de idoneidade. Contudo as relações de poder e corrupção transitam nas duas esferas privadas e públicas, elas se retroalimentam. Há algo de podre no Reino da Dinamarca, diria Shakespeare em Hamlet. Refaço a questão do autor e coloco que há algo de podre na república brasileira, que nos faz pensar como e por que os representantes do Estado, atuam na destruição da própria república, do Estado e da política.

Como refazer caminhos que historicamente foram construídos por linhas tortas? Como o “jeitinho brasileiro”, a “política do toma lá dá cá”, a “farinha pouca meu pirão primeiro” deram a voz e a vez para aqueles que possuem sobrenome, berço, cabide, pistolão ou coadunados de plantão.

Para quem defende um serviço público de qualidade fica a ingrata tarefa de reformular e implodir estas estruturas de poder apodrecidas dentro do próprio Estado. A minha geração talvez não assista uma mudança positiva real. Os apodrecimentos que sustentam a base da política brasileira adubam o crescimento e a reprodução dessas relações perversas. O tempo escorre e derrete como um objeto surreal de Salvador Dalí.

IGNORÂNCIA COMO EXPRESSÃO POLÍTICA - O tempo da ingerência, da obscuridade, da ignorância, do apadrinhamento, do clientelismo, do favoritismo, do entreguismo e da mentira marca um compasso de retrocesso político e humanitário cruel. A todo minuto surgem mais uma mais uma mais uma e mais uma. As pérolas do governo eleito elegeram a ignorância como forma de expressão política. As apropriações e abusos do dinheiro público, de influências e da máquina pública são retoques de refinamento de uma burrice institucionalizada. Eu falo o que quiser porque eu tenho imunidade, disse certa vez o presidente eleito ao ser indagado sobre as violências verbais que costumeiramente expressa. E o Estado brasileiro segue cabisbaixo, fruto de um estupro moral. A quem recorrer?

Ficamos a mercê das experiências que de quatro em quatro anos reinventam, destroem e reconstroem o Estado, sem nenhum critério, sem nenhum planejamento, sem nenhum escrúpulo, sem nenhuma ausculta social. O que importa são as redes de amizade de filiação, de interesses, de poder, de fisiologismos e de fundamentalismos. Seguimos para o abismo e empurramos o Estado de direito com nossas “instituições fortes” para a ribanceira do descaso. Se a lei não serve, revogamos, se não concordamos, destituímos, se não entendemos, extinguimos.

Fico imaginando a compreensão analítica e cirúrgica que Eric Hobsbawn faria dessa conjuntura se estivesse vivo. Dos tempos extremos aos tempos fraturados, voltamos novamente para a era dos obscurantismos, dos nacionalismos, dos totalitarismos e dos conspiracionismos. E como diria Anne Applebaum: “De George Orwell a Arthur Kostler, os escritores europeus do século XX ficaram obcecados com a ideia da Grande Mentira”. O que fazemos nós agora com a Grande Mentira no século XXI?

 O Estado será destruído? Nem tanto, ainda é necessário ocupá-lo e dividi-lo em redes de influências e controle da sociedade. A distribuição de favores e trocas de apoios mantêm vivos os alinhamentos das estruturas de poder. A população tornou-se enfim um joguete nas mãos dos detentores do poder. Ela precisa acreditar na Grande Mentira.

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