POR CAROLINA POMBO
Um dia o
vizinho bateirista, com o qual eu costumava ralhar da janela por causa do
barulho de sua “música”, bateu em minha porta com uma fita k7 em mãos. Ele me
disse (ou eu criei isso em minha memória, mas me lembro mesmo de tê-lo ouvido)
“é isso que você precisa ouvir”. Era a fita de Mount
Moriah Mass Choir & The New Age Community Choir, ilustrada com uma mulher
negra como anjo, que eu ganhei em 1997.
Eu tinha acabado de sofrer um abuso sexual
(que só fui capaz de revelar pra alguém anos depois). Minha família estava
economicamente falida. Eu ia deixar a escola privada onde estudava. Eu ia ter
que morar na casa de uma amiga, até minha mãe acertar as coisas em outra
cidade. Eu tinha quatorze anos, vivendo minha primeira grande paixão mal
correspondida e sofrendo com a instabilidade das minhas amizades mais próximas.
Adolescência. Tempos difíceis. Eu achava que nunca ia acabar, que aquele tempo
ia durar pra sempre, que eu seria marcada definitivamente pelas experiências
que estava vivendo.
Mas, aquela fita veio a calhar. Eu me senti
tão profundamente tocada por aquele apelo de amor – e principalmente de amor
próprio, cantado em Right On:
“There is nothing in this world could ever
change the way I feel. For I know that it's real, it's truly Love. I used to
think that I wouldn't never find my place no no. In a world of high society
there seemed to be no place for me. I used to feel that I was born to be bound
not free Living in a world of changes there seem no escape for me.
But one day love found me in chains
shackled to my past, desiring to be free. I want the world to see this new meet
of it in yourself is the right kind of love who changes. Right on, right on,
right on to love yourself.”
O poder daquele Right on! Right on to love
yourself! Como se aquilo fosse um grito de guerra, um imperativo urgente, um
chamado: você deve amar a si mesma, você tem o direito de amar a si mesma! Eu
mal sabia cantar em ingles, mas aprendi rapidamente a repetir essas palavras.
Era exatamente o que eu precisava.
Em tempos de bullyings virtuais, de
adolescentes sendo atacadas, expostas, culpabilizadas por viverem suas
sexualidades ou por qualquer outro motivo, minha vontade é de compartilhar a
descoberta que fiz naqueles dias. Depois que saí do prédio para viver quase um
ano hospedada nas casas de amigos, nunca mais encontrei o vizinho baterista –
pra ser sincera não me lembro nem o nome dele. Mas, de fato, era exatamente
daquela mensagem poderosa que eu precisava: é necessário amar a si mesma. Você
tem o direito de amar a si mesma. Seja forte!
Hoje, eu tenho uma filha, que ainda tem
quatro anos de idade, mas já penso nas pressões e constrangimentos que ela
passará ao longo de sua vida de menina e depois ao transformar-se em mulher, se
assim ela desejar. E tenho me armado, cada vez mais, dessa verdade, de que ajudá-la
a descobrir-se e a amar a si mesma é o melhor que eu posso fazer enquanto mãe,
feminista e mulher que já viveu muitas coisas sofridas e fortes nessa vida. Eu
queria pegar você no colo para sempre e protegê-la de todos os males, todos os
insultos, bullyings, constrangimentos… Mas, o que posso fazer é compartilhar
esse grito de guerra que recebi das mãos daquele mensageiro, da fita com aquela
anja a me encarar com força e tranquilidade: vai passar, e você vai sobreviver
pra contar.
Eu posso te contar que, anos depois, depois
do meu feminismo e da maternidade, tive a oportunidade de testemunhar contra
meu opressor, diante de uma juíza, uma promotora e uma escrivã grávida. O amor
me presenteou com um destino inimaginável, e estou aqui podendo escrever sobre
ele.
Portanto, Right on to love yourself!
Carolina Pombo é doutoranda em Saúde e Bem
estar social na Escola de Autos Estudos em Ciências Sociais de Paris, faz parte
do coletivo FemMaterna www.femmaterna.com.br, é blogueira no Com a cabeça fora
d’água www.maetempo.net e no Kaléidoscope www.carolinapombo.blogspot.com, e autora
do livro A Mãe e o tempo: ensaio da maternidade transitória.
Que lindeza de texto, Carol! Quantas adversidades superadas! Obrigada por contar a sua história e compartilhar essa música tão bonita. Beijos
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