segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Um presente que a adolescência me deu


POR CAROLINA POMBO

Um dia o vizinho bateirista, com o qual eu costumava ralhar da janela por causa do barulho de sua “música”, bateu em minha porta com uma fita k7 em mãos. Ele me disse (ou eu criei isso em minha memória, mas me lembro mesmo de tê-lo ouvido) “é isso que você precisa ouvir”. Era a fita de Mount Moriah Mass Choir & The New Age Community Choir, ilustrada com uma mulher negra como anjo, que eu ganhei em 1997.

Eu tinha acabado de sofrer um abuso sexual (que só fui capaz de revelar pra alguém anos depois). Minha família estava economicamente falida. Eu ia deixar a escola privada onde estudava. Eu ia ter que morar na casa de uma amiga, até minha mãe acertar as coisas em outra cidade. Eu tinha quatorze anos, vivendo minha primeira grande paixão mal correspondida e sofrendo com a instabilidade das minhas amizades mais próximas. Adolescência. Tempos difíceis. Eu achava que nunca ia acabar, que aquele tempo ia durar pra sempre, que eu seria marcada definitivamente pelas experiências que estava vivendo.

Mas, aquela fita veio a calhar. Eu me senti tão profundamente tocada por aquele apelo de amor – e principalmente de amor próprio, cantado em Right On:

“There is nothing in this world could ever change the way I feel. For I know that it's real, it's truly Love. I used to think that I wouldn't never find my place no no. In a world of high society there seemed to be no place for me. I used to feel that I was born to be bound not free Living in a world of changes there seem no escape for me.

But one day love found me in chains shackled to my past, desiring to be free. I want the world to see this new meet of it in yourself is the right kind of love who changes. Right on, right on, right on to love yourself.”

O poder daquele Right on! Right on to love yourself! Como se aquilo fosse um grito de guerra, um imperativo urgente, um chamado: você deve amar a si mesma, você tem o direito de amar a si mesma! Eu mal sabia cantar em ingles, mas aprendi rapidamente a repetir essas palavras. Era exatamente o que eu precisava.

Em tempos de bullyings virtuais, de adolescentes sendo atacadas, expostas, culpabilizadas por viverem suas sexualidades ou por qualquer outro motivo, minha vontade é de compartilhar a descoberta que fiz naqueles dias. Depois que saí do prédio para viver quase um ano hospedada nas casas de amigos, nunca mais encontrei o vizinho baterista – pra ser sincera não me lembro nem o nome dele. Mas, de fato, era exatamente daquela mensagem poderosa que eu precisava: é necessário amar a si mesma. Você tem o direito de amar a si mesma. Seja forte!

Hoje, eu tenho uma filha, que ainda tem quatro anos de idade, mas já penso nas pressões e constrangimentos que ela passará ao longo de sua vida de menina e depois ao transformar-se em mulher, se assim ela desejar. E tenho me armado, cada vez mais, dessa verdade, de que ajudá-la a descobrir-se e a amar a si mesma é o melhor que eu posso fazer enquanto mãe, feminista e mulher que já viveu muitas coisas sofridas e fortes nessa vida. Eu queria pegar você no colo para sempre e protegê-la de todos os males, todos os insultos, bullyings, constrangimentos… Mas, o que posso fazer é compartilhar esse grito de guerra que recebi das mãos daquele mensageiro, da fita com aquela anja a me encarar com força e tranquilidade: vai passar, e você vai sobreviver pra contar.

Eu posso te contar que, anos depois, depois do meu feminismo e da maternidade, tive a oportunidade de testemunhar contra meu opressor, diante de uma juíza, uma promotora e uma escrivã grávida. O amor me presenteou com um destino inimaginável, e estou aqui podendo escrever sobre ele.

Portanto, Right on to love yourself!

 Carolina Pombo é doutoranda em Saúde e Bem estar social na Escola de Autos Estudos em Ciências Sociais de Paris, faz parte do coletivo FemMaterna www.femmaterna.com.br, é blogueira no Com a cabeça fora d’água www.maetempo.net e no Kaléidoscope www.carolinapombo.blogspot.com, e autora do livro A Mãe e o tempo: ensaio da maternidade transitória.

Um comentário:

  1. Que lindeza de texto, Carol! Quantas adversidades superadas! Obrigada por contar a sua história e compartilhar essa música tão bonita. Beijos

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