POR JORDI CASTAN
Italo Calvino é o autor da trilogia “O Barão nas Árvores”, “O Cavaleiro Inexistente” e “O Visconde Partido ao Meio”. São três historias divertidas e enriquecedoras que recomendo ler mais de uma vez. Difícil escolher uma das três, porque cada uma traz uma provocação. Gostei e recomendo “O Visconde Partido ao Meio”. É a história de um nobre que, no fragor de uma batalha contra os turcos, é partido ao meio por uma bala de canhão. E cada uma das duas metades segue tendo vida própria.
O livro é a historia de cada uma destas metades e do seu encontro. Na história, cada uma das metades carrega uma parte do visconde Medardo de Terralba. Numa, a sua bondade, raiando a estultícia; na outra, a maldade mais perversa. O livro relata a luta eterna entre o bem e o mal. Não é o meu objetivo fazer uma resenha do livro. Proponho fazer outra leitura, mas trocando o bem e o mal pela disputa imemorial entre a inteligência e a inépcia.
Desnecessário dizer que esta é uma luta desigual. Que já conhecemos o resultado e que lamentavelmente não há final feliz. Que o mocinho não vence e que a inépcia reina opípara nestas terras. Imaginemos, por um momento, que resultado de um acidente qualquer um suposto gestor - um piano a cair-lhe na cabeça, por exemplo - o dividisse ao meio, em duas metades idênticas. Numa, toda a inteligência. Noutra, toda a inépcia.
Imaginemos ainda que cada uma das metades tivesse vida e vontade própria. E que a metade tomada pela inépcia decidisse se candidatar a qualquer coisa. Suponhamos, para efeito de ficção, que optasse por ser candidato a prefeito da sua vila e que fosse eleito. A situação que os seus concidadãos enfrentariam a partir do dia seguinte à posse seria ter o suprassumo da inépcia à frente dos destinos da cidade. Ou seja, sem o mínimo de inteligência para se contrapor.
Ou seja, a cidade estaria sujeita a um prefeito inepto, que multiplicaria sua inépcia e a da sua gestão, se rodeando de outras pessoas tão ineptas quanto ele. Gente sem um pingo de bom senso e no estado mais embrionário da inteligência e do conhecimento. A vila iria cada dia mergulhando numa situação mais caótica e insustentável.
Esta situação extrema conduziria fatalmente ao crescimento do índice de necedade em todas as repartições e órgãos públicos. O inepto buscaria a companhia e o referendo dos seus iguais. A inteligência seria uma ameaça nessa terra de néscios. E seria banida, vista com um perigo. Imaginariam os seus concidadãos que exista outra metade vagando a esmo pelas ruelas da vila. Ficaria como última esperança, aos seus decepcionados eleitores, a ilusão que outro acidente fortuito juntasse um dia a duas metades.
Não há um final feliz nesta história. Primeiro porque não está claro que exista de fato outra metade e que esta metade reúna toda a inteligência, conhecimento e sabedoria que falta à metade que foi eleita e governa a vila. Há, inclusive, quem acredite que não estaríamos frente a uma metade, senão que isso seria o todo e que a alegada inteligência nunca tenha existido. Que tenha simplesmente sido o resultado de uma campanha publicitária bem orquestrada, ou que seja um caso de hipnotismo ou até de alienação coletiva.