segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Nada mudou. Tudo segue igual



Jordi Castan

Depois de uns dias de férias, volto a Joinville. Feita uma leitura rápida de como reencontrei a vila, constato que pouco mudou. Vejamos:

- Há no governo, em todos os níveis, a certeza que "eles" estão certos e todos os "outros" estão errados. Este tipo de "autismo" se origina no líder do executivo e se espalha como um cancro a todos os níveis, os resultados até agora tem sido devastadores. 

- A obra da Santos Dumont se apequena a cada dia. O que era para ser uma duplicação está ficando mais para um remendo, com direito a binário, recapada e um alargamento. Ah! Outro ponto importante é que tampouco será concluída no prazo previsto. No que se diga de passo já tem se convertido em rotina.

- O Secretário da Fazenda informou, em entrevista ao jornal local, que enfrenta dificuldades para pagar as contas em dia. O discurso que não faltava dinheiro e que o problema de Joinville é ou era de gestão se esfarela como um punhado de sal em dia de chuva. Os problemas econômicos não podem ser usados como escusa. As ideias são de graça, saber aproveitá-las é a saída. O bom senso diz que além de gestão estariam faltando também ideias. A administração municipal é um deserto ermo em que a criatividade e a iniciativa foram completamente extintas.

- A ideia de que os funcionários públicos municipais trabalhem em jornada completa voltou à pauta. Uma iniciativa louvável que, lamentavelmente, não tem a menor possibilidade de prosperar. Alguém poderia perguntar o que o joinvilense acha? Seria interessante ouvir como o contribuinte, que paga os salários, opina. A administração pública fica à margem de seguir quaisquer critérios razoáveis de produtividade, eficiência e economicidade. 

- Sem chance que algum órgão da administração municipal seja certificado com alguma norma técnica internacional. Alguém imaginou um IPPUJ sendo certificado com uma norma ISO? E imaginar que nesta gestão presenciaríamos um choque de transparência, eficiência e de boa gestão. Ou seja, é uma utopia que algum órgão público municipal possa ser avaliado pelo cidadão contribuinte por critérios objetivos de excelência. O choque de gestão foi só um espasmo curto e intenso, que durou o tempo do discurso de posse. A gestão acabara sem muito de que lembrar, sem nenhuma marca importante. 

- Parques? Mais verde? Mais lazer? Nem rastro.

- Surgem denúncias sobre a existência de um “mensalinho” na Câmara de vereadores. Entre os nomes citados há quem tem mostrado recalcitrância em flertar com o lado escuro da moral. O risco de que haja mais envolvidos não é pequeno e denúncias anônimas recentes passam a fazer mais sentido e ganham credibilidade.

- Apareceram as primeiras emendas a LOT e em breve devem ser divulgados os nomes dos maiores beneficiados com as mudanças de zoneamento que o prefeito defende com tanto afinco. Não seria surpresa se alguns nomes muito conhecidos surgissem entre os proprietários de áreas rurais que teriam o seu valor decuplicado em questão de meses.

- A ouvidoria segue sem entender que o seu papel é ouvir e defender o cidadão e não a administração pública. As respostas que a ouvidoria tem dado e que pipocam nas redes sociais provam que todos os problemas de Joinville são culpa dos joinvilenses que insistem em não entender a maravilhosa administração que tem. Em tempo: não há administrador ou comissionado que não se deixe picar pela mosca do poder. A perda do contato com a realidade é uma doença comum entre quem durante um tempo confunde “ser” com “estar”.

- A ponte que seria a grande obra desta administração sumiu do discurso, assim como tantas outras promessas eleitorais das que não se tem mais constância.

- Um ataque de lagartas cancelou a “Joinville em Movimento”. A administração municipal vencida por um punhado de futuras borboletas.  Alias é bom lembrar que lagartas, embiras e borboletas são comuns em primavera. 

- A primavera se apresenta linda e cheia de cor.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Barulho da Chuva #11


Meritocracia... o tanas!


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Quando entrei para a Faculdade de Engenharia havia um único calouro vindo do ensino público (não tenho certeza, mas acho que era também o único de Joinville). O cara era bom. Dominava os temas com muita facilidade e as suas notas eram sempre exemplares, mesmo naquelas cadeiras em que a maioria vivia a patinar. Fazer certas disciplinas era um pesadelo. Mas não para ele, que parecia talhado para a coisa.

No entanto, era notório que o cara não tinha dinheiro. Pelas roupas que vestia, pelo transporte que usava (busão, claro) ou pelo lazer de que não podia desfrutar. Muito diferente dos outros alunos, quase todos vindos de outras cidades e de famílias com alguma grana. Um bom número de colegas de sala usava roupas de marca, tinha carro próprio e não economizava na hora das festas.

Não sei quanto tempo o tal estudante permaneceu na faculdade (não digo o nome, mas lembro). Mas sei que a certa altura as suas aparições tornaram-se escassas e um dia deixei de vê-lo. Lembro de ter ouvido que tinha arranjado emprego, porque precisava sustentar a família. E a faculdade, com aulas o dia inteiro (e por vezes à noite) impossibilitava qualquer projeto nesse sentido.

Por que trazer essa história? Ora, porque tem muita gente a insistir na meritocracia como a panaceia capaz de produzir uma sociedade justa. Aliás, antes de continuar quero deixar claro: não nego o mérito, porque ele existe. O que rejeito é a desigualdade e as injustiças sociais. Porque a meritocracia só faz sentido se todos partirem em igualdade de condições. Não é o que acontece.

A meritocracia só existe quando todos são iguais à partida
O fato é que eu, sendo um péssimo projeto de engenheiro (tanto que desisti, depois de algum tempo), podia continuar na faculdade. O cara não. E eu pergunto: onde está a meritocracia? Não está. O discurso do mérito, repetido à exaustão pelos “homens de bem” (os que estão por cima da carne seca) serve apenas para a reforçar a elisão das diferenças de classe.

O leitor e a leitora podem contra-argumentar com o exemplo dos self-made man, mas o fato é que são uma minoria. Aliás, ninguém fala das self-made woman, o que apenas denota outra injustiça: no plano do gênero, a meritocracia também é coxa, tanto que as mulheres ganham menos que os homens no desempenho das mesmas funções. Na maioria dos casos, o mérito parece ser apenas para homens brancos e com alguma linhagem familiar.


Mérito sem igualdade de oportunidades é simples palavrório para inocentar as diferenças de classe. Enquanto houver potenciais Einsteins perdidos ali no Itaum não venham com essa treta de meritocracia. Porque é apenas conversa para boi dormir. Meritocracia... o tanas!

É a dança da chuva.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A rua


VALDETE DAUFEMBACK

A rua, com sua dinâmica, com seu movimento, é o melhor lugar para se ler a sociedade. A rua é o lugar da expressão, da liberdade literária, da aventura artística. É na rua que nos surpreendemos com situações inusitadas, que nos descobrimos e descobrimos os outros, que nos encantamos e desencantamos. Em poucos minutos a rua pode ser testemunha de muitas histórias


Em um órgão público esperava para ser atendida quando adentrou no recinto uma pessoa cheia de espontaneidade e solicitou um documento que havia encaminhado fazia uma semana. Naquele momento minha intuição dizia que se tratava de alguém que não conhecia a cultura ordeira e disciplinadora de Joinville.


 Ao sair do prédio, a pessoa já estava na calçada tentando se achar pelos pontos cardeais. Percebi que falava aos seus botões na tentativa de buscar na memória pontos que indicassem o caminho da localização para chegar a um destino pretendido. Ao perceber a cena me remeti ao passado quando nesta cidade cheguei, sem conhecê-la, tentava me localizar por meio de pontos de referência, desejando ter em mãos o novelo de fio de Ariadne para sair do labirinto de pedra e cimento. 


Perguntei à pessoa se precisava de ajuda para encontrar tal endereço. 


- “Eu estou em Joinville faz três semanas e ainda não decorei a cidade”. Assim foi o início de uma conversa que durou quinze minutos enquanto caminhávamos até o local pretendido. 


- “Agora estou feliz, tenho minha Carteira de Trabalho assinada, consegui emprego na construção civil graças ao curso de eletricista que fiz pelo PRONATEC. No Paraná eu trabalhei durante vinte anos na informalidade, mas depois que fiz o curso, vim pra cá e já arrumei emprego”. 


Na conversa mencionou que já havia matriculado os filhos na escola. E pelo entusiasmo com que se expressava, parecia mesmo estar satisfeito com o trabalho e com a cidade que acabara de conhecer.  


- “Tem gente que diz que eu vou trabalhar quatro meses para o governo. É o que vou pagar de imposto. Mas se não for assim, como é que o governo vai conseguir prestar à população serviços públicos? Olha, vai ver se nos Estados Unidos tem Sistema Único de Saúde? Vai ver como está a saúde da população no Paraguai?”.


Fiquei curiosa sobre a pessoa que estava caminhando ao meu lado e que espontaneamente foi revelando seus tesouros sem que eu tivesse feito uma só pergunta sobre a sua vida pessoal.  


- “Sabe, estas pessoas que foram às ruas no domingo (dia 16 de agosto), não sabem o que estão dizendo, não conhecem a história, não conhecem as necessidades dos pobres, não fazem ideia do quanto a presidente contribuiu para ajudar as pessoas a saírem da pobreza. Eu sou prova disso. Não sabem o que é ditadura militar, não sabem o que aconteceu naquela época. Meu pai, um agricultor, foi preso...”. 


Chegamos ao destino. Fim da caminhada sociológica em que assumi uma postura de ouvinte. A pessoa agradeceu e nos despedimos. 


- “A gente se vê por aí”. 


Sorri e segui em frente observando as pessoas em movimento, imaginando as suas histórias, suas vidas, seus encantos e desencantos. Pensei na liberdade de expressão do artista “palhaço” que foi preso na rua durante apresentação em festival infantil, em Cascavel, no Paraná, por usar a arte como instrumento político, tal como na época da ditadura militar. Pensei na polifonia e nas vozes que foram silenciadas ao levantar a bandeira da justiça social. Pensei no apagamento da memória e na alienação da história. Pensei nas cabeças tresloucadas que clamam por intervenção militar. Pensei no esvaziamento da política nos protestos de rua.