sexta-feira, 10 de abril de 2015

Pare de ajudar em casa

POR EMANUELLE CARVALHO

Frequentemente, em conversas com amigos, conhecidos e até em nossos ambientes de trabalho é relativamente comum ouvirmos a frase: “Eu me preocupo com minha mulher, ajudo bastante em casa”, ou então “Tenho um bom marido, ele me dá uma mão com as tarefas”.
Então, caro amigo te peço uma coisa:
Por favor pare agora. Pare de ajudar a sua mulher em casa. Pare de dar uma mão. Apenas pare.
Bom, eu vou explicar o motivo. Nós mulheres somos constantemente assediadas em virtude dos trabalhos domésticos. Tudo começa na infância – e a projeção de tudo isso ainda na gravidez – quando somos ensinadas que vassourinha, fogãozinho e bonecas são brinquedos exclusivamente femininos, sempre voltados a tarefas e cuidados com o lar.
É claro que ensinar a criança a cuidar de seu próprio lar é excelente, mas pera lá, nós não somos ensinadas, naturalizamos aquele serviço como sendo exclusivamente nosso, e a partir daí criamos um processo de aceitação e de negação da divisão das tarefas do outro:
_É coisa de mulher.
Ainda na infância, perdemos, antes mesmo de entender como funciona o mundo, boa parte de nosso empoderamento enquanto mulheres, quando nossos irmãos, primos e vizinhos meninos ganham legos, que estimulam a criatividade, carrinhos que ensinam todo o processo de lateralidade e diversos brinquedos que os ensinam a construir, demolir, refazer, desmanchar enquanto são sempre condicionados a entender que todo o restante do processo de cuidado e higiene são dados a nós por carma, o carma de ter sido lida pela sociedade enquanto mulher.
Muitas de nós, ainda na infância aprendemos a lavar, secar, guardar pratos e louças e no início da adolescência  já temos ‘’que aprender a cozinhar se quiser começar a namorar’’. Nossos sentimentos são condicionados a capacidade de cuidar de um lar. Nosso vigor sexual está aliado a nossa ‘’sensibilidade’’ e a capacidade de reprimir nossos desejos em prol do outro. Passamos a adolescência fazendo enxovais que contém apenas utensílios e roupas para, adivinhem? O cuidado com o lar.
No chá de panela enquanto na periferia ou nos altos condomínios as mulheres em sua maioria estão fazendo brincadeiras vexatórias, vocês homens (em uma relação heteronormativa é claro), estão fazendo despedidas de solteiro. Em qualquer festa ou atividade que haja no mundo essas analogias estarão presentes, em algum grau.
Mas você só está querendo ajudar certo? Errado.
Quando você se dispõe a ajudar a sua mulher você está assumindo seu papel de privliegiado e beneficiando-se dele, tomando-se como um ajudador e não de divisor de tarefas. As tarefas domésticas precisam ser dividas de forma igualitária. Você meu amigo homem, não ajuda é casa, você é tão responsável quanto ela nos afazeres domésticos, nos cuidados com os filhos, na responsabilidades que necessitem de cuidados de higiene e limpeza fora de casa.
 É preciso que os homens compreendam que já absorvemos e naturalizamos muitas dessas tarefas. Que já nos acostumamos a fazer trabalho dobrado no emprego para ser reconhecida como boa profissional. Que já nos acostumamos a ser a pessoa a fazer o café, levar o salgado e lavar a louça nas festinhas que tem como objetivo descontrair e esquecer o ‘’trabalho’’.

É necessário que nossos companheiros, maridos, amigos entendam que não é natural que eles esqueçam artefatos de higiene, de limpeza, comidas e outros cuidados. Não é engraçado o marido esquecer a papinha da criança. Não é nada divertido quando ele deixa a comida queimar. É extremamente estressante, porque só volta a lembrar que eles ‘’não nasceram pra fazer isso, e tudo está dando errado porque estão tentando nos ajudar’’.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Para você que é chamado de coxinha, reaça, paneleiro...


POR VANDERSON SOARES

Este blog tem uma grande variedade de escritores e voluntários que todos os dias agraciam o intelecto de seus leitores com textos que refletem a atualidade de Joinville e do Brasil de um modo geral. Às vezes textos ácidos, irônicos, cheios de bons argumentos, que nos fazem pensar em como melhorar nossa sociedade. Uma boa parcela destes escritores são assumidamente de esquerda, outros mais ao centro, nenhum de extrema direita (ainda bem!).

Este texto vai pender para a direita, mesmo que eu não seja de lá. Esta semana tomei conhecimento de 2 informações e de um acontecimento que me incentivaram a vir aqui hoje defender o ponto de vista da classe média:

1) A figura logo ao final deste texto, com uma publicação de alguém desabafando que gerou milhares de compartilhamentos;

2) Sílvio Santos já foi quem mais contribuiu para o Imposto de Renda, mesmo não sendo o mais rico do país;

3)  Dilma passou, oficialmente, o poder de articulação política para Temer

Ok, concordo que os 3 pontos são um pouco aleatórios e, talvez, aparentem ser desconexos, mas tem uma íntima ligação, que tentarei expor nas linhas abaixo.

Sobre a classe média. Muitos intitulam-na de coxinhas, reaças, retrógrados e afins.  Não sou de direita, sou contra qualquer forma de preconceito, sou contra o ódio e sou a favor da igualdade de possibilidades a todos.

Defendo, em partes, as bolsas que este governo tem dado. Seus incentivos e, principalmente, a abertura do ensino superior para classes que antes tinham muito mais dificuldade para chegar lá.

O que não dá de concordar é que um cidadão de classe média, autônomo ou empresário de pequeno e médio porte seja intitulado dos nomes que falei acima, simplesmente por defender a sua realidade. A figura 1 explica um pouco do ponto de vista que quero defender.

Sem emprego gerado pelas pequenas e médias empresas de pessoas da classe média, não há emprego e assim, aqueles que financiaram sua casa no Minha Casa Minha Vida não poderão pagar suas parcelas. Se não há emprego, não pagarão as parcelas dos carros que compraram com aquela baixa do IPI, não conseguirão pagar as contas de luz que os condicionadores de ar necessitam.

Mas então você quer que os pobres continuem na masmorra e o pessoal da Casa Grande continue com seus benefícios? Não, claro que não. Sou a favor destas medidas, quando acompanhadas de estratégias sustentáveis. Agora, dá-se de tudo para um lado e colocam-se impostos sobre tudo do outro lado. A balança não se equilibra.

O governo, e os principais defensores da esquerda, atacam a classe média por irem contra algumas medidas, mas vejam, é a classe que mais trabalha e que mais produz e que, em troca, apenas recebe mais impostos pra pagar em troca de nada. Coloquei o item 2, sobre o Imposto de Renda do Sílvio Santos, para mostrar como o nossos sistema é incorreto.

No ano em que Sílvio Santos foi quem mais pagou Imposto de Renda ele nem sequer figurou entre os mais ricos do Brasil. Como pode isso? Se o Imposto de Renda é proporcional à renda, como pode o que não mais ganhou, ser o que mais pagou? O PT não estava no poder quando Sílvio foi quem mais contribuiu para o IR, mas não fez nada em seu governo para mudar isso. Continuou a esfolar a classe média e nem sequer mexeu no bolso de quem realmente tem dinheiro para contribuir. Ao invés de por em pauta a taxação das grandes fortunas, preferiu meter goela abaixo impostos para a classe média.

Repito, sou a favor de proporcionar a todos o mesmo ponto de partida. Todos tem direito a educação, saúde e alimentação adequada. Mas não apenas tirar de um lado e colocar no outro, sem pensar na sustentação destes projetos.

Entrando no item 3, quero dizer que Dilma fracassa mais a cada dia. No segundo mandato de Lula e em seu primeiro mandato, só fizeram dívidas, realizaram aquilo que defendiam como sendo o correto, mas não pensaram na continuidade disso. Não tinham cacife pra manter isso tudo.

Hoje estamos assim:
- Levy manda e desmanda na economia, de modo a conseguir pagar o rombo gerado nos últimos anos;
- Eduardo Cunha, do PMDB, presidente da Câmara dos Deputados;
- Renan Calheiros, do PMDB, presidente do Senado Federal;
- Michel Temer, do PMDB, Vice Presidente da República e Dilma, ontem mesmo, deu a ele poderes para articulação política;
- PT fez coligação com o PMDB para se eleger.

Agora eu te pergunto, você que defende com unhas e dentes o PT, Dilma e Lula. Qual é a sensação de esperar tanto tempo para estar no poder, fazer tudo aquilo que o partido defendia, não conseguir manter, endividar o governo e agora, paulatinamente, realizar uma renúncia branca, entregando o poder assim, oficialmente, ao PMDB, partido que o PT tanto atacou por tanto tempo?

A Ética dos Meios não se aplica na resposta. O PT fracassou e toda a sua história em defesa dos trabalhadores começa a cair por terra, suas teorias não mais são sustentáveis na prática, como diziam ser. 


quarta-feira, 8 de abril de 2015

No início, tudo era escuridão...


A condição feminina

Angelus Novus, de Paul Klee
POR VALDETE DAUFEMBACK NIEHUES

Desde as manifestações do dia 15 de março, solitariamente tenho pensado sobre a trajetória da condição feminina, a qual envolve uma constante luta pelo rompimento de uma herança patriarcal, cuja transposição de valores seculares em busca da autonomia, revelou ter sido muito custosa e que deixou para sempre um relógio.

Os episódios de ódio manifestados nas ruas por tantas mulheres contra a pessoa da presidente Dilma balançaram minhas tão caras convicções sobre a conquista da autonomia feminina, expulsando-me da zona de conforto adquirida a partir da leitura de décadas de estudos publicados por pesquisadores. 

Não estou me referindo à liberdade de se expressar ou participar de manifestações, uma iniciativa que considero legítima. Refiro-me à maneira de como se expressaram, de como se reportaram a uma mulher, independente do cargo que ocupa, que só por isso já deveria haver respeito, uma vez que a presidente representa o Estado.  

A linguagem, os gestos, a brutalidade com que palavrões de baixo calão tão facilmente foram proferidos, deixaram-me perplexa porque era surreal cada cena, cada agressão verbal, revelando falta de ética na comunicação, sem contar com a falta de noção sobre política e história. Mas sobre isso prefiro nem comentar neste momento porque muitas delas talvez sejam vítimas de sua própria ignorância. E antes que alguém possa se irritar porque utilizei este conceito, sugiro uma visita em qualquer dicionário para entender que ignorante é aquele que ignora, que desconhece determinado assunto, portanto, não se trata de xingamento. 

Envergonhada fiquei ao assistir tanta sandice desrespeitosa. Lembrei da feição do Angelus Novus do quadro de Klee, citado por Benjamin, que tentava se equilibrar diante dos ventos da destruição percebida, da constante catástrofe que o deixavam horrorizado, enquanto que os vencedores entenderam ter conquistado o futuro e que precisavam apenas de reformas para garantir o seu domínio. 

Que a dominação masculina é um fato, sabemos. Que esta desigualdade de gênero foi construída historicamente, sabemos. Que as mulheres tiveram uma história de luta para vencer minimamente essa dominação e conquistar espaço no mundo do trabalho, da política, dos direitos, e que para isso muitas perderam a vida, também sabemos. Então, se foi uma luta constante para conquistar direitos e vencer a opressão masculina, se pela primeira vez uma mulher está no cargo máximo da representação política, como explicar que mulheres atacaram desrespeitosamente a pessoa de Dilma Roussef, presidente da República? 

Como afirmou Simone de Beauvoir, “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Nessa trajetória de construção de seu ser, ela aprendeu o valor da submissão, da rivalidade, da fantasia. A sociedade lhe reservou um espaço privado, o papel de fêmea e a dependência de um poder masculino que ela aprendeu a admirar e se sentir segura com sua presença. Sustenta ainda a autora, que essa educação permitiu que a mulher desenvolvesse uma relação de solidariedade mecânica, não orgânica onde há a compreensão de um universo de realidades, mas apenas uma parte na qual ela se esforça com afinco para cumprir a função a que está incumbida. “Não somente ela ignora o que seja uma verdadeira ação, capaz de mudar a face do mundo, mas ainda perde-se no meio desse mundo como no coração de uma imensa e confusa nebulosa” (O segundo sexo, p. 365). 

Beauvoir, ao escrever este livro, em meados do século 20, analisou a condição feminina no contexto dos valores burgueses. A condição de submissão fez da mulher uma prisioneira de sua própria vida. No entanto, já se passaram gerações, as conquistas são evidentes para além da vida privada, mas talvez o seu espírito ainda se encontre prisioneiro a uma tradição que concebe a figura masculina um sinônimo de segurança, de respeito e, assim, se explica essa atitude inconsciente de fazer xingamentos a uma mulher que não esteja neste círculo de submissão feminina. 

terça-feira, 7 de abril de 2015

Tem medo de quê, bolsonarete?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Ah ah ah. Desculpem, leitor e leitora, mas hoje tenho que começar o texto com um riso de escárnio. É que acabo de encontrar uma matéria muito interessante num jornalão estrangeiro e não posso deixar passar batido. Eis o resumo da ópera: a homofobia é uma coisa de bate mais forte nos indivíduos que têm desejo por pessoas do mesmo sexo. Ou seja, homossexuais que não saíram do armário.

Vou repetir: muitos dos homofóbicos têm um gay adormecido dentro deles, mas louquinho para acordar. Ok… essa afirmação surge sempre que tem debate boca sobre homofobia. Mas não sou eu a dizer. A diferença é que agora ela vem referendada por um estudo realizado nas universidades de Rochester e da Califórnia, nos Estados Unidos, e de Essex, na Inglaterra.

Não é um daqueles estudos malucos que só servem para sorver dinheiro e sustentar acadêmicos preguiçosos. Os resultados são para levar a sério. Tanto que foram publicados no “Journal of Personality and Social Psychology”, da American Psychological Association (publicação que os bolsonaretes não leem, claro).

Podia ficar aqui a sacanear os homofóbicos, mas vou me limitar a relatar os principais detalhes do estudo, que faz uma análise construção da identidade dos indivíduos e das influências da família nesse processo. Então lá vai:

1. Em grande número de casos, a homofobia afeta pessoas que se sentem atraídas pelo mesmo sexo, mas acabam ficando no armário.

2. Na maioria dos casos, a homofobia e o preconceito acontecem por culpa do autoritarismo dos pais, que reprimem e rejeitam os desejos dos filhos. Os homossexuais têm medo da reprovação dos pais, caso admitam desejo por pessoas do mesmo sexo.

3. Os jovens que crescem em ambientes repressivos tendem a mostrar uma desarmonia entre o que dizem e o que sentem em relação a pessoas do mesmo sexo. No estudo, as pessoas que se declaravam heterossexuais – mas não o demonstravam implicitamente, segundo os pesquisadores – eram mais propensas à hostilidade contra os homossexuais.

4. O estudo afirma que as pessoas homofóbicas vivem em constantes batalhas contra elas próprias. Óbvio...

5. Tudo indica que a homofobia pode ser uma reação de quem se identifica com os homossexuais, mas luta para rejeitar o fato.

Viram? Mas se você é homofóbico, fica pelo menos um boa notícia. A culpa dessa "autofobia" não é sua, bolsonarete, mas dos seus pais repressores.


É como diz o velho deitado. “Ah... se os armários falassem”.