sexta-feira, 20 de março de 2015

Quando as letras choram, a cidade chora junto

POR SALVADOR NETO

“Uma cidade sem cultura, é apenas um amontoado de gente”. Com essa frase, o ex-prefeito de Joinville por três vezes, deputado federal por outras tantas, e governador de SC por duas vezes, atual senador da república Luiz Henrique da Silveira, marcou o evento de abertura das comemorações dos 15 anos do Balé Bolshoi na maior cidade do estado. Vindo de quem vem, pode ter vários sentidos. Pode ser apenas discurso, ou bravata, ou aviso. Vai saber! 

A fala do senador chega em um momento que seu eleito, prefeito Udo Döhler, sim do PMDB também, acabava de avisar via grande mídia como sempre, que unir em uma só secretaria a educação, o esporte, o lazer e a cultura é vislumbrar o futuro. Claro, com tal visão tacanha, sua proposta foi rapidamente atacada por todo o setor cultural da cidade, inclusive pelo Conselho Municipal de Cultura. Não poderia ser diferente. Mas, não bastasse isso, outra notícia mexeu com o setor cultural joinvilense: o encerramento da parceria entre escritores e a Biblioteca Pública.

Talvez o incauto leitor não saiba, mas a presença da Confraria do Escritor a partir do projeto Joinville, Cidade dos Livros, e do Plano Municipal do Livro, Leitura e Literatura, produziu efeitos encantadores na cidade. Deste movimento literário, vários movimentos se sucederam em projetos que espalharam livros, leitura e escritores, por escolas, praças, além de ser o embrião da já consagrada Associação Confraria das Letras, que entre outras coisas já editou sete miniantologias Letras da Confraria, dois grandes encontros catarinenses de escritores, e dois livros/antologias, o Saganossa e o Saganossa – Outras Histórias, este a ser lançado na próxima Feira do Livro em abril próximo. Tudo isso com recursos próprios.

Não falamos aqui da produção literária de cada escritor envolvido nos dois movimentos. Faltariam linhas para expor, porque há sim muitos escritores escrevendo belas histórias em poesias, crônicas, contos, romances, e todos realizando seu papel em grande maioria sem qualquer centavo público. Pura garra. Pura emoção. Pura criatividade e vontade de realizar o que é preciso para uma sociedade desenvolvida. Não economicamente, mas culturalmente e socialmente, o que por sí só impulsiona uma cidade ao progresso com bases sólidas e sustentáveis.

O fato é que o atual governo Udo não tem compromisso com a cultura como uma política pública permanente. Visite os museus da cidade e verás. Veja que os cursos da Casa da Cultura buscam alunos por perder “força”, pois faltam recursos. O Museu do Sambaqui fica embaixo de água após a enchente, aos cuidados dos abnegados servidores, porque a gestão cultural não tem interesse na história. Mas voltemos a leitura, aos livros, à produção literária. Que futuro queremos se sequer os escritores e escritoras tem o apoio do espaço de uma biblioteca – pública – para encontros, apoio, debates, por falta de “gente”?

Para onde caminha uma cidade, dita como “a maior” de Santa Catarina, se o governo não prioriza seus intelectuais, artistas, produtores, escritores, gente que agita o pensamento, promove a criatividade, motiva crianças, jovens e adultos para escrever, sim, escrever uma nova história de desenvolvimento social e econômico que não passe apenas pela indústria e seu modelo reprodutivo repetitivo, pura produção de peças, produtos, marcas? A modernidade proposta pelo Prefeito em sua campanha é somente isso? Continuar transformando crianças, jovens e homens em máquinas de apertar botões? 

Uma cidade com mais de 600 mil habitantes que tem apenas uma Casa da Cultura, apenas uma Biblioteca, que neste governo reduziu de tamanho e sequer poder receber um grupo autônomo como a Confraria do Escritor. Uma cidade sem uma politica pública clara e com recursos generosos e garantidos para a cultura e literatura. Uma cidade em que a Feira do Livro chega a sua décima segunda edição ainda penando para angariar recursos para se realizar. Uma cidade em que produtores culturais, artistas, escritores, todos, sem muito apoio público, luta arduamente para continuar seu trabalho.



Que futuro tem uma cidade assim? Uma cidade sem futuro para a cultura, sem produtores de sentidos, de criatividade, sem a formação do pensamento crítico, será com certeza em poucos anos, apenas um amontoado de gente formada apenas para ser uma massa trabalhadora para as indústrias, uma cidade empobrecida cultural, social e economicamente. É isso que queremos? Quando as letras choram como agora, a cidade chora junto. Com a palavra, o leitor cidadão.





quinta-feira, 19 de março de 2015

Beijo entre mulheres acende debate (2)



Beijo entre mulheres acende debate... (1)













(I)mobilidade Urbana

POR MÁRIO MANCINI

Com muita honra aceitei o convite para ocupar este espaço quinzenalmente e, sendo assim, inauguro com o assunto da moda em Joinville (o reino dos manguezais), que, com certeza, deveria ser mais debatido, mas virá por decreto, a (i)mobilidade urbana.

Vivemos uma crise de mobilidade que atinge a maioria das cidades com mais de 300 mil habitantes, bem ou mal, a “qualidade” de vida melhorou, facilitou o acesso aos automóveis, às motocicletas, etc. O que, de maneira direta, aumentou de maneira exponencial a quantidade de veículos circulantes, muitas vezes por ruas dimensionadas no século XIX.

A maioria das cidades nasceu em volta de uma igreja e se expandiu, sem planejamento algum, o que era comum para a época e formou, de certa forma, um centro histórico de difícil locomoção.
Muitas destas cidades atentas a este detalhe desviaram e/ou limitaram o acesso “motorizado” a este bairro central, planejando o entorno e investindo em mobilidade urbana.

Infelizmente existe uma grande maioria que não o fez e pensa que transporte coletivo é sinônimo de ônibus circular, que o mesmo deve disputar espaço com bicicletas, motocicletas, automóveis e, até, pedestres.

Nestas cidades planejamento para longo prazo não existe, vivem o momento, algo do tipo, “vamos fazer para ver o resultado, se não der certo mudamos”, mesmo que isto decorra em custos e retrabalho, pois ao menos a população vê que estão trabalhando.

Existe um exemplo bem próximo de nós, que colocou na cabeça que o ônibus é a solução para o transporte de massa e deve ter prioridade sobre os demais, ideia mais que ultrapassada; inclusive defenestrado qualquer ideia contrária; mesmo se o sistema fosse eficiente, de baixo custo e confortável, o que não é.

Por isso afirmo, neste caso choque de gestão não chega a lugar algum , precisamos de um choque de ideias, de mudanças de paradigmas, e isto em todas as áreas, não só na “gestão” da mobilidade urbana.

Como isto não ocorrerá, ao menos no próximo ano e meio, são só divagações, simples divagações.

quarta-feira, 18 de março de 2015

O que 2015 tem a ver com 1964?

POR FELIPE SILVEIRA

O 15 de março nos mostra como precisamos falar, discutir e refletir muito mais sobre a ditadura civil-militar de 1964 a 1985, especialmente sobre o golpe de 1º de abril, que depôs o presidente eleito João Goulart, o Jango. A partir dessa reflexão, podemos ter outro olhar sobre os movimentos atuais, entre outras pautas (algumas justas, como o “fim da corrupção”), o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e o absurdo pedido de intervenção militar, inclusive em inglês, para os americanos entenderem bem.

O mundo é outro 51 anos depois, mas há muitos pontos em comum entre o movimento atual e o de 64. Jango não era comunista, mas era “acusado” por parte dos manifestantes da época. O governo Dilma também não é. Tanto que é imensamente criticado por boa parte da esquerda hoje.

Havia interesses norte-americanos sobre o Brasil, inclusive com campanhas difamatórias promovidas por institutos que tinham muito dinheiro para fazer o trabalho sujo. O embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, foi um dos principais articuladores do golpe. Da mesma forma, no Brasil de hoje, há uma profusão de institutos e outras organizações com grana pra fazer o trabalho difamatório. E a própria CIA (Agência de Inteligência Americana) foi pega com a boca na botija bisbilhotando por aqui.

Mas, se à época o interesse se dava no contexto da Guerra Fria, tentando barrar o avanço do comunismo no mundo, o interesse sobre o Brasil hoje se dá no contexto dos BRICS, os países emergentes que se organizam para ter independência política e econômica dos EUA e da Europa. Incomoda muito e dá muito prejuízo para as potências do norte que estes países da periferia do mundo consigam se organizar de modo a se tornarem independentes.

Não acredito em um novo golpe militar (também não descarto), pois não é mais a prática comum a ser adotada na América Latina, como em meados do século XX. Mas, inegavelmente, interessa muito ao capital internacional que o Brasil seja controlado por gente mais “amigável” aos seus interesses. Como se o governo petista já não seja amigão o suficiente. Só que eles, egoístas que são, sempre querem mais.

Algo de errado não está certo, diria o outro
Para alcançar seus objetivos, o caminho é a desestabilização política e econômica. Dessa forma se abre caminho para a privatização completa da petrobrás, da redução de serviços públicos como o SUS e a educação pública, para uma concentração ainda maior de renda, tornando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.

Isso não é uma defesa do PT como o salvador da pátria. Acredito, inclusive, que devemos superar o PT e avançar mais ainda as conquistas para o povo. Mas é preciso fazer isso democraticamente. O que faço, aqui, é uma defesa da democracia ante a uma ameaça gravíssima a ela.

É preciso criar mecanismos de combate à corrupção, é necessário cobrar o governo Dilma/PT, é urgente se organizar enquanto sociedade para mudar o Brasil. Mas mudar para melhor. Marchar ao lado de gente que pede golpe militar, que xinga a presidenta de “vaca” e “puta”, que enforca bonecos de Dilma e Lula, entre outros absurdos que vimos no domingo, não dá. Caminhar ao lado dessas pessoas é engrossar o coro ao desejo delas, é ser conivente com o desejo de uma nova ditadura, de violência e de violações dos direitos humanos. Você é melhor do que todos esses vermes que pedem um novo golpe.


Comece a mudar o Brasil pela sua cidade

Nesta quarta-feira, 18 de março, ocorrem dois debates muito interessantes sobre questões políticas da atualidade.

Às 19h15, no mini-auditório da Sociesc da Marquês de Olinda, ocorre o debate “A criminalização das mulheres nos movimentos sociais”, promovido pela organização da campanha “Protesto não é crime”, que atua contra a criminalização de ativistas políticos de Joinville por meio de processos judiciais e campanhas difamatórias. A Emanuelle Carvalho escreveu sobre o assunto aqui.

(Clique nas imagens para ampliar)
Às 19 horas, no anfiteatro do Bom Jesus/Ielusc, o debate é sobre o tema abordado no texto, mas bem mais amplo: “Protestos do dia 15 de março de 2015: conjuntura, história e desdobramentos”.

Exerça sua cidadania dialogando com as pessoas que lutam por mudanças todos os dias e sofrem na pele as consequências. Busque o diálogo, em vez de sair correndo para bater panela toda vez que ouve a voz da presidenta na TV. Faça sua crítica ao PT, vá às ruas, se organize. Mas não esqueça da corrupção dos outros. Não esqueça do descaso do governo municipal e estadual com a sua cidade. Não esqueça de cobrar do vereadores e dos secretários. Exerça a sua cidadania na democracia.

 

terça-feira, 17 de março de 2015

Questionamentos, explicações e decisões


POR FELIPE CARDOSO

Alguns questionamentos:

Quantos negros já seguraram um microfone e quantos já seguraram uma câmera?

Quantos negros já seguraram um diploma e quantos já levaram algemas nos punhos?

Quantos negros já desfilaram na passarela e quantos já entraram em sacos do IML?

Quantos negros já andaram com carro do ano e quantos negros já andaram de camburão?

Quantos negros possuem mansões e quantos negros possuem barracos?

Quantos negros frequentam o centro e quantos negros frequentam a periferia?

Quantos negros têm na política e quantos negros têm atrás das celas?

Quantos negros são protagonistas e quantos são subalternos nas novelas?

Quantos negros carregam sombrinhas e guarda-sol para proteger apresentadores brancos e quantos negros são apresentadores?

Quantos negros aparecem em publicidades e quantos negros estampam as páginas policiais?

Quantos negros possuem propriedades e quantos negros fazem parte do MST e MTST?

Quantos negros são patrões e quantos negros são funcionários?

Quantos negros são médicos e quantos são garis?

Temos que analisar e combater tudo isso diariamente e ainda enfrentar o mantra dos brancos nos chamando de “vitimistas”, “vão trabalhar”, “meritocracia”.

Eles faltaram algumas aulas de História e perderam muitos assuntos sobre o período escravista e pós-escravista. Eles não admitem que as consequências desse terrível período duram até hoje.

Eles não lembram que o Brasil foi o último país a sair desse sistema assassino (1888) e, mesmo após sair, não ofereceu nenhuma estrutura para os negros sobreviverem. Sem direito a saúde, educação, moradia e trabalho o negro continuou à margem, sem direitos e sem voz.

Depois de anos lutando para ganhar o que nos foi negado, até mesmo os direitos básicos, temos que ouvir ainda que “o racismo acabou”.

Na verdade eles não sabem nem o que é racismo.

“O racismo é um sistema de sentidos material e histórico, não é subjetivo. É um modo de organização social em que uma ‘raça’ se sobrepõe a outra, se afirma como paradigma, se naturaliza como regra e oprime as demais. O racismo não é algo subjetivo, individual, que se manifesta entre pessoas. Ele está estruturado e inserido na sociedade, na forma como ela se organiza e se reproduz, no mercado de trabalho, na mídia, entre as vítimas da violência, entre o público do sistema carcerário, entre os pobres em todo o mundo, entre os proprietários e os não proprietários” (Fran Vasconcelos).

E o racismo se naturalizou no Brasil justamente porque ele é negado. As pessoas não assumem o racismo, assim como não assumem a homofobia e o machismo. Assim, fica tudo maquiado, mascarado, parecendo que o mundo é perfeito… Para eles, lógico. Mas quando resolvemos colocar o dedo na ferida, os opressores tentam, de todas as formas, transformar os oprimidos em opressores para manter o status quo e não perder seus privilégios.

Eu vejo racismo em tudo porque, infelizmente, ele ainda está em todos os lugares.

A segregação racial ainda existe e os únicos que fazem “vitimismo” são os próprios brancos que ficam desesperados quando se sentem ameaçados a perderem seus privilégios.

A decisão é única: fortalecer e propagar o Movimento Negro e todas as suas vertentes. Lutar contra o genocídio da população negra, conquistar mais representatividade na política, criar medidas para acabar com as injustiças sociais, incentivar a conquista do poder para o povo.

Vamos mudar essa realidade, com ou sem seu “mimimi” opressor. Vamos cobrar cada centavo da nossa “MERITOCRACIA” de 400 anos de trabalho forçado.